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quinta-feira, 4 de maio de 2023

Não aceitaremos viver sob uma ditadura - Marcel van Hattem

Vozes - Gazeta do Povo 

O país se mobilizou, nos últimos dias, para barrar o PL da Censura (2630/2020) e obteve uma vitória provisória: a iniciativa autoritária foi retirada de pauta na noite de terça-feira, 2 de maio. 
O apelido mais conhecido do projeto nesse curto período de tempo chegou a mudar, tamanha a repercussão do tema: de PL das Fake News, supostamente para combater desinformação e mau uso das redes sociais, passou a ser chamado pela população por aquilo que tenta tornar lei no Brasil: PL da Censura, uma restrição severa à liberdade de expressão. 
Refletindo mais a respeito e observando tudo o que ocorreu em torno da discussão do PL 2630/2020, porém, percebe-se que a proposta é muito mais do que uma autorização legislativa para a volta da censura no país.
 A proposta define, na verdade, se a Câmara vai se curvar à ditadura em curso do Poder Judiciário e do Poder Executivo ou se vai se manter firme na defesa da liberdade de expressão e ao lado da Constituição.

O Congresso Nacional é o último bastião de defesa das liberdades em uma democracia quando as demais instituições sucumbem. É no Parlamento, em particular na Câmara dos Deputados, que se encontra a pluralidade eleita para representar a população brasileira, da esquerda à direita, passando por um amplo centro. Não obstante essa importância capital, a própria Casa Legislativa tem hesitado em se impor e colocar-se no lugar de importância e relevância junto ao povo brasileiro. Muitas vezes, vergonhosamente, tem feito o oposto e se curvado aos demais poderes.

    O recado claro do povo brasileiro é o de que não aceitará viver sob uma ditadura no Brasil.

As decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde o inquérito das fake news em abril de 2019, passando pela resolução inconstitucional do TSE durante o segundo turno das eleições de 2022 até as prisões ilegais de manifestantes em frente ao QG em Brasília, no dia 9 de janeiro, sem qualquer prova individualizada de participação nas depredações ocorridas no dia anterior, são todas sem base legal ou seja, ilegais. Completamente inerte, as presidências de ambas as Casas do Parlamento brasileiro assistem às ações abusivas sem se pronunciar.

Milhares de pessoas e empresas brasileiras estão neste momento enfrentando severas restrições às suas liberdades por caprichos ilegais do Tribunal Supremo. 
Redes sociais suspensas, contas bancárias bloqueadas, passaportes de cidadãos brasileiros cancelados, tornozeleiras eletrônicas e prisões preventivas sem as condicionantes são exemplos dos abusos em curso no país. 
Já o Poder Executivo sob a presidência de Lula da Silva – que pela lei e decisão de todas as instâncias do Judiciário brasileiro deveria estar preso por seus crimes, mas foi solto por decisão de ministros do STF indicados por ele e Dilma no passado tem tomado decisões ilegais e abusivas todos os dias: nomeações irregulares no governo e em estatais, decretos suspendendo leis, sem falar na descarada liberação de emendas parlamentares em troca de votos a favor do PL.

    O Parlamento tem de resistir às iniciativas autoritárias se não quiser perder a condição de último recurso institucional de combate ao arbítrio e à opressão.

Na discussão do PL da Censura percebeu-se nitidamente como os interesses ilegais e práticas autoritárias de ambos os poderes podem andar em conjunto.  
O exemplo do que ocorreu com a empresa Google basta. 
Ao informar seus usuários em sua página inicial sobre alguns dos efeitos negativos do PL 2630/2020 sobre seus serviços e pedir, legitimamente, por mais debate, foi alvo do governo Lula e do Poder Judiciário ao mesmo tempo, com ações abusivas, arbitrárias e ameaçadoras. Um verdadeiro cala-boca, com tintas de exemplaridade, para quem ousar fazer o mesmo.
 
O Ministério da Justiça constrangeu a empresa, por meio de sua Secretaria Nacional do Consumidor, com uma medida cautelar para obrigar que o Google tratasse como publicidade o material informativo sobre o PL da Censura, sob pena de multa de um R$ 1 milhão por hora; o STF, em decisão do ministro Alexandre de Moraes, determinou a presença do presidente da Google diante da Polícia Federal em até cinco dias. 
Enquanto a Rede Globo e outros poderosos meios de comunicação fazem livremente campanha a favor do PL da Censura, quem atreveu-se a manifestar contra a proposta está sendo perseguido. 
A censura a quem manifesta opinião divergente do governo Lula e do que defende o Poder Judiciário (que, aliás, em matéria de processo legislativo não deveria fazer nada mais do que se calar por determinação legal) já está em curso, o que me faz defender que o PL 2630/2020 seja mais adequadamente renomeado de PL da Censura para PL da Ditadura.

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Na verdade, o projeto parece ter como intenção principal dar aos poderes Executivo e Judiciário, com o vergonhoso apoio de parte expressiva da mídia brasileira, a maioria em apuro financeiro, a oportunidade de passar o recado à sociedade de que também o Legislativo, última trincheira da luta pela liberdade em qualquer democracia representativa, embarcou na sanha autoritária em vigor e está convalidando, assim, todos os atos ilegais já executados. 
Como se isso fosse possível, em primeiro lugar, pois a lei não retroage. Felizmente, graças à articulação da oposição na Câmara dos Deputados e da massiva pressão social, o PL da Censura foi retirado de pauta nesta terça-feira. 
 Em Porto Alegre, São Paulo, Rio de Janeiro e outras partes do Brasil, o povo venceu o medo de se manifestar em público e chegou a ir às ruas, aos milhares.
 
O recado da população vai muito além de uma manifestação contra a censura, que já é explicitamente vedada pela Constituição e jamais poderia estar sendo discutida no Parlamento, muito menos por projeto de lei. 
O recado claro do povo brasileiro é o de que não aceitará viver sob uma ditadura no Brasil. 
O Parlamento tem de resistir às iniciativas autoritárias se não quiser perder a condição de último recurso institucional de combate ao arbítrio e à opressão. 
E o povo brasileiro, quanto mais se manifestar nas redes e voltar a sair às ruas para protestar agora, menos chance terá de perder completamente seu direito à liberdade de expressão para sempre. Não ao PL da Ditadura!

Marcel van Hattem, deputado - Coluna Gazeta do Povo - VOZES