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sábado, 2 de dezembro de 2023

DERRAMA - Está claro que a economia brasileira passará por forte aumento de carga tributária, já elevada - O Globo

Carlos Alberto Sardenberg

Derrama


Taxação de e-commerce internacional, como Shein, Shopee e AliExpress — Foto: Fábio Rossi/Agência O Globo

As compras em sites internacionais de bens com valor abaixo de US$ 50, hoje isentas, passarão a pagar imposto de importação no próximo ano. Não há decisão formal do governo, mas está claro que será assim.

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O vice-presidente Geraldo Alckmin disse que o imposto seria “o próximo passo”, depois da formalização dessas compras e da cobrança do ICMS, de 17%. Na Receita Federal já há estudos para definir a nova alíquota, algo entre 15% e 25% sobre o preço “cheio”, incluído o ICMS.
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Trata-se de compras feitas em sites de companhias asiáticas, como Shein, Shopee e AliExpress, que fazem a festa das classes médias. Saem bem mais baratas que no varejo local. São as varejistas brasileiras que mais pressionam o governo e o Congresso para a introdução do imposto sobre bens abaixo de R$ 250, considerando o dólar a R$ 5.

Têm um bom argumento: a carga tributária sobre a produção e o comércio locais é muito alta. Segundo o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário, varia de 68% (alimentos) a incríveis 143% (eletrônicos).  

Numa blusinha de R$ 100, comprada em loja brasileira, R$ 50 vão para o governo.

São justamente as roupas femininas que têm maior demanda nos sites asiáticos. Enquanto essas compras foram limitadas pelo desconhecimento do consumidor e pela falta de estrutura, o assunto passava meio batido. Com a popularização dos celulares (na maioria chineses, por sinal) e a expansão da internet, as classes médias descobriram o paraíso.

E o governo descobriu mais uma possível fonte de arrecadação. 
O ministro Fernando Haddad sempre fala em igualdade de condições — e de competição — entre importados e nacionais. 
Acolhe, assim, o argumento dos varejistas brasileiros. 
Não se poderia buscar a isonomia pelo outro lado?  
Pela redução dos impostos sobre o nacional?
Isso deixaria felizes as classes médias e as varejistas brasileiras. Imposto menor, preço menor, mais consumo, mais faturamento.
 
Mas o governo, nas três instâncias, não vê aí a menor graça. Todas estão em busca de receitas novas para cobrir gastos já contratados
Estados do Sul e Sudeste anunciaram recentemente um aumento do ICMS a partir de janeiro. Justificativa: cobrir perdas eventuais com a reforma tributária, em votação no Congresso, cuja implantação levará uns dez anos.[a reforma tributária vai levar uns dez anos para impactar, mas os brasileiros em alguns meses começam a pagar.]

No nível federal, os cálculos ainda são incompletos, mas se estima que o governo precisará ter um ganho de arrecadação em torno de R$ 150 bilhões para equilibrar as contas do ano que vem. É muito dinheiro, 1,5% do PIB.

Segundo o ministro Haddad, não se trata de aumento de carga tributária, mas de correção de injustiças fiscais e fechamento de brechas na legislação que permitem às pessoas ricas e empresas grandonas pagar menos que os pequenos e mais pobres. Taxar os super-ricos, como diz a fala oficial.   Não é bem assim, mas vamos supor que a tese esteja correta. Nesse caso, não seria mais justo ainda promover uma ampla redução de impostos pagos pelos mais pobres? Por exemplo, no varejo local?

Como vimos, não está no horizonte.

Ao contrário, está claro que a economia brasileira passará por forte aumento de carga tributária, já elevada. Pode chamar de correção e fechamento de brechas, mas algo como R$ 150 bilhões, da economia privada, passarão aos cofres do governo.

O sistema tributário brasileiro é considerado o pior do mundo entre os países relevantes
O desastre foi armado cuidadosamente anos a fio. 
Empresas em geral, indústria, comércio e serviços, são excessivamente taxadas. 
Alíquotas efetivas do Imposto de Renda chegam perto de 50% em alguns casos. Ao mesmo tempo, dada a complexidade do sistema, na verdade uma enorme confusão irracional, as empresas tiveram de montar custosos departamentos jurídicos para encontrar as tais brechas legais.

