O STF segue fazendo o que pode para ser um lugar ‘horrível, mistura do atraso com a maldade, com pitadas de psicopatia’, que nos ‘envergonha e desonra a todos’
O Supremo
não falha. Passou a tarde inteira decidindo se ia decidir, decidiu deixar a
decisão para depois, mas decidiu deixar Lula livre até lá. Parece o baiano da
anedota, que diz que não há dia melhor do que hoje para deixar para amanhã o
que não se vai fazer nunca. Por que
adiou? Porque já estava tarde, e ministro do Supremo não pode trabalhar de
noite, vira uma espécie de abóbora togada. Ficou
para o dia seguinte? Não, Marco Aurélio tinha que viajar. Mas sexta é dia de
expediente no STF, o ministro tinha que ir para onde, fazer o quê? Para o Rio,
assumir a presidência do conselho consultivo da Academia Brasileira de Direito
do Trabalho, compromisso tão relevante e inarredável que, ao ser anunciado,
provocou frouxos de riso nos demais ministros. Será que paga bem, a ABDT?
Mais
tarde, Marco Aurélio se queixaria de estar sendo “crucificado como culpado pelo
adiamento do julgamento do habeas corpus do presidente Lula, porque sou um
cumpridor de compromisso”. Excelência, o senhor foi crucificado por descumprir
seu compromisso com a nação, que lhe dá um cargo vitalício com remuneração igual
à do presidente da República, sem contar os penduricalhos. (A noção de
compromisso e de espírito público de Marco Aurélio lembra a de alguns de nossos
senadores, que, em vez de votar o destino de Aécio, foram passear nas rússias e
nas arábias.)
A votação
deveria ficar para hoje, mas não: como o feriado no STF começa na quarta (!),
está na cara que não haverá ninguém lá nem hoje nem amanhã. É a suprema semana
santa: vai da véspera do domingo de Ramos ao domingo de Páscoa. Um trabalhador
normal seria descontado em nove dias, mas os ministros, que tanto se esfalfam,
e têm apenas 94 dias de folga este ano, coitados, merecem um refresco. (Com um
exemplo desses, não admira que os juízes federais façam greve para nos obrigar
a lhes pagar o aluguel.)
Então ficou
para segunda que vem? De novo, não. Só na quarta. O que os ministros têm para
fazer na segunda e na terça? Vão estar se recuperando da esbórnia do
superferiadão? Muito
bem. Diz que no dia 4, afinal, vão votar. Mas só dez deles, porque Gilmar deve
estar em Portugal. Vai cuidar do 6º Fórum Jurídico de Lisboa, promovido pelo
IDP, aquele instituto que criou já ministro, que recebe milhões de reais de
empresas privadas e gera constrangimento para todo mundo menos para seu dono. A
tertúlia de Gilmar vai de terça a quinta da semana que vem, o que significa
que, além desta semana, o ministro ia enforcar a próxima. Um dia de feriado, 16
dias corridos de ausência. Como é doce ser ministro.
Gilmar
está pensando se interrompe seu colóquio para vir ajudar Lula. Em teoria, sua
ausência é irrelevante: se Rosa votar contra o ex-presidente, nada o salvará;
se votar a favor, Gilmar não é necessário, pois o empate beneficia o réu.
Mas... vai que algum ministro viaja para dar uma palestra? Melhor não arriscar,
Excelência. Isso,
claro, se houver mesmo votação, porque já estão dizendo que é capaz de alguém
pedir vistas, e jogar a decisão para as calendas gregas. O Supremo
segue fazendo o que pode para ser um lugar “horrível, mistura do atraso com a
maldade, com pitadas de psicopatia”, que nos “envergonha e desonra a todos”.
Ricardo Rangel - O Globo