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quinta-feira, 10 de agosto de 2023

Na barra da toga do STF - Ana Paula Henkel

Revista Oeste

Ministros não podem — jamais — decidir por nós. Eles não receberam nem um voto sequer para dizer publicamente o que acham da legalização da maconha, quiçá legislar em nosso nome

 

 Área de Skid Row, na Califórnia, maior cracolândia dos Estados Unidos, em 24 de novembro de 2022 | Foto: Shutterstock

Na mesma semana em que um policial militar foi morto por um sniper do crime organizado, o Supremo Tribunal Federal deu indicações de que formará maioria para descriminalizar o porte de maconha.  
Na quinta-feira, 27 de julho, os policiais da Rota, tropa de elite da Polícia Militar do Estado de São Paulo, Patrick Bastos Reis e Fabiano Oliveira Marin Alfaya foram baleados durante patrulhamento em uma comunidade no Guarujá, litoral de São Paulo. 
Socorridos, Alfaya permanece em observação, mas Patrick não resistiu aos ferimentos e faleceu, deixando a mulher e um filhinho de 3 anos. De acordo com a PM, os policiais faziam parte de reforço enviado para o litoral para combater a criminalidade na região, com foco no tráfico de drogas e roubo de cargas.

 

O soldado Patrick Bastos Reis, que foi assassinado por criminosos no Guarujá | Foto: Divulgação/PMSP

Perdoem-me a repetição, mas ela é necessária: um policial da tropa de elite do estado de São Paulo foi morto por um sniper do tráfico que, com armamento especial de longo alcance, usado por militares e forças especiais no mundo, mirou e assassinou um homem da ordem e segurança pública — um herói que, como milhares e milhares espalhados pelo Brasil, sai todos os dias de casa para fazer nossa proteção sem saber se volta para o seio familiar.publicidade

A guerra travada contra as drogas e toda a criminalidade que envolve o tráfico perde um importante aliado esta semana. 
A corte mais alta do país, que deveria zelar pela ordem social, pelo império das leis e pela exaltação de nossos policiais, demonstra de maneira trágica uma leniência perigosíssima com o mundo e o submundo dos entorpecentes, e que vai contra tudo o que democracias sólidas pelo mundo jamais toleram: a falta da aplicação das leis a quem comete ilicitudes. 
 
Morando nos Estados Unidos há 15 anos, e na Califórnia, estado com legislações não apenas lenientes e absolutamente irresponsáveis para o porte e venda de drogas, chega a ser estarrecedor assistir ao Supremo Tribunal Federal retomar o julgamento sobre o porte de maconha no Brasil. Diante da já absurda violência — quase fora de controle — perpetrada pelo tráfico no Brasil, é aterrorizante testemunhar a corte mais importante do país legislar em prol de bandidos. Sim, legislar. [na prática equivale a liberar o tráfico de drogas.] 
Vivo em um estado norte-americano em que esse tipo de caminho — sem volta — já está sendo trilhado há alguns anos e sou testemunha ocular das portas que são abertas para o inferno em muitos níveis. 
Há muitos fatos e dados que já podem ser importados para esse debate. Mas onde está o Congresso na matéria, lugar correto para essa conversa?
Onde estão nossos legisladores que deveriam estar trazendo o assunto ao ambiente propício para qualquer demanda pública?

Ministros não podem — jamais — decidir por nós. Eles não receberam nem um voto sequer para dizer publicamente o que acham desse debate, quiçá legislar em nosso nome.

O voto mais recente nessa matéria, empurrada há anos por partidos de esquerda no Brasil para a barra da toga do STF, foi do ministro, vítima, investigador, policial, defensor público, advogado de acusação e defesa, juiz, e agora deputado e senador Alexandre de Moraes, que votou a favor da descriminalização do porte de maconha e pela fixação de critérios objetivos para “diferenciar o usuário do traficante”. 
Isso seria aplicado pela quantidade de droga encontrada em posse da pessoa. 
Em tese, a posse de uma quantidade entre 25 e 60 gramas caracterizaria um usuário; mais que isso, poderia ser considerado tráfico.

A repetição de um filme ruim
Para quem mora em estados americanos que descriminalizaram o porte de maconha, como a Califórnia, isso parece a repetição de um filme ruim. Já conhecemos o desfecho, e ele não tem um final feliz. 

Aqui, a falsa bandeira da separação entre “usuário e traficante” abriu portas inimagináveis e terríveis, e que jamais serão facilmente fechadas. Há hoje uma corrosão irreversível no tecido social em partes do estado que já mudaram para sempre a paisagem física e mental em um dos estados mais bonitos da América.