E caímos nisso, uma briga de abre e fecha brechas. As novas cobranças certamente cairão nessa custosa malha jurídica. Mas o governo começa ganhando. Conseguindo o que quer, vem aí uma quase derrama fiscal. Deveria ser uma simplificação geral e alívio para empresas menores e os mais pobres.   

Próxima Ao pé do ouvido

Carlos Alberto Sardenberg, colunista


segunda-feira, 18 de setembro de 2023

Uma aula para Haddad: taxar produtos importados parece bom na teoria, mas faz mal para o país - Gazeta do Povo

Ideias - Gabriel de Arruda Castro

Compras pela internet

Quando as tarifas sobre os importados são elevadas sob o argumento de que é preciso proteger a indústria nacional, o resultado tende a ser ruim para os empresários e os consumidores
Quando as tarifas sobre os importados são elevadas sob o argumento de que é preciso proteger a indústria nacional, o resultado tende a ser ruim para os empresários e os consumidores| Foto: Bigstock

O governo brasileiro passou a taxar as compras feitas pela internet de sites como Shein e AliExpress
O impacto tornou a compra inviável para muitos consumidores: são 92% de impostos em itens acima de US$ 50 (cerca de 250 reais).
 
A intenção do governo é aumentar a arrecadação para cobrir o aumento de gastos.  
Uma consulta aos números mostra por que: em nove meses de governo Lula, o país passou do verde para o vermelho em termos fiscais. 
O governo federal agora tem gastado mais do que arrecada. 
Na comparação mensal entre julho de 2022 e julho de 2023, a receita mensal caiu 5,3% e as despesas aumentaram 31,3%. 
Em julho de 2022, as contas do governo fecharam com um saldo positivo de R$ 18,9 bilhões.  
Em julho de 2023, o saldo foi de R$ 35,9 bilhões negativos.
 
A equipe de Lula parece disposta a seguir uma fórmula que, de tão previsível, é entediante: primeiro, o governo promete ajudar os cidadãos mais pobres. 
Para conseguir financiar a tal ajuda, o governo passa a gastar mais. Com os gastos em alta, o governo decide arrecadar mais e aumenta os impostos. Com os impostos mais altos, a atividade econômica desacelera. A oferta de empregos diminui. E os mais pobres são os mais prejudicados.

Bastava uma consulta aos livros de história (e economia) para saber que esse método não funciona. Inclusive quando as tarifas sobre os importados são elevadas sob o argumento de que é preciso proteger a indústria nacional. O resultado tende a ser ruim para os empresários e os consumidores.

Carros Gurgel e computadores Scopus
Até o começo dos anos 1990, o Brasil tinha uma política industrial altamente protecionista. Sob a justificativa de proteger empregos e valorizar a indústria nacional, o governo impedia (ou restringia significativamente) a importação de produtos que tivessem equivalente no Brasil.

Surgiram daí os computadores Scopus e Cobra, assim como o Gurgel o carro que parecia ter motor (e design) de uma geladeira.

Naquela época, “importado” era sinônimo de algo caro e de mais qualidade.

A situação começou a mudar com a Nova Política Industrial e de Comércio Exterior do governo Collor. O programa reduziu barreiras tributárias e limitou a concessão de subsídios. As linhas de crédito concedidas pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) passaram a priorizar setores que fossem competitivos no mercado internacional.

O modelo protecionista tinha vários problemas. Em primeiro lugar, violava a liberdade individual: fora produtos nocivos, as barreiras excessivas impedem que as pessoas compram e vendam os produtos que quiserem.

Além disso, a restrição às importações limita as opções disponíveis a itens mais caros e com menor qualidade. Não por acaso, o período de importações limitadas foi o auge das viagens dos sacoleiros ao Paraguai.

Por fim, as consequências de longo prazo costumam ser ruins também para a indústria nacional, que se torna incapaz de competir no mercado internacional e tende a se tornar obsoleta com o tempo.
Ilusão da autossuficiência

Em 'A Riqueza das Nações', Adam Smith explica em termos lógicos como o comércio exterior é benéfico.

