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quarta-feira, 2 de outubro de 2019

O que esperar do Supremo hoje? Qual será o tamanho do desastre? - O Globo

STF com medo

Gostaria de que esta sessão de hoje no Supremo Tribunal Federal não ocorresse. Não para o que se propõe. Na semana passada, a corte – tratando de um habeas corpus – formou maioria, com correção, em prol da tese segundo a qual, num processo em que um dos réus seja delator, aquele delatado tenha direito à última palavra quando das alegações finais. Belo e moral. 

É uma obviedade. Se a prática recente da colaboração premiada, estabelecida em lei de 2013, impôs uma inegável hierarquia entre réus, com um deles se associando à acusação, e se a acusação fala primeiro no processo, é natural que o réu delator – que acusa – também se manifeste antes do delatado. É um princípio básico do Direito. O acusado-delatado é o derradeiro a se defender. Ponto final. Que se concluísse a votação hoje, tomados os votos de Marco Aurélio e Dias Toffoli, e bola para frente.


Mas, não...
A ideia de debater e fixar uma “modulação” para aquilo sobre o que o tribunal já decidiu, decisão com mui clara limitação formal de alcance, projeta grande risco de desastre. Isto porque se trata, insisto, de um julgamento de habeas corpus, um caso concreto, que não gera efeito vinculante – daí por que juízes e desembargadores Brasil adentro poderão continuar a decidir acerca da matéria como quiserem, independentemente do que vier a convencionar o STF.

Por que, então, entrar nessa? Por que se arriscar a novo desgaste em rede nacional? Por que, mais uma vez, chutando para escanteio a natureza pontual do habeas corpus, invadir prerrogativa de outro Poder e legislar? 
A resposta é dura e deprimente, mas inescapável: por medo; por covardia. Tudo por causa de Lula; do temor da reação popular em caso de decisão que possa beneficiar o ex-presidente. Com um agravante, já que não podemos nos esquecer de que Toffoli, presidente do Supremo e regente dessa sessão “moduladora”, é ex-advogado do PT, condição que o persegue e da qual, ao menos publicamente, quer se apartar.

Assombrado pelo espectro de Lula (e do próprio passado), a modulação de Toffoli consiste em (tentar) poupar o tribunal – e a si – das críticas de que ali se trabalharia pela impunidade.
Eis o drama. Uma Suprema Corte que se acovarda frente à política e à pressão popular, e que responde com cálculo político e fulanização – isto justamente no momento em que o ambiente político brasileiro está de todo enfeitiçado pela polarização e por líderes carismáticos. Não tem como dar certo. (Não tem como dar certo, aliás, se o presidente da Casa não compreende que a batalha narrativa por recuperar a imagem do STF está perdida, e que o único jeito de encaminhar uma recuperação de valor dependerá de o tribunal tirar a boca dos microfones e enfiar a fuça no texto legal, sem olhar para nome na capa de processo.) 

Operando – com politização e fulanização – para preservar o STF do calor das ruas, Dias Toffoli talvez não perceba que expõe o tribunal como (avalie, leitor) nem Carmen Lucia conseguiu.
Repito: a chance de desastre – de mais um desastre institucional – hoje é grande. Pois pequena não é a possibilidade de o Supremo novamente demonstrar sua incapacidade de concertar e conciliar. As teses, ao menos as ventiladas até aqui, mesmo as plausíveis, são apregoadas com oportunismo. Não tem como dar certo.
E note-se que os ministros ainda terão de debater, com bom campo para controvérsia, sobre quantos votos são necessários para o estabelecimento do alcance de uma decisão – o decano Celso de Mello afirmou que seriam oito. De modo que não seria improvável o julgamento não se encerrar nesta quarta.

Para quê?
Quero insistir na ideia de fulanização como aquilo que raptou – paralisou – o STF. O tribunal, acossado pela agenda da Lava-Jato e pressionado pela adesão popular aos meios (digamos, excêntricos) da operação, encolheu-se de forma a se organizar e responder quase que praticamente só em função de Lula, do destino de Lula. Tudo é Lula.

Tratando de matéria criminal, o ex-presidente é a baliza permanente do Supremo; de maneira que não raro temos o STF empurrando para frente temas delicados, com grande potencial de impopularidade para a corte, enquanto costura a solução para o problema pensando no impacto sobre Lula. Não tem como dar certo.
Não tenhamos dúvida, portanto, de que a modulação a ser defendida hoje – conforme prometido – por Toffoli terá como referência algum arranjo que evite mesmo esbarrar, roçar, no ex-presidente; o que, no caso do processo do sítio de Atibaia, o prejudicaria. Ou seja: a decisão só seria extensiva a réu delatado cuja defesa pleiteara, quando das alegações finais, o direito de falar por último. A de Lula não o fez. Bingo.

Há outro caso, quicando e muito mais importante, vergonhosamente adiado por medo do rugir das ruas e cujo encaminhamento de novo se projeta em função de Lula. Refiro-me às Ações Declaratórias de Constitucionalidade sobre cumprimento de pena após condenação em segunda instância que, uma vez enfrentadas, definiriam aí, sim – efeito vinculante, obrigando juízes e desembargadores a seguirem o sentido determinado.

Hoje, no entanto, por omissão do Supremo, por covardia do Supremo, vamos precariamente pendurados em puxadinhos que deixam a matéria ao sabor dos ventos de cada togado país afora. Porque Toffoli – e antes, também, Carmen Lucia –, sempre tendo o futuro de Lula em vista, e com pavor do bafo do povo no cangote, procura uma brecha para encaixar uma solução intermediária, uma aberração como qualquer gesto de covardia, que inventaria a condenação em terceira instância como gatilho para a execução da pena. Como o ex-presidente já teve sentença confirmada pelo STJ, não poderia ser beneficiado pelo arranjo. Assim vamos.
E aí está: tentando se esquivar do clamor das ruas, mas o tendo como medida, e se posicionando a partir das consequências de suas decisões sobre Lula, para evitá-lo, o Supremo pode eventualmente prejudicar o ex-presidente sem, contudo, colher o amor das ruas. É para onde apontamos.

E veja o leitor que, neste artigo, nem tratei em detalhes do risco – bastante considerável, e também decorrente das paixões fulanizadas – de termos, ao se apreciar o mérito, mais um choque de torcidas, hoje, no tribunal, o que significaria nova contribuição de nossa corte constitucional para o clima de beligerância que integra o espírito do tempo no Brasil.
Para tanto bastará, por exemplo, que o ministro Gilmar Mendes, em vez de defender a tese vencedora com argumentos jurídicos (ele o sabe fazer), insista em apregoar que o STF deve votar, em honra às próprias calças, para dar um corretivo nos procuradores da Lava-Jato em Curitiba. Ou, por outra, que o ministro Roberto Barroso alicerce seus argumentos, mais uma vez, num suposto imperativo moral de defesa da Lava-Jato mesmo apesar dos erros e excessos da operação, sendo os que votam contra sua posição inimigos do combate à corrupção.
Para que, senhores?

Não deixa de ser curioso que as melhores expectativas – talvez a chance de um desfecho menos adoentado – estejam sobre a participação do ministro Alexandre de Moraes, cujo voto na semana passada, líder da tese vencedora, foi o mais equilibrado; porque, ora, ora, essencialmente técnico. Não deixa de ser curioso porque o mesmo Moraes é a comissão de frente, o braço condutor, daquele inquérito ilegal que Dias Toffoli instaurou para investigar e intimidar quem lhes der na telha – mas esse já é outro assunto.

Carlos Andreazza, colunista - Publicada em O Globo