Devido ao federalismo norte-americano e à autonomia e independência dos estados para passarem suas legislações, experiências sobre o tema já podem ser analisadas por números. 
Alguns estados têm legislações em que o plantio e uso são apenas medicinais, enquanto em outros o consumo da maconha para uso recreativo é permitido. E são exatamente esses “laboratórios de democracia” que podem nos mostrar — em números e estatísticas, e não discursos ideológicos glamourizados por ativistas até no Poder Judiciário — as portas que podem se abrir no Brasil. 
E, para isso, vamos atrás de quem entende do assunto.
 
O norte-americano Kevin Sabet foi três vezes conselheiro do Gabinete de Política Nacional de Controle de Drogas da Casa Branca, tendo sido a única pessoa indicada para esse cargo tanto por um republicano (administração de George W. Bush) quanto por democratas (governos Bill Clinton e Barack Obama)
Sabet, professor na Escola de Medicina da Universidade de Yale e autor do livro Smoke Screen – O Que a Indústria da Maconha Não Quer Que Você Saiba, alerta para os vários perigos da matéria que pode ser empurrada goela abaixo da sociedade brasileira pelo STF.

Kevin, com quem já tive o privilégio de conversar algumas vezes e trocar algumas pesquisas, alerta-nos de que foi exatamente assim — sob o manto da “maconha medicinal” ou “descriminalização de pequenas quantidades para pequenos usuários” — que alguns estados americanos abriram a porta para a droga, e que hoje veem seu uso legalizado para recreação, trazendo um efeito dominó de danos.

Uma das muitas pesquisas de Sabet mostra dados alarmantes onde a droga passou de uso medicinal, adquirida apenas com receita médica, para descriminalização e uso recreacional ao longo de poucos anos. Nesse estudo, o instituto mostra importantes alertas que vêm dos estados que saíram na frente na legalização do uso da cannabis sativa, como Colorado e Washington.
Taxas crescentes de uso de maconha por menores.
Aumento das taxas de prisão de menores, especialmente crianças negras e hispânicas.
Taxas mais altas de mortes no trânsito por dirigir enquanto sob efeito da substância.
Mais intoxicações relacionadas à maconha e mais hospitalizações.
Um mercado negro persistente que pode envolver agora o aumento da atividade do cartel mexicano no Colorado.

Desde que o Colorado e o estado de Washington legalizaram a maconha, o uso regular da droga entre crianças de 12 a 17 anos tem estado acima da média nacional e vem crescendo mais rápido do que a média nacional. Além disso, o Colorado agora lidera o país entre os jovens de 12 a 17 anos em:

Uso de maconha no ano passado.
Uso de maconha no último mês.
Porcentagem de pessoas que experimentam maconha pela primeira vez.

O Colorado, primeiro estado a descriminalizar e legalizar a droga para uso recreacional em 2012 (primeiramente era legalizada apenas para uso medicinal), hoje é o campeão no uso da maconha por menores. Outro problema envolvendo menores está na taxa de suicídio entre adolescentes no estado. A maconha, junto com opioides, está diretamente relacionada com essa trágica estatística.Foto: Shutterstock

Há também nesse caminho, reaberto pelo STF, a utopia e a falácia dos militantes da legalização de drogas em relação a um suposto aumento de receita tributária e redução do crime

Entre os jovens, as tendências sugerem que a legalização da maconha esteja associada a maior incidência de infrações escolares no ensino médio. 
Jovens em liberdade condicional apresentam mais testagens positivas para maconha do que nunca. 
Em apenas três anos, a taxa do uso da droga aumentou de 28% para 39% entre — pasmem! — crianças de 10 a 14 anos.
 
Impacto nas comunidades negras e latinas
Uma investigação de 2016 feita pelo jornal Denver Post, e adicionada à pesquisa do instituto de Sabet, revelou que uma parcela desproporcional do mercado da maconha agora está localizada em comunidades de baixa renda e minorias, comunidades que costumam sofrer impactos díspares do uso de drogas
Um dos bairros de baixa renda de Denver tem, por exemplo, um negócio de maconha para cada 47 residentes. 
Isso é semelhante a um estudo da Universidade Johns Hopkins que mostra que, predominantemente negros de baixa renda em bairros em Baltimore foram oito vezes mais propensos a ter lojas de bebidas alcoólicas do que os bairros brancos ou racialmente integrados.