Economicamente, não faz sentido que um advogado fabrique os móveis da própria casa. A solução mais eficiente é que ele trabalhe como advogado (em vez de gastar tempo tentando ser marceneiro), e que contrate um marceneiro com o dinheiro que ganhar na sua profissão. Cada um na sua especialidade.

Com os países, a lógica é semelhante.

É justificável que alguns tipos de produtos, como medicamentos e itens militares, tenham uma proteção especial. Mas, como regra geral, a liberdade de comércio exterior é sempre vantajosa.

Nos Estados Unidos, a rede de hipermercados Walmart consegue vender produtos de qualidade razoável a preços baixos porque boa parte do seu estoque vem da China. 
Forçar a nacionalização da indústria aumentaria o preço e diminuiria o número de pessoas capazes de comprar. 
Em outras palavras: reduziria o padrão de vida dos consumidores americanos.

Brasil vs. EUA
Uma comparação do poder de compra no Brasil e nos Estados Unidos ajuda a ilustrar esse fato.
Nos Estados Unidos, um atendente do McDonald’s ganha, em média, US$ 12 (cerca de R$ 60) por hora de trabalho.

Com 34 horas de trabalho, ele pode comprar a versão mais barata do PlayStation 5. Com 67 horas, ele compra um Iphone 14. E duas mil horas (11 meses e meio de trabalho em tempo integral) rendem o equivalente a um Honda Civic zero quilômetro.

No Brasil, respectivamente, o funcionário do McDonald 's (que ganha um salário mínimo, ou R$ 1.320) recebe aproximadamente R$ 7,50 por hora. Ele teria de trabalhar 530 horas para comprar um PlayStation 5, 700 horas para comprar um IPhone 14. E levaria 14 anos para comprar um Honda Civic zero quilômetro — já incluindo o 13º salário (e sem considerar descontos em folha).

Se juntar todo o salário de um ano, o brasileiro consegue comprar somente um Ford Fiesta 2005.

Pela mesma razão, não se veem americanos se mudando para o Brasil para desfrutar dos benefícios da CLT
Sim, o Brasil oferece licença-maternidade maior, mais dias de férias, 13º salário e FGTS. Nada disso existe nos Estados Unidos. 
Mas essa é justamente uma das razões pelas quais a economia americana é mais dinâmica, tem um desemprego menor e paga melhores salários.

A nova taxação de importados, aliás, afeta muito mais do que as consumidoras interessadas em  vestidos de qualidade razoável e preço baixo. O aumento abrupto no custo dos importados prejudica também profissionais autônomos, como mecânicos, que utilizam as plataformas digitais para comprar ferramentas.

As limitações da Gurgel não eram apenas a falta de experiência: eram a falta de acesso a peças e ao maquinário adequado para se construir um carro a um preço razoável.

Nada disso parece alterar a disposição do governo de aumentar impostos para cobrir os próprios gastos excessivos.

A primeira-dama, Janja da Silva, que por vezes parece ter assumido também o papel de primeira-ministra, [para o Brasil que tem um presidente visitante (esclarecendo:  visitante do país que finge presidir,  'desenhando'  = Brasil) ter uma primeira-dama como primeira-ministra é algo tão normal, quanto inútil.] saiu-se com esta explicação para a taxação das compras pela internet: “A taxação é para as empresas e não para o consumidor.” [ou sejam considerando que ela não é consumidora no sentido primário da palavra, visto que consome o que compra com o dinheiro dos contribuintes, taxar ou não taxar equivale = NADA = ao seu marido fingir que governa ou viajar.]

Que os comerciantes Ciudad del Este fiquem a postos.

