Ora, está claro, a esta altura, que não se tratou de “ação controlada” coisa nenhuma, mas de flagrante preparado, o que é repudiado por todas as democracias do mundo
Caso os digníssimos ministros do STF
resolvam cumprir a Constituição e as leis, as delações de diretores da
JBS têm de ser anuladas, e todas as eventuais provas, se provas fossem,
mandadas para o lixo. O que se tem é a evidência de uma descarada
tramoia.
Como informo no post anterior,
reportagem da Folha desta quarta revela que Marcelo Miller, então homem
de Rodrigo Janot na PGR, enviou um e-mail para si mesmo, no dia 9 de
março, em que faz o roteiro da delação para os diretores da JBS. Afirma
na mensagem que a empresa já estava negociando com o Ministério Público
Federal.
Rolo número 1: em
documento oficial, Janot afirmou que o primeiro contato de diretores do
grupo para um acordo só aconteceu no dia 27 de março. Miller faz a lista
das autoridades que seriam acusadas pelos diretores da JBS: lá já estão
o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves. Rolo número 2:
Janot afirmou que só tomou conhecimento no fim de março da gravação que
Joesley fizera da conversa com Temer. O e-mail que vem à luz evidencia
que Miller já sabia da gravação, feita a 7 de março, dois dias depois.
Mais: Joesley só gravaria a conversa com o senador Aécio Neves 15 dias
depois.
Não dá! É insustentável! Fica patente
que Joesley, ao gravar Temer e Aécio, já agiu sob a orientação do
Ministério Público Federal. Qual é o problema de tal procedimento? Ora,
armaram-se escutas contra o presidente da República e contra um senador
sem autorização judicial. Isso tem nome: prova obtida por meios ilícitos
— ou o que se tenta usar como prova —, expediente vedado pelo Inciso
LVI do Artigo 5º da Constituição, uma cláusula pétrea: “São
inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
As coisas não param por aí. As ações que
resultaram no registro e rastreamento do dinheiro que Joesley enviou a
Aécio Neves e que a JBS repassou a Rocha Loures foram chamadas de “Ações
Controladas”, prática prevista nos Artigos 8º e 9º da Lei 12.850, a tal
lei das delações. Consiste em retardar a ação policial, se necessário,
para que ela seja mais eficaz.
Transcrevo trecho do que vai na lei:
Art. 8º: Consiste a ação controlada em retardar a
intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por
organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob
observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no
momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.
§ 1º: O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público.
§ 1º: O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público.
Ora, está claro, a esta altura, que não
se tratou de “ação controlada” coisa nenhuma, mas de flagrante
preparado, o que é repudiado por todas as democracias do mundo. Querem
ver?
1: Joesley vai a Temer: no dia 7 de março, o
empresário, visivelmente, tenta enredar o presidente com Eduardo Cunha.
Não consegue. Quando houve o vazamento, parte da imprensa afirmou que o
presidente condescendeu a compra do silêncio do ex-presidente da Câmara.
É mentira que isso esteja na gravação.
2: Joesley grava Aécio:
Miller já sabia no dia 9 de março que Joesley acusaria Aécio, embora a
conversa entre os dois, em que o senador diz ao empresário precisar de
R$ 2 milhões, só tenha acontecido no dia 24 de março. A PF filmou a
entrega de parte do dinheiro no dia 12 de abril, feita por Ricardo Saud,
um dos delatores superpremiados, a um emissário do senador.
3: Saud entrega dinheiro a Rocha Loures:
No dia 24 de abril, a PF grava o mesmo Saud entregando R$ 500 mil a
Rocha Loures, ex-assessor de Temer. O representante da JBS grava
conversas com Loures. Não há nenhuma evidência de que este atuasse com a
anuência do presidente. Quem afirmou isso foi Saud, versão que Janot
comprou na primeira denúncia. Foi esse o episódio em que se ancorou o
então procurador-geral para acusar o presidente de corrupção passiva na
primeira denúncia.
O conjunto da obra é uma vergonha. Eis
aí a delação premiada que ministros como Edson Fachin, Luiz Fux, Roberto
Barroso e Rosa Weber pretendiam que permanecesse intocado, que fosse
imutável, pouco importando quantas cobras e lagartos dele saíssem. É preciso voltar à prancheta. Há dias,
Raquel Dodge, procuradora-geral da República, afirmou que provas obtidas
em decorrência de delações premiadas eventualmente rescindidas podem
ser usadas em investigações criminais. Ela precisa explicar melhor o que
quis dizer, ou estará dando um sinal verde para os cachorros loucos.
A Constituição repudia provas obtidas
por meios ilícitos, como já vimos. Ou se cumpre a letra da lei ou se cai
no vale-tudo. Ou se cumpre a letra da lei ou, daqui a pouco, haverá
ações ilegais as mais variadas sob o pretexto de obter provas para
delações premiadas. Descobertas, as delações seriam anuladas, mas as
provas, eventualmente validadas. Qual é a tese? Recorrer a práticas
criminosas para combater o crime?
Não parece uma boa ideia. Com a palavra, Raquel Dodge e o Supremo.
Blog do Reinaldo Azevedo