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sexta-feira, 29 de outubro de 2021

Pequenos ditadores - Revista Oeste

Por qual motivo a mídia chamaria de negacionistas homens que se dedicaram a vida toda à ciência?
 
Completando quase dois anos desse inferno pandêmico, podemos analisar certos aspectos das atuações políticas, científicas e sociais dos governantes e demais líderes. No entanto, neste ensaio, vou me atentar ceticamente à atuação da ciência ou daquele espírito político que se apossou dela. Já vou prepará-los: sou um cético por natureza, e tal inflexão da minha alma e mente costuma me causar inúmeros problemas sociais. O principal deles é a tendência a não acreditar previamente em anedotas midiáticas, imposições científicas e estatais. De antemão, já quero informar que tomei a vacina contra o coronavírus, pois ser cético não é o mesmo que ser “antivacina” — pasme, Folha de S. Paulo.

Nos dias de hoje, sempre que falamos em “ciência” se subentende que o passo seguinte a essa conclamação é dizer um “amém silencioso”. Questionar a ciência, diriam os doutos defensores do cientificismo engajado, é papo de negacionista. No entanto, o que farei hoje não é exatamente questionar a ciência em si, pois sou daquela turba marginalizada que gosta dela sem adorá-la. Vou discutir, no entanto, o ente espiritual que possuiu o discurso científico na era covid e fez com que a ciência se tornasse a palavra mais distorcida dos últimos tempos.

Em maio deste ano, vários cientistas renomados daquela leva raiz de cientistas quebraram o silêncio e pressionaram publicamente a OMS acerca de uma real investigação na China sobre a origem da covid-19. Estamos falando de uma doença que supostamente surgiu num mercado de frutos do mar, numa cidade chinesa — Wuhan — que também ostenta um centro de manipulação biológica de vírus Instituto de Virologia de Wuhan. Nesse centro, por uma estrondosa aleatoriedade do universo, muito possivelmente também se manipulava o coronavírus. Mas, o que se jurava, sob o silêncio gutural dos jornalistas, é que o vírus tinha provavelmente advindo de morcegos.

No século em que começamos a manipular o genoma humano, e que a manipulação químico-biológica está de vento em popa, nenhum laboratório do planeta conseguiu dar sequer uma dica da origem real do vírus que matou quase 5 milhões de pessoas ao redor do mundo. A mídia mostra aqui e acolá uma teoria e outra; mas, de forma oficial, o que se escuta mesmo é esse eterno silêncio complacente. Por que a China quis silenciar acadêmicos que estudavam a origem do vírus, como noticiou a CNN americana? Por que ninguém se levantou aos berros contra esse ataque à ciência?

Recentemente, uma médica chinesa corajosamente foi a público no programa britânico Loose Woman e disse que a origem do vírus é, sim, laboratorial, que o governo chinês encobriu isso e que estudos que comprovavam esse fato também foram abafados. OK. Isso é ela quem diz, e pode ser que ela seja apenas mais uma “ativista ingrata” fugida do “Éden vermelho”. Mas a pergunta, nesse caso, não é exatamente se ela está certa ou errada, mas por que o tema se tornou um tabu para o mainstream autodenominado progressista? Por que a China não permitiu que especialistas da OMS investigassem a origem do vírus?

Fica claro que o poder se sobrepôs à ciência, e nenhum “progressista” defensor aguerrido dela apareceu para escudá-la. Parece haver uma força, um éter de emudecimento e complacência que habita simultaneamente todas as redações e escritórios políticos mundiais. A ciência, aqui, foi calada e jogada no canto, mas ninguém protestou. Aqueles que gritavam por um respeito à ciência, e se afogavam em virtudes científicas, sorrateiramente passaram a se esconder quando o papo era a possível origem laboratorial do vírus. Por quê?

A resposta não é lá muito difícil de conceber. Por qual motivo a mídia chamaria de negacionistas homens que se dedicaram a vida toda à ciência e, por posições científicas divergentes, não concordavam com as diretrizes gerais? Não são um ou dois médicos, é um batalhão deles que, por exemplo, acredita que um tratamento precoce é eficaz contra a infecção. Médicos que trataram diretamente milhares de infectados durante toda a pandemia não devem ser previamente calados por uma decisão unilateral de burocratas, ou tachados como negacionistas por jornalistas engajados. A liberdade médica foi revogada.

A possibilidade de escolha de alguém em querer ou não deixar que injetem uma substância em seu organismo também se tornou uma espécie de heresia grotesca, passível de punições sociais que beiram o apartheid. O caboclo que ergue a mão e diz que, por ora, não irá se vacinar se torna, no mesmo instante, uma espécie de adorador do satã anticientífico.

É preciso entender o cerne dessa mentalidade para melhor criticá-la. O iluminismo moderno, que abriu as portas para a ciência experimental se desenvolver e construir os benefícios dos quais hoje gozamos, é o mesmo que cravou na alma ocidental a consciência inalienável da liberdade individual, de crença e de ação. 
Sem tais liberdades asseguradas, a própria ciência objetiva fica manca e passa a ser mais uma religião política na mão dos que governam com o poder. Como diz o escritor britânico John Gray em seu livro A Busca pela Imortalidade: “A ciência foi lançada contra a ciência e tornou-se um canal para a magia”.