Gabriel de Arruda Castro, colunista - Gazeta do Povo - IDEIAS


terça-feira, 27 de junho de 2023

Mais impostos à vista - Revista Oeste

Carlo Cauti

O principal problema do arcabouço fiscal é simples: a conta não fecha. E isso segundo os próprios cálculos apresentados pelo governo

Presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em entrega do projeto do novo arcabouço fiscal para o Congresso (18/4/2023) | Foto: Marina Ramos/Câmara dos Deputados

“O novo arcabouço fiscal [na prática será um calabouço fiscal] demandará um aumento permanente e bastante alto da carga tributária.” Marcos Lisboa, ex-secretário de Política Econômica e ex-presidente do Insper, não poderia ser mais claro em comentar os efeitos da nova regra das contas públicas que substituirá o atual Teto de Gastos.

O economista discursou no dia 23 de maio durante um almoço com a Frente Parlamentar do Empreendedorismo (FPE). O alerta sobre mais impostos à vista para os cidadãos brasileiros, todavia, não adiantou. Poucas horas depois o texto-base do arcabouço fiscal foi aprovado pelos representantes do povo na Câmara dos Deputados com 372 votos a favor e 180 contra.  
Uma maioria esmagadora. Entre eles, muitos deputados da própria FPE, como Greyce Elias (Avante/MG), Keniston Braga (MDB/PA) e Augusto Coutinho (Republicanos/PE). Até mesmo 30% dos deputados do Partido Liberal (PL), ao qual é filiado o ex-presidente Jair Bolsonaro, votaram a favor do arcabouço. A orientação explícita do partido para votar contra foi sumariamente ignorada.publicidade

Duas opiniões unem quase todos os economistas do Brasil em relação ao arcabouço fiscal. A primeira é a falta de clareza nas complicadas regras que redigirão o orçamento federal. A segunda é justamente o alerta feito por economistas como Lisboa: o risco de aumentar ainda mais o peso dos tributos na vida dos já sobrecarregados cidadãos brasileiros.

O principal problema do arcabouço fiscal é simples
: a conta não fecha. E isso segundo os próprios cálculos apresentados pelo governo.  

Os gastos públicos previstos para os próximos anos são de tal magnitude que apenas um brutal incremento de impostos poderá encontrar os recursos necessários para financiar tamanho esbanjo. “Esse arcabouço está completamente desequilibrado em relação aos gastos e não racionaliza as receitas”, disse à Revista Oeste Raul Velloso, consultor, especialista em contas públicas e presidente do Fórum Nacional Inae. “O foco não está sendo nos gastos. E seria necessário olhar os gastos, entender o que ocorreu com eles no passado e inseri-los em um sistema de controle eficaz.”

O economista explica como o arcabouço fiscal permite um aumento das despesas acima da inflação, entre 0,6% e 2,5%, ao contrário do Teto de Gastos, que previa um aumento no máximo igual à inflação do ano anterior. 

O Senado furou o arcabouço fiscal
A prova disso foi a aprovação do texto no Senado Federal na quarta-feira, 21, no qual os senadores fizeram quatro principais mudanças em relação ao texto aprovado pelos deputados. Foram retirados dos limites fiscais o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb), o Fundo Constitucional do Distrito Federal, e despesas com ciência, tecnologia e inovação.

A mudança não foi negociada com o deputado federal Cláudio Cajado (PP-BA), relator do texto na Câmara, e vai impor o retorno para a votação dos deputados. Além disso, o maior problema dessa mudança é a ausência de critérios sobre o que seriam despesas com ciência, tecnologia e inovação. Em tese, o governo poderá incluir qualquer despesa dentro dessas rubricas, burlando o limite de gastos. Sem contar que essas despesas poderão crescer sem qualquer restrição, levando ao caos na contabilidade federal.

O texto que chegou ao Senado, na verdade, já era muito melhor em relação ao que tinha sido enviado à Câmara pelo governo
Cláudio Cajado incluiu uma série de gatilhos automáticos para conter o esbanjamento de gastos públicos em caso de excesso de despesas. 
Por exemplo, proibindo a criação de novos cargos públicos, realização de concursos, alteração de carreiras, aumento salarial de servidores, concessão de benefícios fiscais, entre outros.
 
