Sempre me pareceu evidente a disposição de Janot e
do Ministério Público Federal de transformar os empresários nos grandes
vilões, pegando bem mais leve com os políticos, muito especialmente com
a Presidência da República
Cada
momento da política ou da vida pública brasileira tem a sua esfinge sem
segredos, para lembrar a expressão com que Oscar Wilde, injustamente,
premiou as mulheres… Elas não eram de sua predileção. Nestes dias, a
esfinge que não me propõe desafio nenhum é Rodrigo Janot,
procurador-geral da República.
Desde o
começo — e o arquivo do blog está à disposição —, leio o seu jogo com
uma previsibilidade aborrecida. O que parece ser um enigma é sempre uma
resposta. Não sei que água Janot anda bebendo lá na Procuradoria-Geral. O
fato é que prefiro ficar longe dela. Por que isso agora?
O doutor
encaminhou em agosto do ano passado um parecer ao TSE com a sua opinião
sobre uma das quatro ações movidas pelo PSDB que pede a cassação da
chapa que elegeu Dilma Rousseff. Numa AIJE (Ação de Investigação
Judicial Eleitoral), os tucanos acusam a presidente-candidata, entre
outras coisas, de uso da máquina, como participação indevida de
ministros na campanha; de propaganda ilegal de estatais com fins
eleitoreiros; de campanha disfarçada de pronunciamento oficial; de uso
de programas sociais para obter votos etc. Só nessa AIJE são nove
imputações.
Muito bem!
Admita-se, só para efeitos de raciocínio, que as acusações, nessa ação
em particular, sejam um tanto fluidas. É evidente que Janot pode
concordar ou não com os argumentos do reclamante. Não estou entre
aqueles que acham que um juiz ou um procurador-geral só é isento quando
vota de acordo com o meu gosto. Meu ponto não é esse.
Em seu
parecer, Janot se posiciona contra o pedido do PSDB. Isso, em si,
reitero, não me incomoda. Admito que pessoas possam ser independentes
mesmo quando discordam de mim. O que me impressionou foi a argumentação.
Pareceu-me que o procurador-geral não está falando apenas dessa ação,
mas de todas as que tramitam contra Dilma no TSE.
Para Janot, a
perda de mandato da presidente só se justifica quando as acusações, “já
à primeira vista, são gravíssimas”. Machado de Assis também
recomendaria que Janot trocasse a água. Esse é o seu lado “agregado José
Dias”, a personagem de “Dom Casmurro” que julgava ser profundo só
quando se expressava por superlativos. Para quem não lembra, a sua
última palavra, ao mirar um belo dia, antes de morrer foi “lindíssimo!”.
Não sei o
que Janot pretendeu com isso. Quer dizer que, se, numa rápida vista
d’olhos, a coisa não é “gravíssima”, então não se cassa um mandato? O
que ele está tentando nos dizer? Que a verdadeira profundidade está no
que se revela já à superfície? A afirmação simplesmente não faz sentido. Para que não digam que tiro a expressão do contexto, ei-la aqui, o que só extrema o absurdo do parecer:
“Para que se possa concretamente falar em
cassação de diploma ou mandato de um presidente eleito em tão amplo
cenário de eleitores, as condutas a ele atribuídas devem ser, já à
primeira vista, gravíssimas, a ponto de impossibilitar qualquer
questionamento sobre sua influência nefasta”.
Hein? Isso
implica que só se cassa um mandato quando o acusado não tem defesa? Isso
não é ciência do direito. É só retórica ruim.
Em ofício
enviado ao TSE, o juiz Sergio Moro afirma que dinheiro do esquema sujo
do petrolão irrigou partidos políticos e até elencou os nomes dos
delatores que deram esse testemunho. Pois é… Aplicada a fala de Janot,
pergunto: será preciso que o eleito tenha assinado um recibo para perder
o mandato, não é mesmo?
Vamos lá.
Ricardo Pessoa diz, por exemplo, que Edinho Silva lhe pediu uma doação,
submetendo-o a uma doce pressão, destinada à campanha de Dilma. Sim, a
doação foi feita legalmente, mas o dinheiro saiu do propinoduto, diz
ele. O combinado foram R$ 10 milhões. Só pagou R$ 7,5 milhões porque
acabou preso.
Não é “à
primeira vista”, certo?, que se vai eventualmente chegar a Dilma. O que
estou afirmando aqui é que, ao dar o seu parecer sobre uma das ações,
Janot, na verdade, está dando sobre todas. É EVIDENTE QUE A LAVA-JATO,
ATÉ AGORA, NO QUE CONCERNE AOS POLÍTICOS, É UM FIASCO — com a evidente
exceção de Eduardo Cunha (PMDB-RJ), presidente da Câmara. Não por acaso,
ele é o principal adversário do Planalto, tornado o Belzebu do petismo.
Sempre me
pareceu evidente a disposição de Janot e do Ministério Público Federal
de transformar os empresários nos grandes vilões, pegando bem mais leve
com os políticos, muito especialmente com a Presidência da República.
Como esquecer que, numa leitura marota da Constituição, o
procurador-geral considerou que Dilma não pode ser responsabilizada por
eventuais crimes do primeiro mandato ainda que os tenha cometido para se
reeleger? Será que foi isso o que quis o constituinte? Assegurar a
impunidade do governante?
Alguém
poderá dizer: “Ah, mas essa ação é a mais fraca; os próprios ministros
tendem a rejeitá-la..”. Atenção! Nem estou entrando nesse mérito. O que
estou afirmando é que, segundo os critérios de Janot, Dilma jamais seria
punida. A propósito: por que esse leitura frouxa e superlativa vale
para um presidente, mas não para os empresários?
Eis Janot. A
tal água misteriosa o faz também preservar, o que é escandalosamente
evidente, o sr. Luiz Inácio Lula da Silva. Eu aguardo um bom motivo para
que o ex-presidente não tenha a sua atuação investigada no episódio do
empréstimo do Banco Schahin ao PT. Ainda que o sítio e o apartamento
tenham calcinado a reputação de Lula, o fato é que isso se deu ao
arrepio de Janot.
De volta à oposição
É por isso que conclamei aqui a oposição a
investir também no impeachment. São muitas as portas abertas para a
manobra do TSE, a despeito da qualidade superior de alguns juízes que lá
estão. Mas também os há com qualidade inferior.
Não se pode
correr o risco de as ações do TSE servirem para emperrar o debate sobre o
impeachment. Uma frente não pode prejudicar a outra. Os elementos estão
dados. Que se faça logo o julgamento. Sempre levando em consideração
que, para Janot, a coisa tem de ser “gravíssima à primeira vista”.
Não é o meu modelo de herói.
Fonte: Blog do Reinaldo Azevedo