Blog Prontidão Total NO TWITTER

Blog Prontidão Total NO  TWITTER
SIGA-NOS NO TWITTER
Mostrando postagens com marcador Um homem atormentado. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Um homem atormentado. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 1 de abril de 2020

Um homem atormentado - Merval Pereira

O Globo

Bolsonaro começa a mudar

Só o futuro dirá mas, pelo pronunciamento de ontem por rede nacional de televisão, está caindo a ficha do presidente Jair Bolsonaro. Com atraso, parece ter começado a se mover na direção do bom-senso que a realidade está fazendo prevalecer em todo mundo, em governos populistas de direita, como o dele e o de Trump nos Estados Unidos, e de esquerda, como o de Lopez Obrador no México.


Pela manhã, o presidente havia dado a entender que usaria a fala do diretor-geral da OMS Tedros Ghebreyesus para defender o fim do isolamento horizontal, mas teve que recuar diante do desmentido formal da Organização. Mesmo assim, Bolsonaro sonegou frases para montar uma versão que, para os mais desinformados, parece ser uma concordância com a sua posição. Mas em nenhum momento ousou defender o fim do isolamento social, mesmo porque o número de mortes e infectados entre nós começa a crescer de maneira exponencial, e ainda nem estamos no pico da epidemia. Cada vez mais solitário, o presidente Bolsonaro é um homem atormentado, conforme depoimento de pessoas que estiveram com ele recentemente. Alguns relatos falam em choros súbitos, e não seria estranho, pois há meses o presidente, ele próprio, já declarou que chora durante a noite.

Reclama dos ministros, acha que a imprensa elogia Mandetta, ou Moro, ou Guedes para diminuí-lo, como se ter escolhido bons ministros não fosse uma qualidade sua. Parece sentir não estar à altura do momento. Mas, apesar do comportamento errático que frequentemente espanta ministros e assessores palacianos, Bolsonaro consegue manter um apoio na classe militar, na qual desde o começo baseou seu governo.

Militares influentes, mesmo discordando de muitas atitudes, levam em conta sua reclamação de que o Congresso e a imprensa não o deixam trabalhar, emperram suas decisões com críticas exageradas e posições radicalizadas, como se ele não fosse o primeiro a radicalizar.  [importante para o Brasil e para o governo do presidente Bolsonaro é  que muitos já perceberam que existe por parte do Congresso Nacional e da mídia, não toda mas parte considerável, o interesse, o propósito de boicotar, até sabotar, ou no mínimo atrapalhar o Governo do Presidente Bolsonaro.

Tal atitude se tornando pública facilita ao presidente Bolsonaro neutralizar em parte ou mesmo totalmente tais ações.

Até o Supremo, age de forma a desestimular o presidente Bolsonaro a adotar medidas de sua competência e necessárias para a governabilidade do Brasil- ministro em 'off' e/ou sob compromisso de anonimato informam que se o presidente Bolsonaro adotar tal medida, ou editar tal norma, será desautorizado pelo STF.

PANELAÇOS; inúteis - o presidente Bolsonaro não está sob processo de impeachment (condição que eventuais panelaços poderiam influir de modo desfavorável ao presidente do Brasil)
E estão sendo desmoralizados - a imprensa apresenta imagens repetidas = de reportagens anteriores.
Ontem mesmo apesar de mostrar imagens com vários apartamentos de um edifício, apenas em um se percebeu uma panela sendo batida = situação mostrada em imagem de um 'outro' panelaço.]
Esse aparelhamento militar da máquina estatal é consequência natural, pois Bolsonaro fez sua vida política apoiado pelas corporações militares e por membros delas mesmo fora das três Armas, como integrantes de empresas de segurança e milicianos que a família condecorou e empregou. 

Essa atitude faz com que os militares tenham pontos em comum com o presidente, mesmo quando discordam das estratégias ou atitudes. Há uma admiração pela maneira como conseguiu eleger-se deputado federal por quase trinta anos e chegar à presidência da República com apoio popular, como se esse apoio, coroado em 2018, tivesse o condão de resgatar a imagem dos próprios militares. [certamente não resgatou a imagem de metalúrgicos ou de sindicalistas pelegos.]

Bolsonaro faz questão de manter essa aura de vencedor, e quando há alguma discussão mais difícil dentro do governo, ele assume a solução alegando: “Quem tem voto aqui sou eu”. Ontem, esse homem assombrado por fantasmas viu-se diante de uma situação inusitada, o combate ao Covid-19 que provoca a maior crise humanitária das últimas décadas no mundo, e a data 31 de março de 1964, que para ele e os militares em geral, especialmente os de uma geração ainda na ativa, representa um paradigma do qual insistem em se orgulhar, como mostra a ordem do dia anacrônica do ministro da Defesa Fernando Azevedo e Silva. [motivos para orgulho não faltam e disposição para se necessário fazer tudo de novo - não cometendo os erros anteriores (um dos erros, não o único,  foi o de permitir que os vencidos escrevessem a história, no que resultou em estória).]

A luta contra o comunismo num mundo em que esse sistema político nem mesmo existe mais, é o maior elo entre os militares e Bolsonaro, e ele se vale disso para alimentar o sentimento de lealdade. O perigo de haver revoltas populares por falta de comida e dinheiro é uma ameaça que o presidente vende para justificar sua insistência contra o isolamento  horizontal. O fantasma da volta de Lula e do PT, a que o próprio Bolsonaro alude volta e meia, aliado à memória do golpe de 64, é um amálgama que os une, ainda que completamente equivocado.  

Bolsonaro usa essa lembrança para fazer política, pois lhe convém manter essa dicotomia “eu contra ele”. Mas ele, que pela manhã havia feito um comentário sobre o golpe militar dizendo que foi “o dia da liberdade”, à noite não se pronunciou sobre o tema, demonstrando, talvez pela primeira vez, que, por momentos, sabe separar o grave período por que a humanidade passa da politicagem que ontem ainda manchava seu pronunciamento com a tentativa de distorcer as palavras do diretor-geral da OMS.

Merval Pereira, jornalista - O Globo