A inclusão desses “freios de emergência” no documento animou o mercado. Exatamente por isso, no dia da aprovação do arcabouço, o Ibovespa, principal índice da Bolsa de Valores de São Paulo, fechou em alta de mais de 1%. “O mercado ficou mais tranquilo com esse documento”, explicou Tiago Sbardelotto, economista da XP. “As incertezas sobre a disciplina fiscal diminuíram. Não é uma regra perfeita, mas melhor uma regra que estar sem regras.” Não por acaso, após a aprovação do arcabouço, o Ibovespa acumulou uma série de pregões positivos, registrando uma valorização de mais de 10% no mês de junho.
 
Rombo pela frente
Mas o maior empecilho para fechar as contas públicas se origina nas políticas do PT.  
Um dos cavalos de batalha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre foi o aumento real do salário mínimo, política implementada durante seus primeiros dois mandatos, e que ele quer propor novamente na terceira passagem pelo Palácio do Planalto. 
Só que um aumento real do mínimo provoca uma indexação em cascata, principalmente em gastos da Previdência Social. 
Além disso, outras propostas do governo são o reajuste real do salário dos servidores públicos e a indexação dos custos de saúde e educação à receita corrente.

Uma desenfreada ciranda de despesas públicas que relembra os trágicos mandatos da ex-presidente Dilma Rousseff. Ela pode ter sofrido impeachment, mas sua máxima “gasto público é vida” evidentemente ainda circula vigorosa pelos gabinetes de Brasília. Gerando o mesmo resultado: desequilíbrio fiscal. Para financiar todos esses passivos o governo precisará de, pelo menos, R$ 150 bilhões por ano. O equivalente ao orçamento total do Bolsa Família para 2023.

Para o economista Marcos José Mendes, pesquisador associado do Insper, as novas regras previstas no arcabouço fiscal “são incompatíveis” com essas políticas de aumento maciço de gastos públicos. “Vai ser preciso aumentar a receita em um valor maior do que a União recebe hoje de imposto de renda líquido. Isso não se faz só acabando com subsídios tributários, “jabutis” e lacunas da legislação fiscal. Isso exigirá um aumento muito forte de carga tributária, que é bastante prejudicial ao crescimento econômico”, disse ele.

A gastança já começou

A gastança, na verdade, já começou antes mesmo da aprovação do arcabouço. Um dia antes da votação do texto, os Ministérios do Planejamento e da Fazenda pioraram a previsão de déficit primário para 2023, passando de R$ 107,6 bilhões para R$ 136,2 bilhões, o equivalente a 1,3% do PIB. Contando os juros da dívida pública, o orçamento deste ano vai fechar com um déficit de R$ 228,1 bilhões. Um valor superior ao rombo registrado em 2016, último ano do governo de Dilma, quando o vermelho foi de R$ 155,7 bilhões.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, prometeu diminuir essa voragem de dinheiro público com medidas que definiu como “recomposição de receitas”. Em bom português, aumento de impostos. Os membros do Executivo insistem no malabarismo intelectual de que seria possível “aumentar a arrecadação sem aumentar a carga tributária”. Isso, dizem, seria possível graças a um aumento simultâneo do PIB, que diluiria o efeito da maior retirada de recursos da população por parte do Leão. Para eles seria possível aumentar a receita sem criar novos impostos ou pesar em alíquotas de impostos já existentes. Basicamente, o PT diz ter descoberto a fórmula do moto-contínuo nas finanças públicas.

Obviamente, isso não vai ocorrer. Mas a bulimia fiscal do governo persiste
. Por isso, Haddad já está preparando um revogaço de benefícios fiscais concedidos no passado, principalmente, para empresas. Por sinal, concedidos em grande parte durante governos do próprio PT, como forma de alavancar o PIB. Só que eles entregaram a pior crise econômica da história do Brasil.

Com o revogaço dos benefícios fiscais, a Fazenda estima uma receita extra de R$ 300 bilhões. Para a maioria dos analistas, se chegar no máximo à metade desse valor, poderá ser considerado um sucesso. Nesse bolão estão, por exemplo, o Simples Nacional e a Zona Franca de Manaus. Vacas sagradas intocáveis até pelo governo Lula
Sem contar que muitas empresas só aceitaram se instalar no Brasil por causa desses incentivos, os quais compensam, em parte, a baixa competitividade do sistema Brasil. Sem esses descontos nos impostos, essas empresas simplesmente fechariam as portas. Com aumento consequente do desemprego e redução ulterior da receita tributária.

