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quarta-feira, 8 de novembro de 2017

STF e Dodge: e-mail evidencia que delações têm de ser anuladas; supostas provas são imprestáveis

Ora, está claro, a esta altura, que não se tratou de “ação controlada” coisa nenhuma, mas de flagrante preparado, o que é repudiado por todas as democracias do mundo

Caso os digníssimos ministros do STF resolvam cumprir a Constituição e as leis, as delações de diretores da JBS têm de ser anuladas, e todas as eventuais provas, se provas fossem, mandadas para o lixo. O que se tem é a evidência de uma descarada tramoia.

Como informo no post anterior, reportagem da Folha desta quarta revela que Marcelo Miller, então homem de Rodrigo Janot na PGR, enviou um e-mail para si mesmo, no dia 9 de março, em que faz o roteiro da delação para os diretores da JBS. Afirma na mensagem que a empresa já estava negociando com o Ministério Público Federal.

Rolo número 1: em documento oficial, Janot afirmou que o primeiro contato de diretores do grupo para um acordo só aconteceu no dia 27 de março. Miller faz a lista das autoridades que seriam acusadas pelos diretores da JBS: lá já estão o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves. Rolo número 2: Janot afirmou que só tomou conhecimento no fim de março da gravação que Joesley fizera da conversa com Temer. O e-mail que vem à luz evidencia que Miller já sabia da gravação, feita a 7 de março, dois dias depois. Mais: Joesley só gravaria a conversa com o senador Aécio Neves 15 dias depois.

Não dá! É insustentável! Fica patente que Joesley, ao gravar Temer e Aécio, já agiu sob a orientação do Ministério Público Federal. Qual é o problema de tal procedimento? Ora, armaram-se escutas contra o presidente da República e contra um senador sem autorização judicial. Isso tem nome: prova obtida por meios ilícitos — ou o que se tenta usar como prova —, expediente vedado pelo Inciso LVI do Artigo 5º da Constituição, uma cláusula pétrea: “São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.

As coisas não param por aí. As ações que resultaram no registro e rastreamento do dinheiro que Joesley enviou a Aécio Neves e que a JBS repassou a Rocha Loures foram chamadas de “Ações Controladas”, prática prevista nos Artigos 8º e 9º da Lei 12.850, a tal lei das delações. Consiste em retardar a ação policial, se necessário, para que ela seja mais eficaz.
Transcrevo trecho do que vai na lei: Art. 8º: Consiste a ação controlada em retardar a intervenção policial ou administrativa relativa à ação praticada por organização criminosa ou a ela vinculada, desde que mantida sob observação e acompanhamento para que a medida legal se concretize no momento mais eficaz à formação de provas e obtenção de informações.
§ 1º: O retardamento da intervenção policial ou administrativa será previamente comunicado ao juiz competente que, se for o caso, estabelecerá os seus limites e comunicará ao Ministério Público
.

Ora, está claro, a esta altura, que não se tratou de “ação controlada” coisa nenhuma, mas de flagrante preparado, o que é repudiado por todas as democracias do mundo. Querem ver? 1: Joesley vai a Temer: no dia 7 de março, o empresário, visivelmente, tenta enredar o presidente com Eduardo Cunha. Não consegue. Quando houve o vazamento, parte da imprensa afirmou que o presidente condescendeu a compra do silêncio do ex-presidente da Câmara. É mentira que isso esteja na gravação.
2: Joesley grava Aécio: Miller já sabia no dia 9 de março que Joesley acusaria Aécio, embora a conversa entre os dois, em que o senador diz ao empresário precisar de R$ 2 milhões, só tenha acontecido no dia 24 de março. A PF filmou a entrega de parte do dinheiro no dia 12 de abril, feita por Ricardo Saud, um dos delatores superpremiados, a um emissário do senador.
3: Saud entrega dinheiro a Rocha Loures: No dia 24 de abril, a PF grava o mesmo Saud entregando R$ 500 mil a Rocha Loures, ex-assessor de Temer. O representante da JBS grava conversas com Loures. Não há nenhuma evidência de que este atuasse com a anuência do presidente. Quem afirmou isso foi Saud, versão que Janot comprou na primeira denúncia. Foi esse o episódio em que se ancorou o então procurador-geral para acusar o presidente de corrupção passiva na primeira denúncia.

O conjunto da obra é uma vergonha. Eis aí a delação premiada que ministros como Edson Fachin, Luiz Fux, Roberto Barroso e Rosa Weber pretendiam que permanecesse intocado, que fosse imutável, pouco importando quantas cobras e lagartos dele saíssem.  É preciso voltar à prancheta. Há dias, Raquel Dodge, procuradora-geral da República, afirmou que provas obtidas em decorrência de delações premiadas eventualmente rescindidas podem ser usadas em investigações criminais. Ela precisa explicar melhor o que quis dizer, ou estará dando um sinal verde para os cachorros loucos.

A Constituição repudia provas obtidas por meios ilícitos, como já vimos. Ou se cumpre a letra da lei ou se cai no vale-tudo. Ou se cumpre a letra da lei ou, daqui a pouco, haverá ações ilegais as mais variadas sob o pretexto de obter provas para delações premiadas. Descobertas, as delações seriam anuladas, mas as provas, eventualmente validadas. Qual é a tese? Recorrer a práticas criminosas para combater o crime?
Não parece uma boa ideia. Com a palavra, Raquel Dodge e o Supremo.

Blog do Reinaldo Azevedo

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