A atividade no mercado paralelo desde a legalização
 De acordo com o estudo do Instituto SAM com as autoridades americanas, a receita gerada do imposto sobre o consumo da droga compreende uma minúscula fração do orçamento do estado do Colorado, menos de 1%. Os distritos escolares do Colorado nunca viram um único dólar dos impostos estaduais sobre a maconha. No estado de Washington, metade da receita dos impostos da maconha prometidos para políticas de prevenção e melhoria de escolas foi desviada para o fundo geral estadual.

Os policiais dizem que o mercado ilegal e sem licença ainda está prosperando e em algumas áreas até se expandiu. Thomas Allman, xerife do condado de Mendocino, é categórico: “Há muito dinheiro a ser ganho no mercado paralelo. A descriminalização e a legalização certamente não tiraram os policiais do trabalho. O mercado paralelo nunca esteve tão forte. Os traficantes jamais pagarão impostos”, disse Allman. Até o governador democrata da Califórnia, Gavin Newsom, já declarou que os cultivos ilegais no norte da Califórnia estão piorando, e que tropas da Guarda Nacional estão em constantes operações na fronteira com o México para desativar fazendas ilegais de cannabis.

Desde que a maconha medicinal foi legalizada na Califórnia há mais de duas décadas, a indústria da cannabis explodiu com supervisão mínima. Logo veio a descriminalização e legalização. Agora, muitas empresas que vendem a droga estão relutantes em passar pelo processo complicado e caro para obter as licenças que se tornaram obrigatórias. A licença até vem, assim como uma das maiores mordidas fiscais dos Estados Unidos.

Esse comércio ilícito foi fortalecido também pela crescente popularidade do vaping, balas com infusão de maconha, chocolates, bolos e outros produtos derivados
Os cartuchos para vaping são muito mais fáceis de carregar e esconder do que sacos de maconha crua. 
Os incentivos monetários do tráfico também permanecem poderosos: o preço dos produtos de maconha em lugares como Illinois, Nova York e Connecticut é normalmente muitas vezes mais alto do que na Califórnia, o que faz com que as exportações ilícitas de cannabis do estado só aumentem.

De volta ao Colorado, a legalização da maconha parece ter aberto a mesma porta para as operações do cartel mexicano. O Gabinete do Procurador-Geral do estado observou que a legalização inadvertidamente ajudou a alimentar o negócio dos cartéis, que agora trocam drogas como heroína por maconha, além do tráfico de pessoas.

Imagino que, se você for um libertário, mesmo depois de todos os estudos e estatísticas dos malefícios da droga e do perigo do manto “medicinal e pequenas quantidades para usuários, não tráfico”, aqui é o ponto onde você diz: “Mas onde está a liberdade e responsabilidade individual que vocês, conservadores e liberais, pregam?”. Bem, as estatísticas não param.

Outra consequência séria da descriminalização e legalização da maconha é o aumento da combinação “intoxicação/chamadas de emergência/pronto-socorro/uso hospitalar” relacionada à droga. 
As chamadas para o controle de intoxicação e emergência no estado de Washington aumentaram, a partir de 2012 (pré-legalização), em 68% em apenas três anos. 
No Colorado, durante o mesmo período, o número subiu para 109%. 
Ainda mais preocupante, as ligações no Colorado relacionadas a crianças de 0 a 8 anos de idade aumentaram nada mais que 200%. 
 Da mesma forma, no Colorado, hospitalizações relacionadas à maconha aumentaram mais de 70% desde a legalização.


Agora imagine um país como o nosso Brasil, onde a saúde nunca saiu da UTI, nem mesmo antes da pandemia, suportar — com dinheiro público um cenário desses? A velocidade empregada na normalização e banalização de assuntos que merecem o mínimo de discernimento e honestidade é assustadora.

Já tiraram as armas da população honesta. Durante a pandemia, as forças policiais não puderam fazer operações nas comunidades [muitos não gostam, mas comunidades é o sinônimo do maldito 'politicamente correto' para favelas.]cariocas.  
Durante as eleições presidenciais de 2022, fomos censurados, e foi proibido reproduzir as gravações da Justiça que mostravam os “diálogos cabulosos” entre o PT e o PCC
Fomos também proibidos de dizer que Lula era amigo de ditadores como Daniel Ortega e Nicolás Maduro, ditador da Venezuela acusado e indiciado por narcotráfico pelo governo dos Estados Unidos.

Em uma entrevista espetacular para o Oeste Sem Filtro nesta quinta-feira, 3 de agosto, o secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, Guilherme Derrite, oficial da Reserva da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP) e quem comandou o Pelotão da Rota de 2010 a 2013 e o Pelotão de Força Tática no 49° Batalhão de Polícia Militar Metropolitano em 2013, sintetizou em uma frase o que cenários de leniência com o mundo das drogas significam para cidadãos e policiais: “A mãe de todos os crimes é o tráfico de drogas”.