“Sem esses recursos, a conta não vai fechar”, afirma Tiago Sbardelotto. “Há um grande caminho pela frente. Tanto que o governo já anunciou que imediatamente na sequência da aprovação do arcabouço vai propor novas medidas de arrecadação tributária. O secretário da Receita foi muito firme em dizer que há um plano A, B, C e D para aumentar a arrecadação. No final teremos um aumento de carga tributária.”

Caça à receita e “estratégia do salame”
Durante uma entrevista concedida em abril, o próprio Haddad admitiu que precisa de R$ 110 milhões a R$ 150 bilhões de incremento permanente de receita para viabilizar o arcabouço. Se não conseguir arrecadar esse valor, a nova regra fiscal não vai parar de pé. Por isso, logo que o Executivo tomou posse, começou em Brasília uma verdadeira “caça à receita”, com a invenção de novas modalidades de prelevo de recursos do bolso dos brasileiros.

O governo está sendo forçado a recorrer à “estratégia do salame”. Cada dia um imposto novo. Porém pequeno. Pouco visível. Que afete somente partes da sociedade, sem que seja percebido por toda a população

“Com um arcabouço com esse, a ênfase se torna a arrecadação. Só que desse jeito o país perde ulteriormente a competitividade. Já somos o país emergente com a maior carga tributária do mundo. É difícil até imaginar o que o governo tem em mente. E o brasileiro não aguenta mais impostos”,
explica Velloso.

Uma das soluções mais rápidas seria cobrar imposto de renda sobre lucros e dividendos, atualmente isentos. Sozinha, essa medida garantiria uma arrecadação de pelo menos R$ 54 bilhões de reais. Mas provocaria furor e indignação na Faria Lima, onde há muitos figurões do mercado financeiro que votaram em Lula em 2022. Em um momento de fuga das pessoas físicas da Bolsa de Valores, a criação de um ônus dessa proporção seria a pá de cal na compra de ações por parte delas. Sem esse fluxo comprador, muitas corretoras e casas de análise não teriam mais razão de existir.

Por isso, o governo está sendo forçado a recorrer à “estratégia do salame”. Cada dia um imposto novo. Porém pequeno. Pouco visível. Que afete somente partes da sociedade, sem que seja percebido por toda a população. Entre outras, é o caso da taxação das apostas eletrônicas, que tinha como objetivo inicial arrecadar entre R$ 12 bilhões e R$ 15 bilhões por ano. Ou a taxação das compras on-line de produtos do exterior, as famosas “blusinhas da Shein”, que mira obter de R$ 7 bilhões a R$ 8 bilhões. Ou, ainda, a criação de um novo imposto sobre a exportação de petróleo bruto, que deveria garantir aos cofres públicos cerca de R$ 6,6 bilhões.

Nenhuma dessas soluções é definitiva. São apenas paliativos, que mostram o quanto o governo está desesperado em busca de dinheiro.

Mas o problema maior é que nenhuma dessas soluções conseguiu se concretizar. No caso da Shein, sendo acusada por Haddad de “contrabando”, o governo deu marcha à ré por ordem explícita de Janja, que percebeu a avalanche de críticas nas redes sociais. A desaprovação veio principalmente do eleitorado tradicional do PT, as classes menos abastadas, que mais se beneficiam com o baixo preço das roupas compradas pela plataforma chinesa. Resultado: arrecadação zero.

No caso da taxação das apostas eletrônicas, a cobrança é quase impossível, já que a maioria dessas empresas estão sediadas fora do Brasil, em paraísos fiscais como Aruba ou em países onde existem tratados de não bitributação. Resultado: dos R$ 15 bilhões previstos inicialmente, o governo espera obter no máximo R$ 2 bilhões.

No caso do imposto sobre a exportação de petróleo,
criado por meio de uma brecha legal que permite não passar pelo Congresso Nacional, a frustração foi retumbante. Resultado: o governo arrecadou nos primeiros 60 dias somente R$ 21 milhões. Apenas 0,3% do esperado. E a vigência do imposto terminará, em tese, após 120 dias.

