Miguel Reale Júnior
Bolsonaro pulou fora da dignidade e dos limites constitucionais impostos pelo cargo
[Sugestão ao ilustre articulista:
o senhor foi um dos autores do pedido de impeachment da 'engarrafadora de vento', Dilma Rousseff.
Tal ato tornam o senhor e os dois que estavam ao seu lado (deputada Janaína Paschoal e o ex-petista Hélio Bicudo) heróis, pelo BEM bem que fizeram ao Brasil e aos brasileiros pela expulsão da petista - ato indispensável ao BEM do Brasil e dos brasileiros.
Assim, o senhor possui o conhecimento necessário - notório e amplo, de fato e de direito - para analisar a conduta do presidente Bolsonaro e, se houver fundamentação, pedir o seu 'impeachment'.
O único inconveniente é que o senhor não poderá contar com o apoio da ilustre deputada, visto que a mesma já manifestou o entendimento que o nosso presidente não cometeu nenhum crime.]
A eleição de Bolsonaro insere-se no fenômeno do surgimento da direita
nacional-populista que levou ao poder:
Trump nos Estados Unidos, Viktor
Orbán na Hungria, Salvini e Beppe Grillo na Itália, ao Brexit e a
Johnson na Inglaterra. Líderes vencem não pela consistência de suas convicções, mas porque,
orientados por especialistas em opinião pública, lançam mão de técnicas e
algoritmos na internet.
Conhecem, então, a receita do bolo a ser
servido a cada tribo de consumidores/eleitores, por via do estudo
científico dos medos, aspirações, alegrias e ódios desvelados no uso das
redes sociais, das quais surge perfeita tomografia de corpo e alma dos
usuários. As frustrações e a raiva que produzem são fonte de energia e
formam o cardápio político. Conforme Moura e Corbellini (A Eleição
Disruptiva – por que Bolsonaro venceu, Record, 2019),“a vitória de
Bolsonaro foi a manifestação da ira contra tudo o que está aí, foi a
eleição dos indignados”.
Os magos por trás da máquina de controle daqueles que se pensam,
enganadamente, fautores do próprio destino por integrarem as redes
sociais são os técnicos como Gianroberto Casaleggio, na Itália, Dominic
Cummings, que conduziu a campanha em favor do Brexit, o ex-chefe de
campanha de Trump e próximo de Olavo de Carvalho, Steve Bannon, o
articulador de Orbán, Arthur Finkelstein e o controvertido jornalista
Milo Yiannopoulos. É Giuliano Da Empoli, no livro Os Engenheiros do Caos (Vestígio, 2019,
tradução de Arnaldo Bloch), que revela a nova política tecnicamente
administrada, gerida sem nenhum limite ético.
As manobras antes utilizadas em face do consumidor passaram a ser
aplicadas ao eleitor, objeto de cooptação para levar ao poder ambiciosos
sem pudor, falsos moralistas que prometem expulsar os maus do “templo”
valendo-se do ressentimento e da raiva fáceis de ser explorados, sempre
sob a ótica conspiratória contra bodes expiatórios denunciados com fake
news nas redes sociais. Adotam esses chefes autoritários posições diversas a cada passo. Dizem
um dia o necessário para contentar parcela Y da sociedade, para no
seguinte, sem preocupação com a coerência, aderirem ao inverso, se
preciso, para satisfazer a parcela X. [convenhamos que a conduta acima é típica de 99,999% dos políticos - se é que existe algum que não a pratique???]
No caso brasileiro, o desencanto com a corrupção após a ditadura, a
desesperança de dias melhores após a nova Constituição, bem como a crise
de segurança pública facilitaram um discurso raso de direita e a
indicação dos culpados: a classe política, acusada de só ver o próprio
interesse, as elites traidoras, o aparelhamento do Estado. [a origem de todo o mal está exatamente no fim do Governo Militar e a instituição da chamada Nova República que deu o 'start' para o soerguimento de toda a estrutura corrupta que voltou a dominar o Brasil;
e, a 'constituição cidadã' facilitou a ação nefasta da Nova República.]
A eventual frustração de cada qual nos planos profissional, econômico,
sexual, familiar se soma à indignação dos eleitores contra o PT, a
corrupção, o Congresso, o STF, muitos sem perceber que ir contra os dois
últimos lesa direitos fundamentais e instaura o arbítrio. A tática é sempre a mesma: populistas, ao se nutrirem do ódio dos
outros, fazem da humilhação dos poderosos a sua promessa, como diz Da
Empoli. Ser vulgar e grosseiro, mormente com a imprensa, e afrontar o
politicamente correto passa por exprimir autenticidade, atendendo ao
gosto popular, ao contrário dos hábitos das elites e da velha política. [o simples fato de ser politicamente já exclui ser correto.]
Buscam-se os cantos, e não o centro, ou um denominador comum. Não há
união, mas adjunção. Somam-se desconhecidos, cada qual carregando sua
revolta em direção aos extremos e a ser explorada pelos líderes
populistas manobrados pelos técnicos em algoritmos e internet.
Da Empoli ressalta: “No mundo de Trump, Johnson e Bolsonaro cada novo
dia nasce com uma gafe, uma polêmica, a eclosão de um escândalo e, mal
se está comentando um evento, esse já é eclipsado por outro, numa
espiral infinita que catalisa a atenção e satura a cena midiática”.
No carnaval houve reiterada conduta agressiva [apenas defensiva e/ou neutra] de Bolsonaro: ofendeu a
jornalista da Folha; divulgou conversa do general Heleno chamando
congressistas de chantagistas e sugerindo ida às ruas; postou no
WhatsApp dois vídeos convocando para ato em 15 de março: num conclama
patriotas a resgatar o Brasil e defender o presidente cristão e
incorruptível; no outro põe os nomes Gen. Heleno/Cap. Bolsonaro e se faz
de mártir ante os inimigos do Brasil; na quinta-feira 27/2 acusou
mendazmente a jornalista Vera Magalhães de mentir.
Se Bolsonaro nunca teve apreço pela democracia representativa e pelos
partidos políticos, sabe, todavia, o valor de um gabinete do ódio no
terceiro andar do palácio a calibrar a relação direta entre o “líder” e o
povo a ser emocionalmente explorado. Basta assistir ao vídeo
compartilhado no qual sem pudor é endeusado: “Foi chamado a lutar por
nós”, “quase morreu por nós”, “única esperança de dias cada vez
melhores”, “presidente trabalhador, patriota”, “precisa de nosso apoio
nas ruas”. Apoio por quê? Ora, apenas em favor da ambição do poder
populista, sem intermediação.
O que parece desatino em muito é planejado. Na convocação para o dia 15
Bolsonaro exagerou e pulou no carnaval fora da dignidade e dos limites
constitucionais impostos pelo cargo. O mesmo na triste comédia do PIB.