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sábado, 2 de dezembro de 2023

DERRAMA - Está claro que a economia brasileira passará por forte aumento de carga tributária, já elevada - O Globo

Carlos Alberto Sardenberg

Derrama


Taxação de e-commerce internacional, como Shein, Shopee e AliExpress — Foto: Fábio Rossi/Agência O Globo

As compras em sites internacionais de bens com valor abaixo de US$ 50, hoje isentas, passarão a pagar imposto de importação no próximo ano. Não há decisão formal do governo, mas está claro que será assim.

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O vice-presidente Geraldo Alckmin disse que o imposto seria “o próximo passo”, depois da formalização dessas compras e da cobrança do ICMS, de 17%. Na Receita Federal já há estudos para definir a nova alíquota, algo entre 15% e 25% sobre o preço “cheio”, incluído o ICMS.
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Trata-se de compras feitas em sites de companhias asiáticas, como Shein, Shopee e AliExpress, que fazem a festa das classes médias. Saem bem mais baratas que no varejo local. São as varejistas brasileiras que mais pressionam o governo e o Congresso para a introdução do imposto sobre bens abaixo de R$ 250, considerando o dólar a R$ 5.

Têm um bom argumento: a carga tributária sobre a produção e o comércio locais é muito alta. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, varia de 68% (alimentos) a incríveis 143% (eletrônicos).  

Numa blusinha de R$ 100, comprada em loja brasileira, R$ 50 vão para o governo.

São justamente as roupas femininas que têm maior demanda nos sites asiáticos. Enquanto essas compras foram limitadas pelo desconhecimento do consumidor e pela falta de estrutura, o assunto passava meio batido. Com a popularização dos celulares (na maioria chineses, por sinal) e a expansão da internet, as classes médias descobriram o paraíso.

E o governo descobriu mais uma possível fonte de arrecadação. 
O ministro Fernando Haddad sempre fala em igualdade de condições — e de competição — entre importados e nacionais. 
Acolhe, assim, o argumento dos varejistas brasileiros. 
Não se poderia buscar a isonomia pelo outro lado?  
Pela redução dos impostos sobre o nacional?
Isso deixaria felizes as classes médias e as varejistas brasileiras. Imposto menor, preço menor, mais consumo, mais faturamento.
 
Mas o governo, nas três instâncias, não vê aí a menor graça. Todas estão em busca de receitas novas para cobrir gastos já contratados
Estados do Sul e Sudeste anunciaram recentemente um aumento do ICMS a partir de janeiro. Justificativa: cobrir perdas eventuais com a reforma tributária, em votação no Congresso, cuja implantação levará uns dez anos.[a reforma tributária vai levar uns dez anos para impactar, mas os brasileiros em alguns meses começam a pagar.]

No nível federal, os cálculos ainda são incompletos, mas se estima que o governo precisará ter um ganho de arrecadação em torno de R$ 150 bilhões para equilibrar as contas do ano que vem. É muito dinheiro, 1,5% do PIB.

Segundo o ministro Haddad, não se trata de aumento de carga tributária, mas de correção de injustiças fiscais e fechamento de brechas na legislação que permitem às pessoas ricas e empresas grandonas pagar menos que os pequenos e mais pobres. Taxar os super-ricos, como diz a fala oficial.   Não é bem assim, mas vamos supor que a tese esteja correta. Nesse caso, não seria mais justo ainda promover uma ampla redução de impostos pagos pelos mais pobres? Por exemplo, no varejo local?

Como vimos, não está no horizonte.

Ao contrário, está claro que a economia brasileira passará por forte aumento de carga tributária, já elevada. Pode chamar de correção e fechamento de brechas, mas algo como R$ 150 bilhões, da economia privada, passarão aos cofres do governo.

O sistema tributário brasileiro é considerado o pior do mundo entre os países relevantes
O desastre foi armado cuidadosamente anos a fio. 
Empresas em geral, indústria, comércio e serviços, são excessivamente taxadas. 
Alíquotas efetivas do Imposto de Renda chegam perto de 50% em alguns casos. Ao mesmo tempo, dada a complexidade do sistema, na verdade uma enorme confusão irracional, as empresas tiveram de montar custosos departamentos jurídicos para encontrar as tais brechas legais.

E caímos nisso, uma briga de abre e fecha brechas. As novas cobranças certamente cairão nessa custosa malha jurídica. Mas o governo começa ganhando. Conseguindo o que quer, vem aí uma quase derrama fiscal. Deveria ser uma simplificação geral e alívio para empresas menores e os mais pobres.   