Tudo isso sem passar sequer pela aprovação do Congresso Nacional, onde a ausência de uma base aliada transformaria a aprovação de novos impostos em um verdadeiro Vietnã político.

Para evitar esse pântano, o governo chegou a renunciar a algumas medidas arrecadatórias.  
Por exemplo, a Medida Provisória nº 1.160/2023, editada imediatamente após a posse de Lula, em janeiro, mudando as regras do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o órgão que decide sobre as disputas envolvendo impostos e tributos. Com a nova MP, os conselheiros voltariam a ter os chamados “votos de qualidade”, eliminados no governo Bolsonaro. Ou seja, se o consumidor contestasse algum imposto na frente do Carf, o governo teria sempre a maioria dos votos, ganhando sistematicamente todos os processos e obtendo assim mais recursos. Em junho a MP caducou, e o Ministério da Fazenda não ousou propor a conversão em lei no Congresso Nacional. Mesmo significando a perda de bilhões de reais.

Pedido de socorro ao STF
Ao governo não sobrou outra alternativa senão recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Que, claro, prontamente o socorreu por meio de uma série de decisões que geraram rapidamente novas, e vultuosas, receitas. Mesmo que isso tenha significado atropelar princípios de civilização jurídica, como o conceito de “coisa julgada’.

Foi o caso dos Temas 881 e 885, em que os ministros concluíram, por unanimidade, que decisões judiciais tomadas de forma definitiva a favor dos contribuintes devem ser anuladas se, em seguida, o STF tiver entendimento diferente sobre o tema. 
Mesmo se o próprio STF já tiver julgado o caso. Com essa decisão, retroativa até 2007 — ainda que cobranças de tributos caduquem após cinco anos —, a União obteve o direito de receber bilhões de reais de empresas brasileiras. 
Uma avalanche de dinheiro que sequer o próprio governo soube quantificar. A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) informou que “não há como calcular, a priori, o impacto econômico do julgamento”. Nada adiantou a indignação do mundo empresarial e de advogados de todo o Brasil, que alertaram sobre o risco de uma enorme insegurança jurídica. “Quem não pagou fez uma aposta”, respondeu o ministro Barroso. O mesmo autor do eterno “perdeu, mané, não amola”. 
 
Mas a verdadeira bomba nuclear fiscal foi a decisão do STF que enquadrou os bancos na cobrança de PIS e Cofins sobre receitas financeiras. 
Também nesse caso, foi incluído um retroativo entre 2000 e 2014. Somente essa decisão deveria gerar uma receita extraordinária de R$ 115 bilhões. Curiosamente, exatamente o valor necessário para o governo conseguir fechar as contas públicas. É obvio que o recurso ao STF, além de um claro perfil de ilegitimidade jurídica, é um expediente momentâneo, que não garante a estabilidade das contas públicas. 
Com esse arcabouço fiscal o Brasil vai conviver com déficits maiores, que levarão a maiores necessidades de receitas, ou seja, mais impostos. 
Reduzindo o crescimento futuro do Brasil e deixando o país menos competitivo. 
Sem contar a perene tentação que o governo terá de financiar esses gastos com a impressão de mais dinheiro. [= aumento da inflação]
A independência do Banco Central do Brasil (BCB) impede essa deriva. Por enquanto. Não por acaso, ele se tornou o alvo favorito dos ataques petistas. Mas isso seria o passo definitivo em direção a uma argentinização da economia brasileira. Ou, pior, uma venezuelização.

 
Leia também “Nuvens carregadas no horizonte econômico”

Carlo Cauti, colunista - Revista Oeste

 

sábado, 15 de abril de 2023

O imposto sobre sites asiáticos vai para as classes médias - Carlos Alberto Sardenberg

Taxação de e-commerce internacional, como Shein, Shopee e AliExpress, aumentará preços Fábio Rossi
 
É difícil fiscalizar e, pois, taxar o comércio eletrônico, tanto nacional quanto internacional. 
 No Brasil, são centenas de milhares de pequenas compras por dia. 
Só pelo volume, dá para imaginar o tamanho e a sofisticação do sistema de computadores necessário para examinar e cobrar tudo isso. 
Mais ainda: uma fiscalização minuciosa atravanca e atrasa o negócio, que pode deixar de ser interessante para os consumidores. Se isso acontecer, a arrecadação, claro, desaparece.

