"Picotar é o de praxe, meu mano, se caso der. Se não der, só
arranca a cabeça ali, tá tranquilo." A ordem acima foi emitida no dia 7 de
outubro de 2017 durante uma conferência por celular na qual participaram chefes
da facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital). Eles decidiam na ocasião
o destino de um integrante da organização rival, Comando Vermelho, capturado em
Campo Grande (MS). Interceptada durante as investigações da Operação Echelon, a
conferência mostra o funcionamento de um "tribunal do crime" no qual
inimigos do PCC acabam torturados e sentenciados à morte por líderes da facção,
que acompanham os assassinatos em tempo real.
Na denúncia do MP-SP (Ministério
Público de São Paulo) constam diversos flagrantes das "sessões de
julgamento" do PCC realizadas por todo o país. Há casos relatados também
no Ceará, Roraima, Amapá e Mato Grosso,
por exemplo. Do outro lado da linha, os chefes da facção comandam as ações,
apesar de alguns deles estarem detidos em presídios com bloqueadores de
celulares, como mostrou reportagem da Folha de S.Paulo.
Membros
da cúpula do PCC estão presos na Penitenciaria 2 de Presidente Venceslau (SP)
Membros da cúpula do
PCC estão presos na Penitenciaria 2 de Presidente Venceslau (SP)... -
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https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2018/07/20/tribunal-do-crime-chefes-do-pcc-acompanham-em-tempo-real-assassinatos-pelo-pais.htm?cmpid=copiaecola
Tortura precede assassinato
Os alvos preferenciais dos julgamentos descritos na denúncia da Operação
Echelon são membros do Comando Vermelho. Desde o segundo semestre de 2016, as
duas maiores facções criminosas entraram em guerra pelo domínio das principais
rotas de tráfico de drogas e armas e da massa carcerária do país. Os chefes do
PCC ordenam que os adversários sejam torturados nos interrogatórios. Após
matá-los, os "soldados" do PCC devem enviar-lhes fotos e vídeos dos
corpos, de preferência com as cabeças arrancadas. O "sentenciado" no
caso descrito no começo desta reportagem chamava-se Rudnei da Silva Rocha, 22,
conhecido como Babidi. Ele foi torturado durante duas horas para que passasse
informações sobre seus comparsas. "Ou você oculta e deixa eles vivos e
você morre, ou você abre o coração, sai vivo, e nois vai arregaça todos eles
(sic)", disse um membro do PCC.
Policiais
encontraram o corpo de Babidi, na noite seguinte, em um matagal na região oeste
da capital sul-mato-grossense. Enrolado em um colchão, o cadáver apresentava
marcas de tortura e estava decapitado.
Tentativa de assassinato foi transmitida por
celular. Em outro caso, os chefes do PCC
acompanharam "ao vivo" a tentativa de assassinato de um desafeto da
facção.
Enquanto
atiradores entravam na casa de Rene Fernandes do Advento para matá-lo, outro
membro falava ao celular com um dos líderes da facção e lhe informava sobre a
"operação".
A tentativa de homicídio aconteceu na cidade de Naviraí (MS) no dia 15
de novembro de 2017. De acordo com a transcrição feita pelos investigadores da
Operação Echelon, "é possível ouvir disparos de arma de fogo e gritos de criança".
O alvo sobreviveu, apesar de ter recebido três tiros. Quinze dias antes ele já
havia escapado de um primeiro atentado. Na ocasião, foi atingido sete vezes.
Secretaria pede isolamento de líderes do PCC
Autor da denúncia, o
promotor de Justiça Lincoln Gakyia afirmou ao UOL que a Polícia Civil paulista
compartilhou com as autoridades de outros estados as provas de participação de
membros do PCC nos casos de assassinatos flagrados pela investigação. Por sua
vez, a SAP (Secretaria de Administração Penitenciária) de São Paulo afirmou, em
nota, que pediu à Justiça a internação de alguns denunciados da Operação Echelon
no RDD (Regime Disciplinar Diferenciado), o mais rigoroso das prisões
brasileiras. Ou seja, eles ficarão em isolamento por no mínimo um ano, caso a
Justiça autorize.
“A investigação ainda em curso já descobriu dezenas de outros crimes
cometidos por eles, o que pode gerar outras condenações posteriormente",
diz a nota. A punição para os envolvidos cabe agora ao trabalho da polícia e do
MP nos estados em que as mortes aconteceram.