Pobreza, desalento, infelicidade, deficiências, tudo isso estava com os dias contados

Tais impressões são completamente previsíveis a partir de um olhar mais atento e criterioso. A ciência veio para ser, em muitas mentes, a substituta da religião. Como dizia o filósofo francês Raymond Aron em O Ópio dos Intelectuais: “Toda libertação, entretanto, traz em si o perigo de uma nova forma de sujeição”. Quando a religião começa a cair em descrédito no pós-renascentismo, uma certeza com igual tamanho deve tomar o seu trono vazio.

Foi assim que, aos poucos, muitos começaram a acreditar piamente que a ciência era a resposta para as mazelas humanas, que a injustiça social, os grandes pandemônios humanos — e por que não a morte — seriam problemas que logo mais seriam resolvidos pelos homens da ciência. Assim como Thomas Edison descobriu a liga metálica que poderia fazer surgir a luz em cada lar, da mesma forma era questão de tempo para acharmos a ideologia que consertaria nossas desgraças humanas. Pobreza, desalento, infelicidade, deficiências, tudo isso estava com os dias contados; o homem moderno era aquele que tinha dominado a natureza falha, que havia domado as pragas e voava no lombo dos demônios. A razão venceu a limitação, a finitude se tornou possibilidade. Antes era Deus quem escutava as nossas dúvidas, agora é o cientista quem tem a missão de perscrutá-las. E tal como antes a Igreja era inquestionável nas questões de fé e moral, a ciência agora se coloca como incontestável nas questões de saúde. Quem questionava a religião oficial se tornava herege, quem questiona a religião científica se torna negacionista. Diz o historiador francês Paul Hazard, em A Crise da Consciência Europeia: 1680-1715:“Agora a ciência se torna um ídolo, um mito. Já se confunde ciência com felicidade, progresso material com progresso moral. Crê-se que a ciência substituirá a filosofia, a religião e atenderá a todas as exigências do espírito humano”.

Mas há nessa equação uma verdade dura de ser aceita, seja pelos fiéis, seja pelos sacerdotes: tudo que a mente humana toca é suscetível de engano, suas verdades podem estar — e quase sempre estão — contaminadas com seus preconceitos e tendências. E por mais que métodos existam nos laboratórios e nos livros, o último crivo da verdade ainda vai esbarrar na mente de quem irá enunciá-la. Não creio que todas as resoluções científicas sejam tendenciosas e suas conclusões previamente contaminadas. O fato é fato. O sequestro ideológico pela política é algo repetitivo na história humana. Desde quando o burocrata ou o revolucionário descobriu que ele poderia justificar as suas intenções políticas atrás de um outdoor científico, suas ideias sempre foram apresentadas como sendo uma receita laboratorial. O comunismo, jurava Karl Marx, era científico, era apenas uma questão de ajustes e sacrifícios para que a humanidade igualitária surgisse do tubo de ensaio da sociedade; o nazismo, obviamente, diria Hitler, era científico. É científico acreditar na eugenia, afinal, a eugenia nada mais era do que a aceleração estatal da seleção das espécies. Quer algo mais científico — teoricamente — que as verdades de Darwin?

No entanto — vêm aí spoilers da realidade —, o homem continua sendo falho, a ciência, por mais que tenha avançado e seja sensacional quando bem utilizada, não conseguiu encontrar nem desenvolver uma humanidade sem problemas ou erros. Durante a pandemia, assistimos a um passeio de arrogância e prepotência, seja daqueles que queriam desferir estudos inconclusivos como sendo verdades últimas, seja por jornalistas que, imbuídos de uma sacra missão científica, vomitavam rótulos naqueles que escolhiam simplesmente se manter céticos a algumas diretrizes. Aqueles que simplesmente optavam por um tratamento recomendado por uma junta médica que o mainstream já havia colocado em seu Index Librorum Prohibitorum eram relegados aos cantões dos conspiracionistas, bolsonaristas.

Essa tal pretensão de um conhecimento universal, perfeito, uma verdade suprema, indiscutível, foi o que pediu Átila Iamarino na Folha de S. Paulo. É o que a mídia tentou emplacar no debate social; e conseguiu, diga-se de passagem. Hoje, aqueles que escolheram não se vacinar são literalmente excluídos de várias atividades sociais; são repelidos como se fossem infecciosos ou tangivelmente grotescos. Disso para a estrela amarela no peito, será que estamos tão longe assim? O “autoritarismo necessário” se baseia justamente nessa crença catequética na ciência dos perfeitos. A lógica é relativamente simples, “se é científico, é verdadeiro; se é verdadeiro, por que não impor”? Era nisso que acreditavam Stalin e Hitler. Joseph Mengele, um dos insanos médicos nazistas, ao assassinar mais de 400 mil prisioneiros nazistas — entre eles, padres poloneses e judeus de toda a Europa — dizia fazê-lo em nome da “ciência”.

Chovem estudos, dados e estatísticas, rebanhos de jornalistas, entusiastas e opinadores para dizer o que o outro deve fazer. Os pequenos tiranos já estão sob a bênção dessa pseudociência, e, em nome dela, podemos dizer o que cada um deve ou não fazer. Como um cético conservador, tenho temor daqueles que ganham o poder de ditar regras sociais inerrantes a um povo escravo de uma mentalidade autoritária. Como cidadão do pós-século 20, tenho pavor daqueles que empunham a ciência para fazer políticas tirânicas.

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 Pedro Henrique Alves, colunista - Revista Oeste