Guilherme Fiuza
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– Parabéns, presidente.
– Obrigado.
– O senhor foi fabuloso na campanha.
– Não tanto quanto a justiça eleitoral.
– Modéstia sua.
– Sei dar o crédito a quem merece.
– O senhor é justo.
– Não tanto quanto a justiça eleitoral.
– Ninguém é tão justo quanto a justiça.
– Nenhuma justiça é tão justa quanto a justiça eleitoral.
– Ela foi impecável.
– Impecável sou eu. Ela foi uma mãe.
– Qual foi a parte que o senhor mais gostou?
– A parte da lisura.
– É um valor que o senhor aprecia, né?
– Claro. Todo homem liso gosta de lisura.
– Faz sentido. E bota liso nisso!
– Já fui mais. Desde que a polícia me pegou percebi que não sou mais tão liso.
– Discordo.
– Por quê?
– O senhor escapou de mais de 20 anos de prisão pela fresta do Supremo. É a prova de que continua liso.
– Não tinha pensado nisso. Obrigado.
– Só estou dizendo o óbvio.
– Tá insinuando que eu não entendo o óbvio?
– De jeito nenhum...
– Tá me chamando de burro?
– Imagina, presidente. O senhor achou que não era mais tão liso por pura modéstia, não por burrice.
– Ah, tá. Gostei disso. Pode repetir?
– Claro: o senhor achou que não era mais tão liso por pura modéstia, não por burrice.
– Pode tirar a burrice?
– Hein?
– Já que eu não sou burro você não precisa falar mais de burrice, só de modéstia.
– Ah, claro: o senhor achou que não era mais tão liso por pura modéstia.
– Ficou melhor assim. Agora fala aquela frase do Uílio.
– Ok: candidato, o senhor não deve nada à Justiça.
– Que candidato, idiota?! Tá vendo algum candidato aqui? Eu fui eleito, porra!
– Desculpe, presidente. O senhor pediu para eu repetir a frase famosa do Bonner e achei que era pra ser literal.
– Literal é a tua cara, imbecil. Fala direito.
– Ok: presidente, o senhor não deve nada à Justiça.
– Não devo mesmo. É a Justiça que me deve.
– Sem dúvida. Mas o senhor não acha que com a sua eleição já está pago?
– Vou avaliar. Não quero mais dinheiro. Quero reparação moral.
– Aí o senhor tem toda razão. Moral é tudo num homem.
– Tudo também não. Vamos com calma.
– Me empolguei. É a alegria da vitória. Mas vamos lembrar que a justiça eleitoral obrigou a imprensa a dizer que o senhor é inocente.
– Não fez mais que a obrigação dela.
– Sem dúvida. Mas nem todos cumprem suas obrigações...
– É verdade. Tudo bem, tá pago. Não vou mais exigir nada. Nem tenho mais tempo pra isso. Preciso montar o meu ministério.
– Boa sorte, presidente. Já decidiu quem vai comandar a economia?
– Estou entre o Mercadante, o Palocci, o Delúbio e a Dilma.
– Esse país vai voar.
Guilherme Fiuza, colunista - Gazeta do Povo - VOZES