Ascânio Seleme - O Globo
Indicação de Kassio Marques para o STF é uma indicação do movimento de Bolsonaro para o cento: o centrão
Trata-se
de uma questão de
ponto de vista, mas não se pode negar que o presidente Jair Bolsonaro evoluiu
desde a sua posse. No dia 1º de janeiro de 2019, o capitão era a imagem do mal
usando faixa. Era um extremista de direita disposto a dar um golpe. Foi assim
até outro dia, quando deslocou-se para o centro, digo, para o centrão. Até a
chegada de Bolsonaro ao poder, o centrão era o que havia de mais nefasto na
política. O presidente andou uma casa, se moveu do pior para o ruim.
A
indicação de
Kassio Marques para a vaga de Celso de Mello no Supremo Tribunal Federal é uma
indicação do movimento de Bolsonaro. Nenhuma dúvida que se trata de uma ação de
natureza política, mas é com essa argamassa que se constrói entendimentos,
pontes e saídas. O presidente está buscando consolidar para si uma posição mais
confortável, uma alternativa viável para o seu governo, que mais patina do que
anda para frente.
Mesmo podendo quase tudo, alguns acham que podem mais, o STF não tem poderes para escolher seus ministros. No assunto, cabe apenas à Corte Suprema, havendo alguma ilegalidade no processo de indicação, sabatina e nomeação, denunciada na forma da lei, julgar o processo decorrente.]
Bolsonaro ouviu seus novos interlocutores, refletiu, o que, convenhamos, é coisa rara em se tratando dele, e concluiu que uma indicação errada atrapalharia mais do que ajudaria. Conseguiu rapidamente encontrar um magistrado maleável, bem aceito por todos os lados, mas ainda assim um garantista, anti-lavajatista e conservador. A indicação deixou irados os terraplanistas e ultradireitistas que o guiavam até outro dia, como o falso guru Olavo de Carvalho. Bolsonaro fez um gol. [o gol só não foi de placa por ter indicado um cidadão que votou, no TRF-1, contra gastos excessivos e nababescos em banquetes do Supremo Tribunal Federal e votou contra a extradição do terrorista italiano Cesare Battisti.
Gol de placa ou GOL DE PELÉ seria a escolha do jurista IVES GANDRA MARTINS FILHOS].
Não se
espantem se
outros movimentos forem feitos. Claro que não se pode esperar evolução muito
maior do que a nomeação de um moderado para o STF, mas ainda há espaço para
Bolsonaro se mexer. Se ele quisesse ganhar mais alguns pontos com o grande
público, poderia aproveitar e passar logo a boiada toda, demitindo os
vergonhosos ministros do Meio Ambiente e das Relações Exteriores, o
recém-empossado ministro da Educação e o secretário de Cultura, por exemplo.
Mas não vai acontecer. [O Poder Judiciário revalidou ato do CONAMA que reduz o excesso de proteção a manguezais. - decisão de primeiro grau, invalidando duas decisões do Conselho Nacional do Meio Ambiente, foi reformada em Instância superior.]
Se
houver mais movimentos
em favor do centrão, mais fácil e lógico seria se eles acontecessem nos
ministérios da área produtiva, como Infraestrutura, Agricultura, Minas e
Energia. Claro que aí estão os melhores ministros deste governo, mas o problema
é o tamanho da boca do centrão e como satisfazê-la. Quem também não pode mais
se julgar garantido é o ministro Paulo Guedes. O mercado não se importaria,
sobretudo se o substituto compartilhasse as ideias liberais de Guedes e não
estivesse tão desgastado quanto ele.
Com o
Posto Ipiranga outros
cuidados teriam de ser tomados. Um deles, segundo gente que andou até outro dia
à vontade no Palácio do Planalto, é não fazer a operação num dia de semana.
Entre dez da manhã e meio dia de sábado, este o melhor horário para se demitir
o ministro da Economia. Seu substituto liberal deve ser anunciado no mesmo
comunicado. Se ação for bem trabalhada, quando a segunda chegar, o mercado
seguirá seu fluxo normal, pacificado. Pode até haver uma leve oscilação da
Bolsa para cima e do dólar para baixo.
(........)
Fiquem prontos. Foi isso o que Donald Trump disse aos supremacistas brancos quando solicitado a repudiá-los. Só mesmo nos Estados Unidos um homem destes continua com chances de ganhar uma eleição presidencial. Se fosse fotografado com uma modelo de biquíni sentada no seu colo seria varrido do mapa. Vai entender.
Ascânio Seleme, colunista - O Globo - MATÉRIA COMPLETA