Ministros recebem ameaças de morte, são alvo de ataques, reforçam a segurança e alguns já consideram até a hipótese de abandonar a magistratura
Os parlamentares também pediram o impeachment de outros três ministros pelo mesmo motivo: Edson Fachin, Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. O decano protestou na mensagem: “É crime de hermenêutica”. A VEJA, um de seus colegas, que pediu para não ser identificado, também externou preocupação: “Pedido de impeachment por crime de opinião? Isso é coisa da ditadura”. [comentário 1: a Lei nº 1079/50, que regula o processo de impeachment, torna legal que se alguém entender que a conduta de determinada autoridade configura crime de responsabilidade, peça na forme e instância competente o impeachment da autoridade;
O caso revela a amplitude do cerco ao Supremo, que começou com episódios de ministros hostilizados nas ruas e nas redes sociais, e agora chega abertamente ao Congresso. Diante de tais incidentes, a discreta ministra Cármen Lúcia só anda acompanhada de um segurança e decidiu viajar em avião comercial apenas em horários pouco concorridos. O ministro Ricardo Lewandowski evita aparições públicas. O ministro Marco Aurélio Mello foi aconselhado por familiares a tomar cuidado, “porque o STF é a bola da vez”. Já o tribunal ampliou seu aparato de segurança, com a compra de spray de pimenta, armas de choque e carros blindados.
“Essas acusações acabam incentivando pessoas perturbadas a dar facada, tiro. Não se pode permitir num país democrático como o Brasil, em que instituições funcionam há trinta anos, que, porque não se gosta de uma decisão, você prega o fechamento da instituição republicana, a morte de ministros, de familiares”, declarou Moraes. No Congresso os ministros do STF também estão acossados — e não apenas por meio dos pedidos de impeachment. A deputada Bia Kicis (PSL-DF) está recolhendo assinaturas para propor a revogação da PEC da Bengala, com o objetivo casuístico de abrir quatro vagas que seriam preenchidas pelo presidente Bolsonaro.
O cerco ao Supremo já contou com o apoio do presidente Bolsonaro. Durante a campanha, ele defendeu o aumento do número de ministros do Supremo de onze para 21, como fez Hugo Chávez na Venezuela, a fim de colocar “dez isentos” na Corte. Isentos, no caso, seriam ministros que jamais votariam a favor da criminalização da homofobia, como fez o decano Celso de Mello, por exemplo. Já o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), em tom entre jocoso e desafiador, declarou que bastariam um cabo e um soldado para fechar o STF. No governo, o presidente e o filho, ao que parece, assumiram posições mais moderadas, ao menos publicamente. Bolsonaro tem evitado entrar em rota de colisão com o STF — em um aceno, já afirmou, inclusive, que pretende consultar Dias Toffoli antes de tomar determinadas decisões. Eduardo também moderou o tom — o que não significa que os questionamentos cessaram. No dia 15, ele divulgou vídeo em que ressalta a insatisfação da sociedade com a decisão do STF de que a Justiça Eleitoral deve julgar crimes de corrupção e lavagem.
Integrantes do Judiciário podem ser investigados, condenados, impedidos e até presos. Tudo isso é do jogo. O que não é do jogo é lançar mão de propostas e investigações legislativas para degradar a Justiça e seus integrantes com o objetivo de manietá-los e subordiná-los a interesses políticos. No cerco ao STF, há jogadores de dois tipos: aqueles que se movem por razões republicanas e aqueles que agem por motivos espúrios. Nesse segundo grupo, destacam-se autoridades que não aceitam decisões do Supremo, mesmo que tecnicamente fundamentadas, quando são contrárias a suas bandeiras de campanha, suas convicções religiosas, sua visão de mundo.
Com reportagem de Marcela Mattos
Publicado em VEJA de 27 de março de 2019, edição nº 2627
2627 - 27/03/2019
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