Relator da Lava Jato dá mais 60 dias para açougueiro de casaca entregar provas e outros penduricalhos. Lembro que, a esta altura, o acordo de delação já é letra morta. Acordos pra quê? Leis pra quê? A única lei é derrubar Michel Temer
Num país em que Ministério Público e
Justiça se impusessem sobre Joesley Batista com a força da lei, do
Estado de Direito, ele até poderia estar solto, à espera da sentença.
Mas saberia ter alguns anos de cadeia pela frente. Bem menos,
infinitamente menos (literalmente), do que os mais de três mil anos de
pena. Afinal, nessa democracia hipotética, ele fez um acordo de delação.
Mas estamos na República de Banânia, não
é? E o procurador-geral de Banânia é Rodrigo Janot. O relator do caso
no Supremo em Banânia é Edson Fachin. Se é assim, é possível que Deus
esteja morto e, pois, tudo seja permitido, como naquela frase que a
personagem “Mitia”, de Irmãos Karamazov (Dostoievski), nunca disse. E,
com efeito, nem Mitia nem o autor afirmaram “Se Deus não existe, tudo é
permitido”.
O que há no livro, note-se, é um momento
de perplexidade de Mitia com a concepção expressa pela personagem
Rakitini, segundo quem Deus é uma ideia construída pelo homem. Perde-se,
desse modo, o sentido do absoluto, no valor insuperável, que reunifica
os fragmentos da tragédia de existir e lhe confere um sentido. Então vêm
ecos de São Paulo, o Apóstolo: tudo me é permitido, mas nem tudo me é
lícito. E a interdição existe porque há um Deus. Porque, se não há, vem a
perplexidade em forma de indagação: então “tudo é permitido e,
consequentemente, tudo é licito”?
No direito, esse Deus da contenção, do
limite, do “onde aceitável”, são as leis. Sem elas, sem o seu triunfo,
sem a solenidade que necessariamente ensejam — e, em todo o mundo, os
juízes vestem um hábito para lembrar aos demais que encarnam uma espécie
de poder transcendente, que vai além as vontades particulares e das
vicissitudes —, aí, sim, caíamos na desordem. Aí, então, tudo passa a
ser permitido e tudo passa a ser lícito. O crime desaparece. Falando por
metáfora: no direito, o “ateísmo” corresponde à morte da norma. Então
só restam as milícias e a outra lei, alternativa aos códigos escritos e
democraticamente pactuados: a lei do mais forte, tornado Deus de suas
próprias vontades.
Viajei um pouco, mas volto ao ponto. A
trinca Joesley-Janot-Fachin quase derruba o presidente da República. Aí
se descobre que Joesley havia apagado trechos de gravação, ora
recuperados. Esgotava-se ontem o prazo para que o homem entregasse o que
tinha. Fachin resolveu lhe dar mais 60 dias. Não temos mais uma
delação, para um “work in progress”, que vai progredindo à medida da
necessidade. Joesley se tornou também o senhor do tempo. [atualizando: Joesley desconhecendo que o ministro Fachin o havia nomeado senhor do tempo entregou o material ontem.]
Se Joesley existe, então tudo é permitido.
Parece pouca coisa, mais não é. Se o
acordo de delação que ele assinou for válido, então tem de ser anulado, a
menos que não haja nada de relevante no material deliberadamente
apagado. Se há, está caracterizada a omissão e a tentativa de distorcer o
sentido das provas, de trata a Alínea “e” do Artigo 26 do acordo. Mas
também isso não será aplicado.
Existe a Constituição, existem as leis,
existem os acordos de delação, existem os tribunais, existem as regras. E
existe Joesley.
E, se Joesley existe, então tudo é permitido porque o resto entra em falência.