Leia também “A culpa é da Barbie?”

Coluna -  Ana Paula Henkel, Revista Oeste

 

 

quinta-feira, 11 de maio de 2023

Governo tenta atrasar CPMI pela última vez

Bloco governista no Senado ainda não oficializou os nomes que vão compor a comissão

 

A base governista no Congresso está tentando atrasar a instalação da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do 8 de janeiro pela última vez. O bloco Resistência Democrática — alinhado ao governo no Senado –, ainda não oficializou os nomes que vão compor a comissão.

Desse modo, o bloco atrasa a instauração do colegiado no Congresso. Os dois demais blocos já indicaram integrantes da CPMI — tirando o Democracia que ainda não oficializou, mas já possui um rascunho dos nomes. Nos bastidores, o governo indica que vai postergar as indicações a fim de atrasar o colegiado ao máximo.

É possível indicar os nomes desde a sexta-feira 5, quando o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), oficiou os líderes partidários solicitando os nomes dos parlamentares. Ao todo, serão 16 senadores, 16 deputados e o mesmo número de suplentes.

Oeste procura desde a segunda-feira 8 a senadora Eliziane Gama (PSD-MA), líder do Resistência Democrática, para descobrir quem seriam os indicados do bloco. A parlamentar ainda não deu nenhuma previsão.

Na Câmara, a CPMI enfrenta uma situação parecida com o “superbloco” do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). O líder do “blocão”, Felipe Carreras (PSB-PE), disse a Oeste que vai aguardar o retorno de Lira ao Brasil para oficializar os nomes. O presidente da Câmara deve chegar ao Brasil nesta quinta-feira, 11.

Até abril deste ano, o governo era contra a CPMI, inclusive, represando emendas parlamentares para que os deputados retirassem os nomes do requerimento. A ação resultou no recuo de nove deputados.

O discurso dos petistas mudou depois CNN Brasil divulgou imagens que mostram a presença do então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, Marco Edson Gonçalves Dias, no Palácio do Planalto, enquanto vândalos depredavam o local. Depois de uma reunião repentina convocada pelo presidente Lula, Dias pediu exoneração do cargo.

O objetivo da comissão é apurar os responsáveis pelos atos de vandalismo registrados nas sedes dos Três Poderes. A CPMI do 8 de janeiro quer investigar se houve leniência do governo com quem destruiu prédios públicos.

Redação - Revista Oeste


terça-feira, 2 de maio de 2023

Governo precisa impor limites ao MST - Merval Pereira - O Globo

MST invade fazenda da Suzano no sul da Bahia Divulgação/MST

O governo tem tratado de maneira leviana a questão do agronegócio. É o que sustenta a economia brasileira no momento, e precisa ter apoio.  

Não é que não possa ter relações com o MST, aliado histórico do PT, mas deve ter limites. Não pode ser assim, tem que haver um entendimento global do que seja agronegócio e agricultura familiar, para se chegar a um acordo. Não é possível permitir que o único ramo da economia que está em franco desenvolvimento seja prejudicado por questões como as invasões

E assim, fortalece o espírito bolsonarista – que já é muito forte entre os empresários da agricultura – de andar armado para se defender, de expulsar os invasores na base do tiro, porque as terras são invadidas na base de ameaças. 

É preciso alguma providência, não se pode achar normal. Leniência com atividades ilegais não é normal.  
O governo que trate de fazer um projeto de reforma agrária que não atinja a produção de alimentos e não cause insegurança jurídica e pública. Tentando agradar a todo mundo, Lula está desagradando a todo mundo.
 
Merval Pereira, colunista - O Globo
 

domingo, 17 de fevereiro de 2019

A rebelião do andar de cima

Desde sua eleição, o governo foi confrontado por três movimentos corporativos. Cedeu em dois e é provável que a Procuradoria-Geral da República cederá no terceiro  

Bolsonaro não gosta de 'ativismo', mas recuou quando foi confrontado por servidores

Quem se encantou pela franquia Bolsonaro achando que se livraria das
bandeiras do corporativismo petista,   não sabia o tamanho do ativismo do andar de cima. O presidente anunciou que "vamos botar um ponto final em todos os ativismos do Brasil". Todos, não.  Desde sua eleição, o governo foi confrontado por três movimentos corporativos. Cedeu em dois e é provável que a Procuradoria-Geral da República cederá no terceiro. Em todos os casos mobilizaram-se servidores do andar de cima, gente com salários mensais que vão de R$ 20 mil a sabe-se lá quanto.

