A Polícia Federal, a Justiça e a imprensa meteram-se num equívoco, o melhor seria que assumissem o erro
Hoje
completam-se sete meses da manhã em que Luiz Carlos Cancellier, reitor da
Universidade Federal de Santa Catarina, matou-se. Os repórteres Monica
Weinberg, Luisa Bustamante e Fernando Molica tiveram acesso ao relatório de 800
páginas da Polícia Federal com o resultado da investigação que o levou à prisão
em setembro do ano passado. Eles informam: “É uma leitura perturbadora pelo
excesso de insinuações e escassez de provas”.
Cancellier
foi algemado pelas mãos e pelos pés e vestiram-no com uniforme de presidiário.
Dias depois, ele foi libertado, proibido de pôr os pés na UFSC, e só voltou a
ela morto, para o velório. A chamada
“Operação Ouvidos Moucos” começou com um erro retumbante. A Polícia Federal
anunciou espetaculosamente que investigava o desvio de R$ 80 milhões de verbas
destinadas ao ensino à distância. Errado. Esse era o valor das verbas, não do
eventual desvio. Tudo bem, mas qual era o valor da maracutaia? O relatório da
investigação não diz. Talvez tenham chegado a R$ 500 mil, mas isso é conversa
de corredor.
Não
havendo sequer suspeita de que Cancellier tenha desviado dinheiro, sustentou-se
que ele tentou obstruir uma investigação interna avocando-a para seu gabinete.
O reitor fez isso em ato de ofício. Se ele tivesse dito que era preciso
“estancar a sangria” (Romero Jucá), vá lá. Aqui e
ali pipocam breves notícias de que Cancellier fez isso ou aquilo. Recentemente,
soube-se que o filho de Cancellier estava indiciado por ter recebido R$ 7.102
de um professor da UFSC. Para uma operação que começou falando em R$ 80
milhões, era pesca de lambaris. Em seu relatório, a PF documentou a
transferência desse valor para a conta do filho de Cancellier, que também
leciona na UFSC. Um professor depositou dinheiro de sua conta para outro
cidadão, e daí? Diz o relatório da PF: “Comenta-se que os recursos transferidos
(...) foram oriundos do projeto coordenado por Luiz Carlos Cancellier”.
Comenta-se também que Elvis está vivo, mas não é para isso que existe uma
Polícia Federal.
A
operação “Ouvidos Moucos” pode ter nascido de uma mobilização exagerada da
Polícia Federal, amparada pela Justiça. Algo semelhante aconteceu em alguns
aspectos da “Carne Fraca”. O suicídio de Cancellier deu-lhe uma dimensão
trágica. A imprensa acompanhou as exposições espetaculares e acreditou no erro
do desvio de R$ 80 milhões. É possível que a própria Polícia Federal e a juíza
que mandou prender o reitor acreditassem que havia uma organização criminosa e
milionária na UFSC. Isso não elimina o fato de que o desvio porventura ocorrido
não tinha essa dimensão. A investigação durou sete meses, e outros sete se
passaram até o relatório agora revelado pelos repórteres.
O aparato
do Estado na defesa da lei e da ordem às vezes comete erros ou mesmo exageros.
É o jogo jogado, mas a intransigência transforma os equívocos em desastres. A
promiscuidade da imprensa americana com o FBI durante o século passado até hoje
custa-lhe arrependimentos. Por cá, em 1974, 44 repórteres, radialistas e
fotógrafos que cobriam a Secretaria de Segurança de São Paulo escolheram os
melhores policiais do ano. O delegado Sergio Fleury tirou o quarto lugar.
Elio
Gaspari, jornalista - O Globo
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