Quem roubar dinheiro público, quem sonegar ou ganhar ilegalmente, vai acabar apanhado. Quem tocar sua vida financeira corretamente não tem nada a temer.
Coluna publicada em O Globo - Economia
Já houve
tempo em que o sigilo bancário era sagrado – incluído no rol das
liberdades individuais e direitos fundamentais dos cidadãos. Era amplo
também. Incluía o segredo da vida financeira das pessoas. E já houve
tempo em que era possível ter conta numerada em banco, quase anônima.
Sem contar os cofres com dinheiro, ouro, pedras, a que ninguém poderia
ter acesso, muito menos as autoridades. Isso tudo acabou. Continuamos prezando as liberdades e direitos da
pessoa humana, mas não cabem mais aí as normas que permitem – falando
francamente – esconder dinheiro e riqueza. [com o devido respeito ao ilustre articulista lembramos que nada autoriza/justifica que as posses da pessoas humanas sejam divulgadas aos quatro ventos;
- qual o interesse de um jornal - e beneficio para a sociedade - divulgar tudo que um grande empresário possui, o que deve e o que tem a receber?
- qual o interesse de ser divulgado por toda a imprensa, ou parte dela, que fulano de tal movimentou tantos milhões no mês tal? que pagou à fulana tantos mil reais?
- qual o interesse para a sociedade ou para qualquer cidadão tomar conhecimento que o presidente da Câmara dos Deputados ou o presidente do STF possuem em suas contas correntes tantos milhões, em poupança outros milhões e em aplicações diversas outros milhões? (atenção não sabemos, não estamos dizendo ou insinuando que as autoridades citadas possuem dinheiro guardados e/ou aplicados em bancos - é um mero exemplo) . Absolutamente nenhum interesse. Nada vezes nada.
Quem deve ter acesso amplo, geral e irrestrito a movimentação bancária dos cidadãos é o órgão competente - Coaf - e aos bens, rendas e outros ativos, a Receita Federal.
E, no momento, em que for constatada qualquer movimentação, atípica, qualquer incompatibilidade que possa indicar fraude, devem comunicar à Receita Federal, ao Fisco, para investigações mais profundas, sendo que dentro do sigilo bancário e fiscal; se as investigações demonstrarem algum fundamento nas suspeitas, deve ser solicitado ao Poder Judiciário autorização para que os dados sejam repassados a outros órgãos, incluindo Policia Federal, sendo que todos os que tiverem acesso a qualquer informações DEVEM MANTER SOB SIGILO.
Acabou. Quem deve investigar são as autoridades fazendárias, fiscais, policiais, sem vazamentos - qualquer quebra de sigilo deve ser investigada, identificado os culpados e punidos na esfera administrativa, civil e penal, começando com a demissão sumária.]
No Brasil, a primeira tributação sobre a renda é de 1843, mas se aplicava apenas aos rendimentos recebidos de cofres públicos. O Imposto de Renda é de 1922 e a regulamentação da declaração – bem menos ampla do que hoje – é de 1924. Mas foi apenas em 1964 que se criou o Cadastro Geral de Contribuintes (o atual CNPJ). O CPF surgiu dois anos depois. [criação do Governo Militar e que hoje é o único identificador que permite se saber quem é verdadeiramente o seu 'dono'.
Digita-se o CPF ou CNPJ e em segundos se tem o nome do 'dono' daquele Cadastro - infelizmente não é possível saber, em um cadastro simples, via internet, se é realmente o titular do número que está na outra ponta - mas, é uma base segura e que cotejada com outras informações permite se saber muita coisa sobre o interlocutor é quem diz ser.].
Até bem pouco tempo, portanto, era fácil sonegar impostos. E comum. Todos se lembram das perguntas: vai ser com nota? Com recibo? Por dentro? Qual valor se coloca na escritura? Essa moleza acabou por diversas razões, a começar pela necessidade de financiar um Estado com cada vez mais responsabilidades e, pois, mais gastos. E, mais recentemente, para combater a corrupção, o tráfico de drogas, o terrorismo e a lavagem de dinheiro – os sofisticados métodos de esconder recursos obtidos ilegalmente. O instrumento também é recente: os meios eletrônicos que permitem o acompanhamento e o rastreamento instantâneo das operações financeiras.