A primeira rebelião veio dos procuradores da Fazenda Nacional. Paulo Guedes queria colocar um diretor do BNDES na cadeira de procurador-geral. A corporação rebelou-se, avisando que centenas de procuradores abandonariam seus cargos em comissão, pois o procurador-geral deveria ser escolhido no quadro da instituição. Ganharam.

O segundo confronto deu-se com os auditores da Receita Federal. A Agência Nacional de Aviação queria que eles cumprissem a norma da revista ao entrarem em áreas restritas dos aeroportos. Os descontentes mostraram seu desagrado apurrinhando a vida de milhares de passageiros, obrigando-os a esperas de até quatro horas nas filas das alfândegas. Resolveram inspecionar todas as malas desses supostos contrabandistas. No dia seguinte, três ministérios foram acionados e o governo cedeu.

A terceira rebelião veio dos procuradores da República. Até a última terça-feira, 192 doutores devolveram 325 funções não remuneradas. Eles apresentam reivindicações técnicas, nas quais está embutida uma questão salarial, escondida nos penduricalhos de uma categoria que ganha, no barato, R$ 25 mil líquidos. Por trás dessa rebelião está o painel da sucessão da procuradora-geral, Raquel Dodge. A batalha ainda não terminou. Até hoje, magistrados e procuradores ganharam todas.
Ativismo do andar de cima é outra coisa.

Nos EUA mexe-se na 'Bosta Seca'
Oito em cada dez magistrados brasileiros querem importar o instituto saxônico do "plea bargain" sem que exista sequer tradução consolidada dessas palavras para o português. O ministro Sergio Moro fala em "solução negociada". Trata-se de aceitar que um réu reconheça sua culpa, negocie um acordo com o Ministério Público e obtenha alguma leniência do juiz.

Muito bonito na teoria, mas a prática será outra. O Brasil importou o mecanismo da delação premiada e criou o monstrinho da doutrina da "Bosta Seca". Em 2015, quando o doleiro Alberto Youssef disse numa audiência em Curitiba que um outro réu mentira em sua delação e ofereceu-se para uma acareação, um procurador disse que "esse é o tipo de coisa que quanto mais mexe, pior fica". Em seguida, ouviu-se: "É igual a bosta seca: mexeu, fede".

(...)

A privacidade de Moro
Em Brasília, o ministro Sergio Moro foi do noviciado ao folclore em menos de dois meses.
Quando lhe perguntaram se, dias antes da edição do decreto que facilitou a posse de armas, encontrou-se com hierarcas da indústria Taurus, deu a seguinte resposta:
"O direito à privacidade, no sentido estrito, conduz à pretensão do indivíduo de não ser foco de observação de terceiros, de não ter os seus assuntos, informações pessoais e características expostas a terceiros ou ao público em geral."

Madame Natasha intrigou-se com a vontade de Moro de ficar fora das vistas do "público em geral". Mandava melhor Armando Falcão, seu antecessor de 1974 a 1979, com o famoso bordão "nada a declarar".
Faltou sorte a Moro. Na mesma semana a Alta Corte do Reino Unido julgou o caso dos endinheirados proprietários de um prédio vizinho ao museu Tate, que reclamavam porque binóculos colocados no terraço devassavam suas casas. O juiz Anthony Mann mandou-os passear e sugeriu que fechassem as cortinas ou baixassem as persianas.

O limite de Guedes
Guedes pode muito, mas não deve mexer com o agronegócio sem combinar com a ministra da Agricultura, Tereza Cristina.
A lealdade do pessoal que sustenta a doutora tem uma solidez que não existe na turma do papelório.

Lula em casa
Cresceu a ala de comissários petistas interessados em sondar magistrados para saber como seria recebido um pedido da defesa para que ele fosse transferido para o regime de prisão domiciliar.

Elio Gaspari, jornalista - O Povo

 

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Moro quer ‘endurecer’ sistema carcerário em crimes graves

Moro vê ‘leniência’ e quer ‘endurecer’ sistema carcerário em crimes graves

Futuro ministro da Justiça e Segurança Pública citou como exemplo autores de homicídios qualificados 'que ficam poucos anos presos em regime fechado'

O juiz federal Sergio Moro, futuro ministro da Justiça e Segurança Pública no governo do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), afirmou nesta quinta-feira, 8, que é necessário “endurecer” o cumprimento de pena de condenados por crimes graves. Em um rápido pronunciamento em Brasília ao lado do atual ministro da Justiça, Torquato Jardim, Moro disse ver “tratamento leniente” do sistema penitenciário em alguns casos e citou homicídios qualificados como exemplo.
“É inequívoco que existe no sistema carcerário muitas vezes um tratamento leniente para crimes praticados com extrema gravidade, casos de homicídio qualificado de pessoas que ficam poucos anos presos em regime fechado. Para esse tipo de crime tem que haver um endurecimento”, disse o futuro ministro, sem dar maiores detalhes sobre a proposta.

