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quarta-feira, 24 de maio de 2023

Pela Constituição - Temos Constituição, mas só é cumprida se o Supremo quiser - Alexandre Garcia

Gazeta do Povo - Vozes

Obelisco Mausoléu aos Heróis de 32, localizado no Parque Ibirapuera, em São Paulo.| Foto: Governo do Estado de São Paulo

Neste 23 de maio faz 91 anos que quatro estudantes paulistas morreram por uma Constituição. Getúlio Vargas havia assumido o poder pela Revolução de 1930, e governava discricionariamente, arbitrariamente, segundo sua vontade, sem assembleias que representassem o povo no Poder Legislativo. A federação deixara de existir - país unitário.  
São Paulo já era o estado mais importante - e o mais atingido. 
Não se conformou com isso. E começaram manifestações; em 25 de janeiro de 1932, aniversário da cidade, 100 mil pessoas se reuniram na Praça da Sé. No dia 23 de maio, numa esquina da Praça da República, houve confronto entre manifestantes e um grupo armado pró-Vargas. Fuzilaria e muitos mortos, entre eles, quatro jovens estudantes, que entraram para a história do Brasil como MMDC: Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo. O Obelisco do Ibirapuera, o mais alto monumento da cidade, foi construído para abrigar os corpos dos quatro precursores da Revolução Constitucionalista de 32.
 
Hoje convivemos com uma situação parecida. Temos Constituição, mas só é cumprida se o Supremo quiser.  
Somos chamados de República Federativa, mas a prática tributária mostra que o sistema é unitário, porque tudo depende do governo federal. Estados e municípios andam de pires na mão, à mercê da caridade federal. A existência de três poderes apenas está escrita na Constituição, mas a prática é a hegemonia do Supremo  sobre os demais - ironicamente, o Judiciário é o único que não tem representação popular, não recebe a procuração do voto. 
A Constituição, como garantidora de liberdades básicas e do devido processo legal, não tem-se imposto a decisões monocráticas de juízes do Supremo. Os direitos de reunião, de opinião, de expressão, estão reprimidos pelo medo, ante decisões que dispensam inquérito legal, ministério público, juiz natural e contraditório.
 
O chefe do Poder Executivo foi impedido de nomear subordinados, o presidente do Senado tem medo de adotar os remédios previstos na Constituição para retornar à normalidade democrática.  
Prisões em massa de manifestantes sem flagrante e cassação de mandato de deputado sem justa causa, deixam os mandantes e os mandatários com medo de se manifestarem. Diferente de 1930 nas aparências, mas não nas consequências.
 
A prisão de 1.390 manifestantes e a conversão deles em réus, certamente tem o efeito de atemorizar e dissuadir os que pretenderem manifestar nas ruas seu desejo de ver cumprida a Constituição. 
Afinal, os mais ingênuos queriam vê-la ultrapassada por forças militares. Erraram de endereço. Gritaram em vão diante dos quartéis.  
O alvo deveria ser os ouvidos de Rodrigo Pacheco. Mas, enfim, exerceram o livre direito de expressão sem anonimato, garantido pela Constituição. 
A prisão deles, em massa, era para intimidar. Mas os teimosos pela Constituição voltaram domingo às ruas  - e na icônica Curitiba - em favor de um deputado injustiçado, Deltan Dallagnol.  Não temeram, tal como os paulistas de 32. Haverá um dia um obelisco para eternizar os que lutam hoje pela Constituição.

Conteúdo editado por: Jônatas Dias Lima

Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense

 


sábado, 20 de novembro de 2021

Constituição da República Federativa do Brasil de 2022 - Gazeta do Povo

Vozes - Francisco Escorsim

Ele não reagiu, sabia ser inútil. Sentado algemado, acompanhava os policiais revirando o quarto, empilhando seus livros. “Tem algum aqui que seria permitida a leitura, senhor?”, perguntou o agente que parecia chefiar a operação. Não respondeu, era inútil.

Em um dos caixotes, vários cadernos, seus diários. O mesmo agente folheava um a esmo. “3 de janeiro de 2073. Encontramos o documento. O primeiro volume da história pode ser agora concluído.” Em anexo, folhas com timbre do 9.º Fórum Jurídico de Lisboa grampeadas. O agente continuaria a leitura, mas interrompeu ainda no primeiro parágrafo, ficando desconfortável. Determinou a continuidade da busca e se sentou na ponta da cama, próximo a ele, lendo em silêncio, parando aqui e acolá em alguns sublinhados:

PREÂMBULO
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Sessão Plenária do Supremo Tribunal Federal para instituir um Estado Juristocrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução jurídica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de nós mesmos, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.


TÍTULO I
DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS

Art. 1.º
A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Juristrocrático de Direito e tem como fundamentos:

I - O Supremo Tribunal Federal;
II - a soberania;
III- a cidadania;
IV - a dignidade da pessoa humana;
V - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
VI - o pluralismo político.


Parágrafo único. Todo o poder emana dos ministros do Supremo Tribunal Federal, que o exercem por meio de si mesmos, nos termos desta Constituição.

Art. 2.º São Poderes da União, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, sendo o Executivo e Legislativo dependentes do Judiciário.”

(...)

“TÍTULO II
DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS

CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS


Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos convenientes aos ministros do Supremo Tribunal Federal.

(...)

TÍTULO IV
DA ORGANIZAÇÃO DOS PODERES
(...)
CAPÍTULO II
DO PODER EXECUTIVO

SEÇÃO I
DO PRESIDENTE E DO VICE-PRESIDENTE DA REPÚBLICA


Art. 76.
O Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado, sob tutela dos ministros do Supremo Tribunal Federal.”

O policial dobrou as folhas, guardou o diário e disse, sem olhar para ele, num tom que parecia amistoso: “Isso nunca se realizou, não existiu esta Constituição”. Ele se virou para o agente, incerto. Mas o fiapo de esperança se desfez antes mesmo de se instalar, com ele abaixando a cabeça e respondendo: “Não foi necessário”.

Francisco Escorsim, colunista - Gazeta do Povo - Vozes