Somos um estranho país ciclotímico.
Em 2018, bradávamos
por liberdade de expressão, alertávamos que havia perigo a rondar as
liberdades básicas, que o autoritarismo punha em risco a democracia.
No
ano seguinte, no entanto, os que alertavam, calaram; pareciam surpresos
porque não acontecera a guinada para o autoritarismo.
E, no feio pecado
da omissão, foram mantendo o silêncio diante de agressões às liberdades
de opinião, de expressão, de locomoção, de culto; à inviolabilidade de
mandato e de residência; ao direito de defesa; a censura prévia ganhou
aplausos; sumiu a condenação aos corruptos; o basilar devido processo
legal foi desprezado pelo tribunal supremo.
E foram além da omissão
cúmplice, passando a aplausos sem pudor. Como explicar essa mudança de
posição, que virou torcida pelo totalitarismo ao estilo soviético? Não
parece ser um fenômeno masoquista.
Para acordar quem esquece quais são os fundamentos da
democracia, é bom gritar que, em primeiro lugar, vem o direito de
liberdade de expressão do pensamento; logo o princípio de que todo poder
emana do povo, que o exerce diretamente ou por seus representantes
eleitos; o direito de locomoção, o que inclui o acesso ao trabalho, ao
culto, às vias e aos logradouros públicos; o direito à vida, que abarca o
direito à defesa; o direito de propriedade, escrito na mesma frase da
Constituição que garante o direito à vida; a inviolabilidade do lar; o
direito de não ser preso arbitrariamente; o direito de defesa em
processo público; o direito de fazer ou não fazer o que não for
expressamente determinado ou proibido por lei; o direito de igualdade
perante a lei, "sem distinção de qualquer natureza"(como manda a
Constituição e é desobedecido por tantas leis).
Ações e decisões de qualquer dos três Poderes que não
seguirem os fundamentos acima estarão condenando os brasileiros a não
viver em regime democrático. [o pior, o mais danoso à cidadania, é que as autoridades que autorizam que os direitos fundamentais da democracia, arrolados no parágrafo anterior, sejam violados, usam como argumento que tais violações são necessárias à preservação da democracia, da constituição e do estado democrático de direito.
Tais autoridades, que em sua maioria integram instituição responsável pela guarda do texto constitucional, destroem os fundamentos democráticos, os princípios constitucionais alegando a necessidade de preservá-los.]
Boa parte desses fundamentos tem origem no
direito natural, que adquirimos ao nascer.
Teólogos afirmam que Deus nos
criou dotados de livre arbítrio. Ou seja, Esse Ser perfeito é um
democrata, pois nos deu plena liberdade.
Logo, o modelo que vem de cima é
o de democracia.
Portanto, democracia é um modelo divino — que carrega a
imperfeição humana.
Para os que não acompanham esse raciocínio, sugiro
outro, prático e direto: você gostaria de ser escravo de uma ideologia
em que o Estado domine você e sua família e tenha feito você acreditar
que "é para o seu bem"? Pois muita gente prefere continuar sendo
enganada a reconhecer que tem sido enganada.
A democracia se equilibra nos pesos e contrapesos dos
três Poderes. O Executivo, que foi eleito para governar;
o Legislativo,
que foi eleito para fazer leis e fiscalizar os demais Poderes;
e o
Judiciário, que é escolhido pelos outros Poderes e serve para aplicar e
interpretar as leis. O desequilíbrio dessa balança, hoje, é evidente,
pois o topo do Judiciário está indo além de suas atribuições, agindo com
poderes que o povo não lhe deu.
Precisa resolver o que seu presidente,
ministro Fux, denunciou no seu discurso de posse: o Supremo é usado por
partidos políticos para resolver questões que deveriam ser tratadas na
arena política do Legislativo.
Isso só não é mais grave do que o
silêncio dos que se omitem diante do avanço de ações totalitárias.
Talvez porque elas coincidam com sua ideologia.
Alexandre Garcia, colunista - Correio Braziliense