Assim como em sua primeira coletiva de imprensa após aceitar a indicação ao ministério, na terça-feira 6, Sergio Moro falou em aproveitar parte das Dez Medidas Contra a Corrupção propostas pelo Ministério Público Federal (MPF) em um “plano forte, mas simples” e que possa ser aprovado rapidamente pelo Congresso para combater corrupção e o crime organizado.
Para Moro, algumas das ideias “não são tão pertinentes como eram no passado e certamente há coisas novas que devem ser inseridas”.
“Isso está sendo analisado, estou falando apenas assim que não necessariamente vão ser todas resgatadas, elas foram apresentadas em um momento e nós hoje vivemos em um outro contexto, mas a ideia é um plano forte, mas simples, para que seja aprovado em um tempo breve no congresso, anticorrupção e anticrime organizado, que são as duas prioridades”, declarou.

As medidas contra a corrupção propostas pelo MPF foram desfiguradas em votação na Câmara dos Deputados em novembro de 2016 e atualmente tramitam na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Na entrevista da última terça, Moro falou em mesclar algumas das sugestões dos procuradores a itens do pacote de medidas legislativas anticorrupção elaborado pela Transparência Internacional e a Fundação Getúlio Vargas (FGV).

De férias do cargo de juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, do qual pedirá exoneração pouco antes do início do novo governo, Sergio Moro chegou a Brasília nesta quarta-feira 7 e desde então participou de reuniões com o ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, e o da Justiça, Torquato Jardim.  Moro também acompanhou Jair Bolsonaro nos encontros entre o presidente eleito e os presidentes do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli, e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro João Otávio de Noronha.

terça-feira, 22 de agosto de 2017

Questão de legitimidade

Economistas atentos às contas públicas estranharam. 

Quase dois meses depois de fechar um acordo de leniência com a JBS, o Ministério Público (MP) ainda não divulgou o destino dos R$ 2,3 bilhões em multas pagas pela empresa que seriam aplicados em projetos sociais. A decisão sobre para onde irá o dinheiro caberá ao MP e não passa pelo Orçamento da União. 

Para a economista Elena Landau, a instituição não poderia ter tal poder. “Não duvido das boas intenções do MP, mas o Brasil precisa aprender a respeitar o Orçamento. O MP não foi eleito e não pode decidir as prioridades do gasto público”, afirma.

 Por: Lydia Medeiros - O Globo

terça-feira, 8 de agosto de 2017

Leniência interessada

O Rio é a única área do país onde armas de guerra compõem a paisagem. Percebe-se nela uma liturgia de leniência política interessada, enquanto se multiplicam os funerais

Aguardavam sermão na missa fúnebre na igreja da Rocinha, uma das maiores favelas do país. Dois caixões grandes diante do altar apartavam famílias, amigos e conhecidos — todos vizinhos nos becos estreitos, onde o ar é rarefeito, a luz do sol quase não penetra, e os índices de tuberculose sobem 11 vezes acima da média nacional.

O sacerdote havia aberto o Livro com versículos de súplica pela misericórdia divina ao par de defuntos, mas estancou, com as páginas abertas nas mãos. O som da sua mudez, talvez, tenha parecido infinito. Reagiu, fechando a Bíblia: — Desculpem, estou cansado disso.  Seguiu-se um desabafo coletivo, lacrimal e solidário: — Nós também — responderam do lado da vítima assassinada, em coro com as pessoas que ladeavam o cadáver do assassino.

Esse episódio, retrato em 3 x 4 do cotidiano carioca, foi relatado em recente reunião na qual estavam bispos, o cardeal Orani Tempesta, o general Sérgio Etchegoyen, chefe da Segurança Institucional da Presidência da República, e o ministro Raul Jungmann, da Defesa.  A falência estadual e a ameaça de conflagração ainda mais intensa nas ruas do Rio, confirmada por órgãos de segurança, estão na raiz dos argumentos para justificar a intervenção com tropas federais até a eleição do próximo governo, em ações pontuais como as realizadas no fim de semana na Zona Norte. Em Lins de Vasconcelos, o primeiro ensaio fracassou, por vazamento de informações.

