Há uma semana, uma bomba de
hidrogênio desabou sobre nossas cabeças, já suficientemente perturbadas por
informações desastrosas, como a quebradeira generalizada de empresas
brasileiras, os 12 milhões de trabalhadores desempregados e a calamidade
financeira decretada por três unidades da Federação. O acordo de leniência da
Odebrecht e da Braskem, anunciado pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e
pelo Ministério Público Federal em Brasília na quarta-feira passada, indica o
que aconteceu nestes trágicos trópicos durante os últimos 15 anos e ao alcance
dos narizes absolutamente insensíveis dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da
Silva e Dilma Rousseff.
A afirmação recebeu o aval
internacional do Departamento de Justiça (DoJ) da maior potência nuclear,
militar, econômica e política do planeta, após a devassa do pagamento de US$ 1
bilhão (R$ 3,4 bilhões) em propinas pela empreiteira e sua subsidiária
petroquímica.
No Brasil (com dois ex-ministros de Estado, três parlamentares e
dois membros do Poder Executivo hoje, cuja identidade não foi revelada) e em
mais 11 países. Além da quantidade do suborno pago por privilégio em
contratações e superfaturamento de obras e serviços, a revelação inova no
Direito Penal, ao revelar que a vítima, a petroleira estatal, é também autora
do furto bilionário, de vez que é sócia da signatária dos acordos na empresa
que pagou “o maior suborno da História”.
É de observar que a investigação
empreendida pelos americanos e pela Suíça, parceira na devassa e signatária da
leniência, trata apenas da atuação do tal Departamento de Operações Estruturadas,
justamente apelidado de Departamento da Propina, da maior empreiteira do
Brasil. Como todo brasileiro bem informado soube pelo noticiário cotidiano,
suas concorrentes OAS, Andrade Gutierrez, Engevix, Carioca Engenharia e outras
são acusadas de participação num “cartel” que esvaziou os cofres públicos do
País durante os desgovernos Lula e Dilma, do PT.
Lula apareceu no noticiário na
semana passada para comunicar à Nação espoliada que as acusações a que responde
à Polícia Federal e na Justiça dão uma ideia do “grau de loucura que (sic) chegou
a Lava Jato na sua perseguição contra o ex-presidente”.
Então, deu a louca no Tio Sam,
foi? Não faltarão, é claro, sandices do gênero para os advogados do ex
incluírem na sua estratégia suicida de defesa a hipótese de que agora ficou
provado que os EUA lideram a conspiração para retirá-lo da próxima disputa
presidencial hoje ou em 2018, confirmando pesquisa do Datafolha que o considera
favorito no primeiro turno da disputa pela Presidência, só perdendo no segundo
para Marina Silva, que foi ministra dele.
Isso não resiste à lógica
rasteira. O citado responde a três juízes federais – Marcelo Leite e Vallisney
de Souza Oliveira, em Brasília, e Sérgio Moro, em Curitiba, na primeira
instância – por crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, organização
criminosa, ocultação de patrimônio e outros, na companhia de parentes: a
esposa, dois filhos e o sobrinho da primeira mulher. As denúncias foram feitas
pela força-tarefa da Lava Jato, chefiada pelo procurador Deltan Dallagnol, e
também pelo Ministério Público Federal em Brasília, sob o comando do
procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que mandou para Teori Zavascki,
relator no Supremo Tribunal Federal (STF), o dito “processo-mãe” do petrolão,
que talvez melhor fosse definido como malvada madrasta.
Lula, como Dilma, também reclama
das delações premiadas, que, segundo ele, “tiraram da cadeia pessoas que
receberam milhões de reais em desvios da Petrobrás”. Entre eles, figuram o
ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa, que chamava de
“Paulinho”, e o ex-senador Delcídio do Amaral, ex-líder do governo Dilma no
Senado. Sem falar em Marcelo Odebrecht, que ainda está na cadeia.
É fato que a colaboração de
apenados pelo Código Penal nas investigações da Polícia Federal e do MPF foi
autorizada em lei assinada por Fernando Henrique e seu ministro da Justiça
Renan Calheiros, alcunhado de “Justiça” nas planilhas que constam da proposta
de delação premiada de 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht. A depender
da homologação de Zavascki e de novos depoimentos deles, a Nação saberá até que
ponto Lula, acusado pela força-tarefa de chefiar o “quadrilhão”, efetivamente
se comprometeu pessoal, partidária e familiarmente naquele assalto
generalizado.
Até lá, é possível ter uma ideia
do alcance internacional dessa prática danosa e também da necessidade de
acompanhar os ianques na exemplar transparência que eles demonstraram no cotejo
entre o que já sabem e, infelizmente, o brasileiro, que pagou a conta pesada,
ignora, mercê disso. Dilma Rousseff e seu ministro da Justiça José Eduardo
Martins Cardozo assinaram um documento legal que atualiza a prática da
colaboração negociada de réus, antes de ela afirmar que os despreza. Mas cruzar
este deserto entre o acesso aos fatos pelos agentes americanos e o sigilo, que
mantém a cidadania aqui impedida de enxergar toda a verdade, ainda depende de
um aperfeiçoamento legal que possa restituir a isonomia ao conhecimento do
delito real. Pois esta ainda está para atravessar o Rio Grande.
Outra revelação relevante dos
americanos na devassa da grande corrupção tupiniquim constatou que a cooperação
dos investigados não foi feita de boa vontade, mas por interesse em se livrar
de parte das penas que teriam de cumprir para merecer a leniência. Conforme os
investigadores, a Braskem só aceitou colaborar sem ressalvas após tomar
conhecimento de que sua delinquência tinha deixado rastros. Sabemos, assim, que
o arrependimento de praxe não revela boa-fé, mas esperteza. Tanto melhor! Convém
dormir na mira, como fazem os atiradores de tocaia. Leniência não pode virar
indulgência perpétua.