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sábado, 5 de outubro de 2019

A pistola de Janot, o Mandarim de Eça e a República em reboliço - VEJA

Blog do Noblat

"O poder do Diabo só funciona em combinação com o lado obscuro do homem”


Todo o reboliço na República destes dias – político, jurídico, midiático e de marketing – foi causado não por fatos concretos e socialmente exemplares (como os destes dias no Peru), mas por querelas surreais. A maior delas, o caso da pistola levada pelo ex-procurador geral da República, Rodrigo Janot, para dentro do Supremo Tribunal Federal, com a intenção de atirar no ministro Gilmar Mendes e em seguida suicidar-se – descrito no seu livro de memórias e em conversas com jornalistas – , que faz-me lembrar da novela “O Mandarim”, de Eça de Queirós. Li várias vezes, quando aluno da Faculdade de Direito da UFBa. Escola onde também estudou o atual PGR, Augusto Aras, que tomou posse, esta semana, com discurso e entrevistas que mais confundem que esclarecem, principalmente em relação à Lava Jato, motor de propulsão nas investigações de corruptos e corruptores, no país.

Então, era recomendada nas aulas de Direito Penal, como tarefa quase obrigatória para os futuros bacharéis, a leitura do antológico conto do escritor português, considerado fundamental nos estudos jurídicos no Brasil, principalmente no aprendizado sobre o dilema e a diferenciação entre a intenção de praticar um delito e o crime propriamente dito. Aluno também, na época, da Faculdade de Jornalismo da UFBa, o tema para mim era duplamente atraente. Por mérito e justiça devo dizer: no meu caso, a recomendação expressa de “O Mandarim”, partiu do professor Thomas Bacelar, mestre referencial de Penal, na faculdade. Ex- presidente da seccional baiana da Ordem dos Advogados do Brasil e destacado ex-conselheiro federal da OAB. Além de um dos mais notáveis tribunos criminalistas da Bahia.

A novela de Eça, para refrescar a memória dos mais esquecidos, saiu em 1880, apenas dois anos depois do notável autor lusitano ter dado à luz sua obra prima: O Primo Basílio. “O Mandarim”, no dizer dos críticos e analistas literários, é um escrito fantasista, fantástico mesmo, e cômico, cuja narrativa é feita na primeira pessoa, por Teodoro, um advogado amanuense do Reino de Portugal, personagem central da novela, que propicia a refinada crítica que faz o autor à sociedade de seu tempo, “tão limitada que facilmente se deixa levar pelas aparências”. Na narrativa, primorosa e envolvente, registre-se ainda, a presença decisiva de uma figura “declaradamente romântica”, o Diabo.

O Diabo veste roupas da época dos “acontecimentos” descritos, para significar que o mal, na verdade, está bastante próximo do homem, até se confunde com ele mesmo. A novela, segundo um de seus analistas, sinaliza “que o poder do Diabo só funciona em combinação com o lado obscuro do homem”. O ponto de partida é um velho dilema moral – e suas conseqüências – , definido no século XIX como o “paradoxo do mandarim”, formulado originalmente pelo pensador Chateaubriand, e que resume-se a uma pergunta básica: “se você pudesse, com um único desejo matar um homem (neste caso na China) e herdar sua fortuna na Europa, com a convicção sobrenatural que nunca ninguém descobriria, você ; ; concretizaria esse desejo?”.
Mais não revelo, só recomendo a leitura atualíssima, nestes dias que correm em Brasília. E acrescento: um irônico viajante francês, de passagens por estas bandas do Atlântico Sul, certamente diria com seus botões: “Amaldiçoado seja aquele que pensar mal destas coisas!”.

Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. 
E-mail: vitors.h@uol.com.br

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segunda-feira, 10 de agosto de 2015

DILMA E A LEGITIMIDADE PELA MENTIRA



Então, no novo perfil da mídia brasileira, a coisa fica assim. Alguns, diante desse erro descomunal que foram os governos petistas, vão além das aparências e abandonam o barco porque percebem as causas. Entre muitas, saliento estas, bem evidentes: o poder como objetivo ao qual tudo se sacrifica; a justificação dos fins pelos meios; o cultivo da insegurança pública como instrumento da luta de classes; o fracasso humano e social do assistencialismo vitalício como política de Estado; a impossibilidade técnica de se produzir desenvolvimento econômico e social sem economia de mercado; a apropriação indébita dos poderes de Estado, da administração pública e da política externa por um partido político, seja qual for. 

Outros, no entanto, continuam convencidos de que fora dos fracassos estrondosos da esquerda não há salvação para a humanidade. Apoiaram e votaram sempre no PT e se empenharam em preservar-lhe a imagem muito mais do que os líderes do partido. Aliás, enquanto estes trocavam os pés pelas mãos e enfiavam os quatro nos mais pantanosos negócios, eles cuidavam de espalhar o ônus moral de tais condutas sobre uma linha de tempo que, se a gente deixar, acabará remontando à criação do Reino de Portugal no século 12.

Se há algo que abala os formadores de opinião é constatar que quanto mais escrevem e falam, menos opiniões formam. Então, com a credibilidade da presidente caindo para um dígito, ainda por cima quebrado, já não se encontram mais, na mídia, prosélitos com disposição de exaltar as virtudes do petismo reinante. Para os obstinados, porém, o passado ainda pode ser requentado. Tal é a aposta, por exemplo, do sempre oculto Foro de São Paulo (que antes diziam não existir e, agora, afirmam estar morrendo...).

Não havendo condições propícias ao proselitismo puro e simples, resta à mídia esquerdista e seus agentes dois meios de ação. No primeiro, obedecem à regra segundo a qual o contra-ataque é uma forma de defesa na qual dificilmente se passa vexame, porque sempre haverá o que atacar. Então, atacam quem ataca para defender quem não mais se atrevem a defender. No segundo, aí sim, agarram-se no Estado de Direito para proclamar a intangibilidade do mandato da presidente. A esse coro ela mesma aderiu em suas últimas manifestações: "Ninguém vai tirar a legitimidade que o voto me deu", afirmou a presidente, falando em Roraima no dia 7 deste mês. 

Dilma está, neste caso, defendendo a legitimidade da mentira como instrumento de ação política e eleitoral. Com efeito, ela foi eleita em 2014 mentindo à nação sobre a realidade nacional e atribuindo a seu adversário os flagelos que ela trazia a tiracolo para enfrentar a macabra situação que seu governo produzira. Nada que não tenhamos visto e não estejamos vendo. Assim, a presidente e os formadores de opinião que a acompanham, ao falarem em "legitimidade" no cenário atual, consagram a soberania do Pinóquio e promovem o linchamento do Grilo Falante. 

* Percival Puggina (70), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org.