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sábado, 28 de julho de 2018

PF intima professor da UFSC após evento com críticas à polícia

PF não aceita críticas

A Polícia Federal investiga há cinco meses o professor de jornalismo da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) Aureo Mafra de Moraes, chefe de gabinete da reitoria, sob a suspeita de atentado contra a honra da delegada Erika Mialik Marena. Erika deflagrou a operação Ouvidos Moucos da PF, que apurou supostos desvios de recursos federais na universidade. A delegada participou da Lava Jato, em Curitiba, até fevereiro de 2017, quando se transferiu para Florianópolis.

Já Aureo foi chefe de gabinete do ex-reitor Luiz Carlos Cancellier de Olivo, que, em outubro passado, atirou-se do sétimo andar de um shopping center da capital catarinense. O reitor havia sido preso 18 dias antes pela delegada, que o acusou de obstrução de Justiça o reitor não era suspeito de desvios de recursos.  À época, Cancellier negou qualquer irregularidade e deixou um bilhete póstumo no qual responsabilizava a operação policial pelo suicídio. O professor Aureo nunca foi incriminado na operação.

O inquérito agora contra o professor foi instaurado porque policiais federais viram indícios de crimes de calúnia e difamação numa reportagem da TV UFSC, produzida por alunos, sobre o evento de aniversário de 57 anos da universidade, em dezembro.  O vídeo, de quase três minutos, mostra os festejos e registra uma “manifestações em defesa da universidade pública” e homenagens a Cancellier. 
(…)
Na Folha.



quarta-feira, 2 de maio de 2018

Cancellier não precisa morrer de novo


A Polícia Federal, a Justiça e a imprensa meteram-se num equívoco, o melhor seria que assumissem o erro 

Hoje completam-se sete meses da manhã em que Luiz Carlos Cancellier, reitor da Universidade Federal de Santa Catarina, matou-se. Os repórteres Monica Weinberg, Luisa Bustamante e Fernando Molica tiveram acesso ao relatório de 800 páginas da Polícia Federal com o resultado da investigação que o levou à prisão em setembro do ano passado. Eles informam: “É uma leitura perturbadora pelo excesso de insinuações e escassez de provas”.

Cancellier foi algemado pelas mãos e pelos pés e vestiram-no com uniforme de presidiário. Dias depois, ele foi libertado, proibido de pôr os pés na UFSC, e só voltou a ela morto, para o velório.  A chamada “Operação Ouvidos Moucos” começou com um erro retumbante. A Polícia Federal anunciou espetaculosamente que investigava o desvio de R$ 80 milhões de verbas destinadas ao ensino à distância. Errado. Esse era o valor das verbas, não do eventual desvio. Tudo bem, mas qual era o valor da maracutaia? O relatório da investigação não diz. Talvez tenham chegado a R$ 500 mil, mas isso é conversa de corredor.

Não havendo sequer suspeita de que Cancellier tenha desviado dinheiro, sustentou-se que ele tentou obstruir uma investigação interna avocando-a para seu gabinete. O reitor fez isso em ato de ofício. Se ele tivesse dito que era preciso “estancar a sangria” (Romero Jucá), vá lá.  Aqui e ali pipocam breves notícias de que Cancellier fez isso ou aquilo. Recentemente, soube-se que o filho de Cancellier estava indiciado por ter recebido R$ 7.102 de um professor da UFSC. Para uma operação que começou falando em R$ 80 milhões, era pesca de lambaris. Em seu relatório, a PF documentou a transferência desse valor para a conta do filho de Cancellier, que também leciona na UFSC. Um professor depositou dinheiro de sua conta para outro cidadão, e daí? Diz o relatório da PF: Comenta-se que os recursos transferidos (...) foram oriundos do projeto coordenado por Luiz Carlos Cancellier”. Comenta-se também que Elvis está vivo, mas não é para isso que existe uma Polícia Federal.

A operação “Ouvidos Moucos” pode ter nascido de uma mobilização exagerada da Polícia Federal, amparada pela Justiça. Algo semelhante aconteceu em alguns aspectos da “Carne Fraca”. O suicídio de Cancellier deu-lhe uma dimensão trágica. A imprensa acompanhou as exposições espetaculares e acreditou no erro do desvio de R$ 80 milhões. É possível que a própria Polícia Federal e a juíza que mandou prender o reitor acreditassem que havia uma organização criminosa e milionária na UFSC. Isso não elimina o fato de que o desvio porventura ocorrido não tinha essa dimensão. A investigação durou sete meses, e outros sete se passaram até o relatório agora revelado pelos repórteres.

O aparato do Estado na defesa da lei e da ordem às vezes comete erros ou mesmo exageros. É o jogo jogado, mas a intransigência transforma os equívocos em desastres. A promiscuidade da imprensa americana com o FBI durante o século passado até hoje custa-lhe arrependimentos. Por cá, em 1974, 44 repórteres, radialistas e fotógrafos que cobriam a Secretaria de Segurança de São Paulo escolheram os melhores policiais do ano. O delegado Sergio Fleury tirou o quarto lugar.

Elio Gaspari, jornalista - O Globo