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domingo, 27 de outubro de 2019

Ninguém ouve alegações finais no STF - O Globo

Eles não ouvem alegações finais

Ministros do Supremo já chegam ao plenário com seus votos redigidos e convicção formada [os votos de suas Excelências são redigidos pelos assessores - há outros além do responsável por puxar a poltrona para o ministro sentar. 

O ministro conversa com um dos assessores sobre o processo e este apresenta dois ou três esboços e o ministro escolho o que lhe parece mais adequado e politicamente correto e esté é aprimorado.]

Os advogados falam, gesticulam, dão ênfase em trechos do discurso, rogam, apelam, tentam arrebatar, se exaltam. Do outro lado, os ministros do Supremo que estão prestes a julgar as questões daqueles advogados leem documentos, manipulam papéis, consultam seus celulares e laptops, conversam entre si ou com seus capinhas

Nenhum presta a mínima atenção ao que dizem os advogados que estão ali apresentando o último apelo em favor das suas causas. Tampouco dão bola para o que dizem os representantes do Ministério Público ou da Advocacia-Geral da União nas suas considerações derradeiras. Os ministros já chegam ao plenário com seus votos redigidos, com sua convicção formada. 

Quer dizer, não têm serventia as alegações finais da defesa ou da acusação de uma matéria quando ela é julgada no Supremo Tribunal Federal. Por isso, diante da absoluta falta de atenção que dão a homens e mulheres que se esgoelam diante deles na hora da decisão, não faz muito sentido os ministros terem entendido há algumas semanas que os delatados têm o direito de apresentar alegações depois de o delator apresentar as suas. Se essas alegações forem feitas diante dos ministros do Supremo vão valer nada. O fato é que o entendimento dos ministros, como se sabe, pode colocar na rua 5 mil presos, quase todos condenados por corrupção ativa ou passiva, muitos da Operação Lava-Jato. 

Se no STF é assim, como seria na planície? Não há como negar que pelo menos ao chegar na segunda instância, depois de a sentença ter sido dada pelo juiz original, todas as alegações já serão sobejamente conhecidas. Mesmo na primeira instância, é razoável supor que as alegações do delator que também responde pelo crime serão conhecidas pelo delatado no decorrer do processo. O resto é filigrana processual que o Supremo avalizou ao decidir em favor do entendimento proposto pelo advogado Alberto Toron de que os delatados falem sempre após o delator para preservar seu direito de ampla defesa. A tese pode até ser boa, mas de nada valeria no Supremo, já que os ministros nada ouvem na sessão final.

Os ministros do Supremo, aliás, não gostam de ouvir ninguém mesmo. Eles se orgulham da sua independência, que de resto é mesmo fundamental, e muitos dizem que jamais dão atenção ao clamor popular em favor de uma causa ou contra ela. Alegam ser só isso mesmo, um clamor sem embasamento jurídico, e que apenas reflete um anseio coletivo. E que um juiz deve se pautar exclusivamente nas leis e na Constituição. Este é o caso do julgamento da prisão após condenação em segunda instância. Há um aparente anseio majoritário pela manutenção de decisão anterior do próprio STF, que autorizava a prisão depois de a condenação ter sido referendada por um colegiado em instância imediatamente superior à primeira. 

Se considerarmos vital a independência política e administrativa de um juiz, de um desembargador ou de um ministro de tribunal superior, como deve ser, restam agora apenas algumas poucas considerações finais. A mesma Constituição redigida em 1988 foi usada pelo Supremo em 2009, ao revogar permissão de prisão depois de condenação em segunda instância que vigorava até então, e em 2016, ao autorizá-la outra vez. Agora, prestes a restaurar o primeiro entendimento, os ministros do STF usam argumentos baseados em dispositivos da mesmíssima Constituição. Mas, não adianta perder tempo com as considerações finais no Supremo. Suas excelências não vão prestar atenção mesmo.[em síntese: a Constituição Federal brasileira é na realidade o entendimento dos ministros do Supremo - com o 'supremo' detalhe de que muitas vezes um único ministro pode decidir, liminarmente, contra o entendimento do próprio Supremo.]
 
Boca de cachimbo
Assustado com a crise no Chile, o presidente anunciou no início da semana ter alertado o ministro da Defesa sobre potenciais manifestações no Brasil. Muito estranho Bolsonaro alertar as Forças Armadas para possíveis atos políticos internos, quando o papel de Exército, Marinha e Aeronáutica é o de defender as fronteiras ou a nação em caso de ameaça à sua integridade. [na condição de Comandante Supremo das Forças Armadas, o presidente da República é quem autoriza a intervenção das FF AA na garantia da Lei e Ordem.
O ministro da Justiça e da Segurança Pública, não tem nenhuma ingerência sobre as Forças Singulares - estão subordinadas ao MJSP a PF e a PRF.]  Quem deveria ser avisado era, no limite, o ministro da Justiça e da Segurança Pública. O uso do cachimbo faz a boca torta.

Apoio externo na Alerj
Alguns deputados que mandaram a Justiça soltar quatro colegas presos em Bangu e retirar a tornozeleira de um quinto, todos acusados por corrupção durante o governo de Sérgio Cabral, dizem ter votado com a consciência tranquila. Mas nem precisava, já que o comando da Polícia Militar determinou segurança extra da Casa no dia da votação. Tranquilidade maior impossível. E depois, medo de quê, Carlos Minc? Precisava tanta segurança, André Ceciliano? Será que não foi exagero da PM, Jorge Felippe Neto, Tutuca e Brazão?

Ladrões de vinho
Uma crise na produção dos vinhedos na região de Bordeaux criou uma nova modalidade de crime na França, o furto de uvas. Isso mesmo. A polícia de Gironde está investigando uma série de furtos que já soma 6,5 toneladas. Segundo boletim divulgado pelo jornal “Le Monde”, a polícia está perto de desmantelar uma rede de “traficantes de uvas”. Os beneficiários potenciais dos furtos são produtores de vinho que tiveram colheitas pequenas em suas vinhas em razão de condições climáticas adversas. A onda de furtos chegou até em Paris. Os vinhedos municipais do Parc de Bercy foram completamente pilhados. Para quem acha que já viu tudo nesse quesito, a novidade francesa é de causar inveja até nos mais engenhosos criminosos nacionais, que são espertos, você sabe. 

 
Coluna  de Ascânio Seleme, colunista - Publicado em O Globo,onde você ler MATÉRIA COMPLETA