No Brasil, é tudo ainda mais recente. Desde o mensalão apanha-se alguma coisa aqui outra ali, mas o combate sistemático à lavagem de dinheiro é obra da Lava Jato. A operação tem apenas cinco anos. E nada menos que 285 condenações, penas de 3.100 anos de prisão e R$ 13 bilhões recuperados somente em acordos de colaboração. Tudo isso só foi possível com a atuação organizada de diversos órgãos, a começar pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras, Coaf, criado em moldes internacionais. O Coaf detecta as tais movimentações “atípicas” – e só pode fazer isso rastreando as operações financeiras das pessoas.
Detectada a operação, a investigação exige o trabalho conjunto e orquestrado de Polícia Federal, Receita Federal e Banco Central, este podendo capturar informações no sistema bancário. O comando é do Ministério Público, que apresenta a denúncia na Justiça, quando for o caso, claro. Nenhuma operação da Lava Jato foi feita sem o consentimento da Justiça. Ninguém foi condenado sem o amplo direito de defesa. Tudo considerado, o ambiente hoje, no Brasil e no mundo civilizado, é assim. Ou tem que ser assim: quem roubar dinheiro público, quem sonegar ou ganhar ilegalmente, vai acabar apanhado. Quem tocar sua vida financeira corretamente não tem nada a temer.
Claro que autoridades inescrupulosas podem tentar abusar de sua autoridade para perseguir pessoas. E há como apanhar isso. É o outro lado da moeda que mais conhecemos: autoridades igualmente inescrupulosas protegendo e, pior, participando de negócios ilícitos. O rigor no acompanhamento das atividades financeiras é para este último lado. E, francamente, as pessoas de bem não estão nem aí para o sigilo. Contam tudo para seu banco, para sua operadora de cartão de crédito, para a Receita Federal. Até postam nas redes.
Mas não esqueçamos: a Lava Jato apanhou o maior escândalo corporativo do mundo. Está sendo atacada não por seus excessos, mas pelo seu sucesso.
Tá doido?
O senador Marcelo Castro (MDB-PI) fez a frase do ano: código penal é para bandido, não para político.
Disse isso para explicar porque é contra a criminalização do caixa dois.
Ir para a cadeia por causa disso? “Tá doido?” – exclamou.
Ironia
O presidente Bolsonaro se elegeu na onda anticorrupção. Consolidou isso levando Moro para o Ministério da Justiça. É uma ironia que a decisão de Dias Toffoli, suspendendo investigações de lavagem de dinheiro, tenha sido tomada em benefício de Flavio Bolsonaro. Mais que uma ironia.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - Coluna publicada em O Globo - Economia 18 de julho de 2019
- qual o interesse de um jornal - e beneficio para a sociedade - divulgar tudo que um grande empresário possui, o que deve e o que tem a receber?
- qual o interesse de ser divulgado por toda a imprensa, ou parte dela, que fulano de tal movimentou tantos milhões no mês tal? que pagou à fulana tantos mil reais?
- qual o interesse para a sociedade ou para qualquer cidadão tomar conhecimento que o presidente da Câmara dos Deputados ou o presidente do STF possuem em suas contas correntes tantos milhões, em poupança outros milhões e em aplicações diversas outros milhões? (atenção não sabemos, não estamos dizendo ou insinuando que as autoridades citadas possuem dinheiro guardados e/ou aplicados em bancos - é um mero exemplo) . Absolutamente nenhum interesse. Nada vezes nada.
Quem deve ter acesso amplo, geral e irrestrito a movimentação bancária dos cidadãos é o órgão competente - Coaf - e aos bens, rendas e outros ativos, a Receita Federal.
E, no momento, em que for constatada qualquer movimentação, atípica, qualquer incompatibilidade que possa indicar fraude, devem comunicar à Receita Federal, ao Fisco, para investigações mais profundas, sendo que dentro do sigilo bancário e fiscal; se as investigações demonstrarem algum fundamento nas suspeitas, deve ser solicitado ao Poder Judiciário autorização para que os dados sejam repassados a outros órgãos, incluindo Policia Federal, sendo que todos os que tiverem acesso a qualquer informações DEVEM MANTER SOB SIGILO.
Acabou. Quem deve investigar são as autoridades fazendárias, fiscais, policiais, sem vazamentos - qualquer quebra de sigilo deve ser investigada, identificado os culpados e punidos na esfera administrativa, civil e penal, começando com a demissão sumária.]