Tem ainda a logística. Imaginem uma empresa sediada noutro país, fabricando num terceiro e vendendo aqui, tudo on-line. Onde cobrar? De novo, é uma questão que preocupa governos mundo afora. Poderiam fechar acordos internacionais. Mas, pelo que se sabe, Lula não tratou disso na China.

Há também uma questão social. Amplas parcelas das classes médias estão acostumadas a pagar barato nesses sites, especialmente nos de origem asiática.

O ministro Fernando Haddad não conhecia a Shein, mas deveria. Trata-se de uma companhia chinesa, gigante da moda mundial, que vende barato, muito barato.  
Só no Brasil, deve ter faturado algo como R$ 7 bilhões no ano passado, segundo estimativas de consultorias. 
É bem mais do que vendem varejistas nacionais. Por que a Shein consegue vender tão barato? 
Eficiência na produção e na distribuição, maior produtividade, mão de obra mais barata do que nos principais mercados ocidentais, escala maior. E, no caso do Brasil ao menos, pelo não pagamento de impostos. 
 
O governo Lula precisa de um forte ganho de arrecadação. [para gastar mais? roubar mais?] 
Mas fez a promessa de não criar impostos novos, nem aumentar as alíquotas dos já existentes. Como fazer o milagre? Procurando operações que não pagam. Bingo! O comércio eletrônico, a líder Shein. 
 
Pela regra ainda vigente, vendas de até US$ 50, entre pessoas físicas, são isentas. Na prática, todas as vendas até aquele valor acabam isentas. Empresas vendedoras e consumidores já aprenderam a fracionar as compras, de modo a ficar no limite de isenção.  
Na venda de empresa (pessoa jurídica) para física, o imposto — de pelo menos 60% incide. Mas é fácil driblar isso.

Logo, existem aí uma sonegação e uma concorrência injusta com as varejistas nacionais. Um modo de resolver, claro, seria eliminar o imposto nas vendas locais — mas o governo não quer perder essa arrecadação. Como é praticamente impossível checar a origem real de milhares de encomendas diárias, só restou uma saída. Cancelar a isenção até US$ 50. Assim, não precisa checar nada: todas as encomendas vindas de fora pagam ao menos 60% sobre o preço do produto mais o frete.

Tudo legal.

O problema é social e político. Pesquisas mostram que as classes médias, especialmente aquelas de renda mais baixa, são as grandes compradoras nos sites chineses.  
Esse pessoal pagará mais caro, bem mais. 
 Dependendo do estado, os impostos podem mais do que dobrar o preço. E isso, claro, restringe a capacidade de consumo daquelas famílias. Se Lula tem muito voto nessas classes, dá para entender por que o governo ficou tão desorientado e cometeu tantos erros nesse assunto. Estava claramente despreparado. Por um motivo constrangedor: elites não conheciam esse mercado popular. 
 
O prêmio de elitismo cabe ao ministro Haddad. Quando disse que não conhecia a Shein o que já era constrangedor —, acrescentou que, de sites, só sabia da Amazon, onde compra “pelo menos um livro por dia”. O ministro é um intelectual — sabemos. Mas, caramba, por que não compra nas livrarias brasileiras? Elas também fazem vendas on-line. Dirão: estão pegando no pé do ministro. Mas imaginem se Paulo Guedes tivesse dito isso. 
 
Tudo considerado, o governo armou várias armadilhas para si mesmo. Criará um imposto ao eliminar a isenção —, e a taxação recairá sobre as classes médias baixas
Isso mostra mais uma vez que o Brasil é caro, especialmente para os mais pobres. E vai ficar um tanto mais caro. Governar para os pobres deve ser diferente, não é mesmo?

Carlos Alberto Sardenberg, jornalista 

 

Opinião - Coluna em O Globo