Próxima Ao pé do ouvido

Carlos Alberto Sardenberg, colunista


sábado, 15 de abril de 2023

O imposto sobre sites asiáticos vai para as classes médias - Carlos Alberto Sardenberg

Taxação de e-commerce internacional, como Shein, Shopee e AliExpress, aumentará preços Fábio Rossi
 
É difícil fiscalizar e, pois, taxar o comércio eletrônico, tanto nacional quanto internacional. 
 No Brasil, são centenas de milhares de pequenas compras por dia. 
Só pelo volume, dá para imaginar o tamanho e a sofisticação do sistema de computadores necessário para examinar e cobrar tudo isso. 
Mais ainda: uma fiscalização minuciosa atravanca e atrasa o negócio, que pode deixar de ser interessante para os consumidores. Se isso acontecer, a arrecadação, claro, desaparece.

Tem ainda a logística. Imaginem uma empresa sediada noutro país, fabricando num terceiro e vendendo aqui, tudo on-line. Onde cobrar? De novo, é uma questão que preocupa governos mundo afora. Poderiam fechar acordos internacionais. Mas, pelo que se sabe, Lula não tratou disso na China.

Há também uma questão social. Amplas parcelas das classes médias estão acostumadas a pagar barato nesses sites, especialmente nos de origem asiática.

O ministro Fernando Haddad não conhecia a Shein, mas deveria. Trata-se de uma companhia chinesa, gigante da moda mundial, que vende barato, muito barato.  
Só no Brasil, deve ter faturado algo como R$ 7 bilhões no ano passado, segundo estimativas de consultorias. 
É bem mais do que vendem varejistas nacionais. Por que a Shein consegue vender tão barato? 
Eficiência na produção e na distribuição, maior produtividade, mão de obra mais barata do que nos principais mercados ocidentais, escala maior. E, no caso do Brasil ao menos, pelo não pagamento de impostos. 
 
O governo Lula precisa de um forte ganho de arrecadação. [para gastar mais? roubar mais?] 
Mas fez a promessa de não criar impostos novos, nem aumentar as alíquotas dos já existentes. Como fazer o milagre? Procurando operações que não pagam. Bingo! O comércio eletrônico, a líder Shein. 
 
Pela regra ainda vigente, vendas de até US$ 50, entre pessoas físicas, são isentas. Na prática, todas as vendas até aquele valor acabam isentas. Empresas vendedoras e consumidores já aprenderam a fracionar as compras, de modo a ficar no limite de isenção.  
Na venda de empresa (pessoa jurídica) para física, o imposto — de pelo menos 60% incide. Mas é fácil driblar isso.

Logo, existem aí uma sonegação e uma concorrência injusta com as varejistas nacionais. Um modo de resolver, claro, seria eliminar o imposto nas vendas locais — mas o governo não quer perder essa arrecadação. Como é praticamente impossível checar a origem real de milhares de encomendas diárias, só restou uma saída. Cancelar a isenção até US$ 50. Assim, não precisa checar nada: todas as encomendas vindas de fora pagam ao menos 60% sobre o preço do produto mais o frete.

Tudo legal.

O problema é social e político. Pesquisas mostram que as classes médias, especialmente aquelas de renda mais baixa, são as grandes compradoras nos sites chineses.  
Esse pessoal pagará mais caro, bem mais. 
 Dependendo do estado, os impostos podem mais do que dobrar o preço. E isso, claro, restringe a capacidade de consumo daquelas famílias. Se Lula tem muito voto nessas classes, dá para entender por que o governo ficou tão desorientado e cometeu tantos erros nesse assunto. Estava claramente despreparado. Por um motivo constrangedor: elites não conheciam esse mercado popular. 
 
O prêmio de elitismo cabe ao ministro Haddad. Quando disse que não conhecia a Shein o que já era constrangedor —, acrescentou que, de sites, só sabia da Amazon, onde compra “pelo menos um livro por dia”. O ministro é um intelectual — sabemos. Mas, caramba, por que não compra nas livrarias brasileiras? Elas também fazem vendas on-line. Dirão: estão pegando no pé do ministro. Mas imaginem se Paulo Guedes tivesse dito isso. 
 
Tudo considerado, o governo armou várias armadilhas para si mesmo. Criará um imposto ao eliminar a isenção —, e a taxação recairá sobre as classes médias baixas
Isso mostra mais uma vez que o Brasil é caro, especialmente para os mais pobres. E vai ficar um tanto mais caro. Governar para os pobres deve ser diferente, não é mesmo?

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista 

 

Opinião - Coluna em O Globo