No Brasil, a primeira tributação sobre a renda é de 1843, mas se aplicava apenas aos rendimentos recebidos de cofres públicos. O Imposto de Renda é de 1922 e a regulamentação da declaração – bem menos ampla do que hoje – é de 1924. Mas foi apenas em 1964 que se criou o Cadastro Geral de Contribuintes (o atual CNPJ). O CPF surgiu dois anos depois. [criação do Governo Militar e que hoje é o único identificador que permite se saber quem é verdadeiramente o seu 'dono'.
Digita-se o CPF ou CNPJ e em segundos se tem o nome do 'dono' daquele Cadastro - infelizmente não é possível saber, em um cadastro simples, via internet, se é realmente o titular do número que está na outra ponta - mas, é uma base segura e que cotejada com outras informações permite se saber muita coisa sobre o interlocutor é quem diz ser.].
Até bem pouco tempo, portanto, era fácil sonegar impostos. E comum. Todos se lembram das perguntas: vai ser com nota? Com recibo? Por dentro? Qual valor se coloca na escritura? Essa moleza acabou por diversas razões, a começar pela necessidade de financiar um Estado com cada vez mais responsabilidades e, pois, mais gastos. E, mais recentemente, para combater a corrupção, o tráfico de drogas, o terrorismo e a lavagem de dinheiro – os sofisticados métodos de esconder recursos obtidos ilegalmente. O instrumento também é recente: os meios eletrônicos que permitem o acompanhamento e o rastreamento instantâneo das operações financeiras.
No Brasil, é tudo ainda mais recente. Desde o mensalão apanha-se alguma coisa aqui outra ali, mas o combate sistemático à lavagem de dinheiro é obra da Lava Jato. A operação tem apenas cinco anos. E nada menos que 285 condenações, penas de 3.100 anos de prisão e R$ 13 bilhões recuperados somente em acordos de colaboração. Tudo isso só foi possível com a atuação organizada de diversos órgãos, a começar pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras, Coaf, criado em moldes internacionais. O Coaf detecta as tais movimentações “atípicas” – e só pode fazer isso rastreando as operações financeiras das pessoas.
Detectada a operação, a investigação exige o trabalho conjunto e orquestrado de Polícia Federal, Receita Federal e Banco Central, este podendo capturar informações no sistema bancário. O comando é do Ministério Público, que apresenta a denúncia na Justiça, quando for o caso, claro. Nenhuma operação da Lava Jato foi feita sem o consentimento da Justiça. Ninguém foi condenado sem o amplo direito de defesa. Tudo considerado, o ambiente hoje, no Brasil e no mundo civilizado, é assim. Ou tem que ser assim: quem roubar dinheiro público, quem sonegar ou ganhar ilegalmente, vai acabar apanhado. Quem tocar sua vida financeira corretamente não tem nada a temer.
Claro que autoridades inescrupulosas podem tentar abusar de sua autoridade para perseguir pessoas. E há como apanhar isso. É o outro lado da moeda que mais conhecemos: autoridades igualmente inescrupulosas protegendo e, pior, participando de negócios ilícitos. O rigor no acompanhamento das atividades financeiras é para este último lado. E, francamente, as pessoas de bem não estão nem aí para o sigilo. Contam tudo para seu banco, para sua operadora de cartão de crédito, para a Receita Federal. Até postam nas redes.
Mas não esqueçamos: a Lava Jato apanhou o maior escândalo corporativo do mundo. Está sendo atacada não por seus excessos, mas pelo seu sucesso.
Tá doido?
O senador Marcelo Castro (MDB-PI) fez a frase do ano: código penal é para bandido, não para político.
Disse isso para explicar porque é contra a criminalização do caixa dois.
Ir para a cadeia por causa disso? “Tá doido?” – exclamou.
Ironia
O presidente Bolsonaro se elegeu na onda anticorrupção. Consolidou isso levando Moro para o Ministério da Justiça. É uma ironia que a decisão de Dias Toffoli, suspendendo investigações de lavagem de dinheiro, tenha sido tomada em benefício de Flavio Bolsonaro. Mais que uma ironia.
Carlos Alberto Sardenberg, jornalista - Coluna publicada em O Globo - Economia 18 de julho de 2019