A violência na região metropolitana do Rio virou mercadoria política. Não por acaso, a Assembleia, o Tribunal de Justiça, o Ministério Público estadual e a prefeitura do Rio mantêm uma tropa exclusiva de 648 policiais militares.  Ela foi retirada das ruas para servir à segurança privativa de deputados, juízes, promotores, secretários municipais e prefeito. É maior que as aquarteladas nos batalhões no Méier, Tijuca, Olaria, Ilha do Governador e Copacabana.

São 244 no Ministério Público, 172 na Justiça, 115 na prefeitura da capital e 117 na Assembleia. Há deputados com duas dezenas de policiais militares. Alguns somam a própria milícia.  A intervenção federal, dissimulada num acordo com o governo estadual, tem lado ostensivo e, obviamente, saudado pela população. Começou há apenas duas semanas, mas já é vitrine cobiçada no jogo político. Nos palanques acotovelam-se presidente, governador, ministros, prefeitos e parlamentares. Caçam votos e prestígio num eleitorado traumatizado pela guerra, que testemunhou a morte de 3.234 policiais no período de 1994 a 2016, segundo relato da repórter Aline Macedo.

Agora, com olhos nas urnas de 2018, prefeitos armam as guardas municipais como outro trunfo eleitoral. Acontece em cidades como Macaé, Araruama, Rio das Ostras, entre outras. Em outras, como Niterói, planeja-se pedir ajuda à Justiça Eleitoral para um “plebiscito” em outubro.  Rota de contrabando de armas e drogas, como descreve o repórter Allan de Abreu no ótimo livro “Cocaína”, o Rio é a única área do país onde armas de guerra compõem a paisagem. Percebe-se nela uma liturgia de leniência política interessada, enquanto se multiplicam os funerais.

Fonte: José Casado - O Globo


sexta-feira, 26 de maio de 2017

SEM ACORDO DE LENIÊNCIA, SEM DELAÇÃO. TEM QUE SER CADEIA, REGIME FECHADO, PARA OS IRMÃOS BATISTA


J&F oferece R$ 8 bilhões ao Ministério Público Federal para fechar acordo de leniência


Executivos do grupo garantem que é o valor máximo a que podem chegar. Ainda não receberam resposta dos procuradores 

O grupo J&F, do empresário Joesley Batista, ofereceu R$ 8 bilhões ao Ministério Público Federal para fechar um acordo de leniência. Os procuradores ainda não responderam se aceitarão a proposta. Os valores pretendidos pela J&F e pelos procuradores divergiam bastante. Inicialmente, o MP queria R$ 11 bilhões. O grupo, na ocasião, ofereceu R$ 1 bilhão.  

Com o avanço das negociações, a J&F subiu a proposta para R$ 1,4 bilhão e, depois, para R$ 4 bilhões. O MP também recusou. Na empresa, o valor mais recente oferecido ao Ministério Público Federal foi tachado de oferta final. “Mais que isso não dá para pagar. Inviabiliza o negócio”, afirma um dos executivos da empresa. Os procuradores que estão no caso analisam a proposta detidamente. Temem deixar a impressão de estarem sendo generosos com a empresa e seus donos. 
 
Fonte: Revista Época



quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

"Deu a louca no Tio Sam?"



Há uma semana, uma bomba de hidrogênio desabou sobre nossas cabeças, já suficientemente perturbadas por informações desastrosas, como a quebradeira generalizada de empresas brasileiras, os 12 milhões de trabalhadores desempregados e a calamidade financeira decretada por três unidades da Federação. O acordo de leniência da Odebrecht e da Braskem, anunciado pela força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e pelo Ministério Público Federal em Brasília na quarta-feira passada, indica o que aconteceu nestes trágicos trópicos durante os últimos 15 anos e ao alcance dos narizes absolutamente insensíveis dos ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.

A afirmação recebeu o aval internacional do Departamento de Justiça (DoJ) da maior potência nuclear, militar, econômica e política do planeta, após a devassa do pagamento de US$ 1 bilhão (R$ 3,4 bilhões) em propinas pela empreiteira e sua subsidiária petroquímica
No Brasil (com dois ex-ministros de Estado, três parlamentares e dois membros do Poder Executivo hoje, cuja identidade não foi revelada) e em mais 11 países. Além da quantidade do suborno pago por privilégio em contratações e superfaturamento de obras e serviços, a revelação inova no Direito Penal, ao revelar que a vítima, a petroleira estatal, é também autora do furto bilionário, de vez que é sócia da signatária dos acordos na empresa que pagou “o maior suborno da História”.

