Ricardo Noblat
A erupção dos instintos mais primitivos
Se não for pedir demais, roga-se a
algum membro sensato do governo, dotado de razoável inteligência e com
acesso ao capitão Bolsonaro que explique a ele o risco que corre o
Brasil com suas intempestivas declarações a respeito de tudo e de
qualquer coisa. Que o faça, é claro, com cuidado, bons
modos e didatismo. Se for o caso, em ambiente no qual ele se sinta
seguro e acolhido – de preferência na presença da mulher ou de algum dos
filhos. E sem medo de alguma explosão de cólera que venha a provocar.
Pois é admissível que o modo de ser do
capitão funcione aqui dentro a seu favor, haja vista que se elegeu com
folga e governa apesar da quantidade de absurdos já ditos ou justamente
por dizê-los. Mas, lá fora, o estrago tem sido grande e poderá piorar. Está bem que por ignorância e falta de
assessoria à época ele tenha imaginado que ajudaria Maurício Macri a se
reeleger indo à Argentina recomendar o voto nele. Lula e Dilma não se
meteram em tantas eleições alheias? Por que ele não poderia copiá-los? Mas uma vez que os argentinos votaram em
eleições primárias e disseram um rotundo “não” a Macri, Bolsonaro
reagir, como o fez, com a ameaça de rever o acordo do Mercosul, soará no
país amigo como mais uma intromissão em assunto que não lhe compete.
E o que dizer da afirmação de Bolsonaro
de que a provável eleição do candidato apoiado pela ex-presidente
Cristina Kirchner resultará numa fuga em massa de argentinos para o
interior do Rio Grande do Sul como aconteceu com venezuelanos em
Roraima? O capitão foi deselegante com o
presidente francês e a primeira-ministra alemã Ângela Merkel ao sugerir
que não tivera o menor prazer em encontrá-los no Japão durante a reunião
dos chefes de Estado das 20 maiores economias do mundo, em janeiro.
O francês e a alemã são figuras chaves
para que a comunidade dos países europeus firme um acordo econômico com o
Mercosul que se arrasta há 20 anos. O capitão parece pouco ligar para a
preocupação deles com a preservação do meio ambiente. Colheu o que plantou: a Alemanha congelou
parte do dinheiro que manda para projetos de defesa da Amazônia. A
Noruega, outra doadora de dinheiro com igual finalidade, deverá proceder
em breve da mesma maneira. E quem perderá com isso?
[A Noruega não pode criticar o Brasil, porque extrai petróleo no Ártico, mata baleias e umaempresa norueguesa provocou um desastre ambiental em Barcarena, no Pará;
quanto ao interesse norueguês e alemão pela Amazônia, é porque estão investindo ali e precisam dar satisfação a seus contribuintes.]
Bolsonaro reagiu ao estilo bronco de um
capitão, atento acima de tudo aos humores dos seus devotos broncos:
querem comprar a Amazônia a prestações, mas ela é nossa. E não
precisamos de dinheiro dos outros. (Alô, alô! Como não precisamos cara
pálida?) O mais grave é que como o capitão pensam
os generais de pijama que o cercam, batem continência e se contentam em
garantir seus empregos, além de generais fardados. O capitão melhor do
que ninguém desperta os instintos mais rudes e primitivos da tropa.
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