É de observar que a investigação empreendida pelos americanos e pela Suíça, parceira na devassa e signatária da leniência, trata apenas da atuação do tal Departamento de Operações Estruturadas, justamente apelidado de Departamento da Propina, da maior empreiteira do Brasil. Como todo brasileiro bem informado soube pelo noticiário cotidiano, suas concorrentes OAS, Andrade Gutierrez, Engevix, Carioca Engenharia e outras são acusadas de participação num “cartel” que esvaziou os cofres públicos do País durante os desgovernos Lula e Dilma, do PT.

Lula apareceu no noticiário na semana passada para comunicar à Nação espoliada que as acusações a que responde à Polícia Federal e na Justiça dão uma ideia do “grau de loucura que (sic) chegou a Lava Jato na sua perseguição contra o ex-presidente”.

Então, deu a louca no Tio Sam, foi? Não faltarão, é claro, sandices do gênero para os advogados do ex incluírem na sua estratégia suicida de defesa a hipótese de que agora ficou provado que os EUA lideram a conspiração para retirá-lo da próxima disputa presidencial hoje ou em 2018, confirmando pesquisa do Datafolha que o considera favorito no primeiro turno da disputa pela Presidência, só perdendo no segundo para Marina Silva, que foi ministra dele.

Isso não resiste à lógica rasteira. O citado responde a três juízes federais Marcelo Leite e Vallisney de Souza Oliveira, em Brasília, e Sérgio Moro, em Curitiba, na primeira instância – por crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, organização criminosa, ocultação de patrimônio e outros, na companhia de parentes: a esposa, dois filhos e o sobrinho da primeira mulher. As denúncias foram feitas pela força-tarefa da Lava Jato, chefiada pelo procurador Deltan Dallagnol, e também pelo Ministério Público Federal em Brasília, sob o comando do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, que mandou para Teori Zavascki, relator no Supremo Tribunal Federal (STF), o dito “processo-mãe” do petrolão, que talvez melhor fosse definido como malvada madrasta.

Lula, como Dilma, também reclama das delações premiadas, que, segundo ele, “tiraram da cadeia pessoas que receberam milhões de reais em desvios da Petrobrás”. Entre eles, figuram o ex-diretor de Abastecimento da Petrobrás Paulo Roberto Costa, que chamava de “Paulinho”, e o ex-senador Delcídio do Amaral, ex-líder do governo Dilma no Senado. Sem falar em Marcelo Odebrecht, que ainda está na cadeia.

É fato que a colaboração de apenados pelo Código Penal nas investigações da Polícia Federal e do MPF foi autorizada em lei assinada por Fernando Henrique e seu ministro da Justiça Renan Calheiros, alcunhado de “Justiça” nas planilhas que constam da proposta de delação premiada de 77 executivos e ex-executivos da Odebrecht. A depender da homologação de Zavascki e de novos depoimentos deles, a Nação saberá até que ponto Lula, acusado pela força-tarefa de chefiar o “quadrilhão”, efetivamente se comprometeu pessoal, partidária e familiarmente naquele assalto generalizado.

Até lá, é possível ter uma ideia do alcance internacional dessa prática danosa e também da necessidade de acompanhar os ianques na exemplar transparência que eles demonstraram no cotejo entre o que já sabem e, infelizmente, o brasileiro, que pagou a conta pesada, ignora, mercê disso. Dilma Rousseff e seu ministro da Justiça José Eduardo Martins Cardozo assinaram um documento legal que atualiza a prática da colaboração negociada de réus, antes de ela afirmar que os despreza. Mas cruzar este deserto entre o acesso aos fatos pelos agentes americanos e o sigilo, que mantém a cidadania aqui impedida de enxergar toda a verdade, ainda depende de um aperfeiçoamento legal que possa restituir a isonomia ao conhecimento do delito real. Pois esta ainda está para atravessar o Rio Grande.

Outra revelação relevante dos americanos na devassa da grande corrupção tupiniquim constatou que a cooperação dos investigados não foi feita de boa vontade, mas por interesse em se livrar de parte das penas que teriam de cumprir para merecer a leniência. Conforme os investigadores, a Braskem só aceitou colaborar sem ressalvas após tomar conhecimento de que sua delinquência tinha deixado rastros. Sabemos, assim, que o arrependimento de praxe não revela boa-fé, mas esperteza. Tanto melhor! Convém dormir na mira, como fazem os atiradores de tocaia. Leniência não pode virar indulgência perpétua.