Campanha de conscientização marca hoje o dia nacional de combate a esse tipo de crime, geralmente cometido por pessoas próximas à família e em ambiente doméstico
Quando crianças e adolescentes são alvos de estupradores,
sofrem a vítima e toda a família. Em um endereço do Gama, uma mãe chora
há três dias. A filha, de 11 anos, foi violentada pelo ex-companheiro na
madrugada de segunda-feira. Durante duas horas, o ex-padrasto da garota
a submeteu ao ato sexual com requintes de covardia. “A todo momento que
ele cometia esses abusos, ele falava a mesma coisa: ‘É para se vingar
da sua mãe, que não me quis’. Ele conseguiu, porque não tenho mais vida.
Ele me matou. Não sei mais o que vai ser de mim”, desabafou a mãe. O
acusado foi preso na noite de terça-feira.
O
depoimento da mulher foi dado na véspera do Dia Nacional de Combate ao
Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, que marca hoje a
campanha de conscientização contra esse tipo de crime. As estatísticas
confirmam a frequência dos ataques. De janeiro a abril deste ano, do
total de 274 vítimas de estupro no Distrito Federal, 158 são crianças e
adolescentes — isso corresponde a 58% dos casos e à média de mais de um
ataque sexual por dia. No mesmo período do ano passado, 232 pessoas
sofreram a violência. Dessas, 149 tinham até 17 anos, o equivalente a
64%.
Com a adolescente de 11 anos, moradora do
Gama, o crime aconteceu dentro de casa. O ex-padrasto aproveitou que a
mãe trabalhava, quebrou a janela da cozinha e invadiu a casa. Lá,
estuprou a vítima e agrediu o irmão dela, de 2 anos. “No dia, eu pedi ao
meu chefe para ser liberada mais cedo. Quando vi a janela quebrada, não
tinha dúvidas de que fosse ele. Mas, depois, reparei que nada tida
tinha sido levado, até que a minha filha falou (sobre o abuso)”, disse.
“Eu quero muito a justiça de Deus e a dos homens. Ele não podia ter
feito isso. Podia roubar a minha casa, fazer o que for, mas não podia
mexer com a minha filha. Não sei o que vai ser de mim, se dou conta de
trabalhar. Se ele queria me matar em vida, conseguiu”, lamentou.
Em
Samambaia, uma adolescente, hoje com 17 anos, também sofreu um estupro
aos 11. Os abusos aconteceram entre 2010 e 2011. O caso tramita em
sigilo no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios
(TJDFT) desde 2014. Por causa de dificuldades financeiras da mãe, a
menina morava na casa do agressor, amigo da família. A vítima ficava sob
os cuidados dele e da mulher. A violência ocorria no momento em que a
companheira saía de casa — o filho do casal tinha, à época, entre 1 e 2
anos.
A menina, no entanto, só contou sobre a
violência à mãe em 2013. O estupro marcou a vida da vítima e da família.
A adolescente frequenta psicólogo e quase não sai sozinha. “A gente não
acredita em mais ninguém. Aqui em casa, tudo mudou. Perdi o serviço e
não confio mais em deixar os meus filhos com ninguém. Eu me culpo,
porque deveria ter prestado mais atenção, e ela também se culpa. É uma
ferida para o resto da vida”, contou a mãe da menina, uma cuidadora
social de 39 anos, que tem mais três filhos.
Segundo
o subsecretário de Gestão da Informação da Secretaria de Segurança
Pública e da Paz Social, Marcelo Durante, pesquisa realizada
semestralmente nas escolas públicas do DF revela que 45% dessas
instituições identificam sinais de violência doméstica nos alunos. “Um
ator que poderia ser central nesse processo da rede de proteção são as
escolas, as famílias e o Conselho Tutelar. Por exemplo: o que as escolas
fazem quando identificam um aluno nessa situação? Chamam o Conselho
Tutelar? Vão até a casa dessas famílias? Porque o caso de estupro não é
de um dia para o outro. O processo vai avançando até se chegar ao
abuso”, explicou.
Crime sem castigo
Em 18 de maio de 1973, uma menina de 8 anos foi sequestrada, violentada e assassinada no Espírito Santo. A investigação do
crime ficou conhecida como Caso Aracelli. O corpo da vítima apareceu
seis dias depois carbonizado, e os agressores, jovens de classe média
alta de Vitória, nunca foram punidos. A data ficou instituída como o Dia
Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e
Adolescentes a partir da aprovação da Lei Federal nº 9.970/2000.
Atenção
Confira 10 maneiras de identificar possíveis sinais de abuso sexual, segundo a organização Childhood Brasil
Mudanças de comportamento
O
primeiro sinal é uma possível mudança no padrão de comportamento da
criança, como alterações de humor, entre retraimento e extroversão,
agressividade repentina, vergonha excessiva, medo ou pânico
Proximidades excessivas
O
abusador, muitas vezes, pessoas da família ou próximas à criança,
manipula emocionalmente a vítima, que não percebe o crime; com isso,
costuma ganhar a confiança, fazendo com que ela se cale
Comportamentos infantis repentinos
Se
a criança ou o jovem voltar a ter comportamentos infantis, os quais
abandonou anteriormente, é um indicativo de que algo está errado
Silêncio predominante
Para
manter a vítima em silêncio, o abusador costuma fazer ameaças de
violência física e mental, além de chantagens. É normal também que usem
presentes, dinheiro ou outro tipo de material para construir uma boa
relação com a vítima
Mudanças de hábito súbitas
Sono, falta de concentração, aparência descuidada, entre outros, são indicativos de que algo está errado
Comportamentos sexuais
Crianças
que apresentam interesse por questões sexuais, fazendo brincadeiras de
cunho sexual ou usando palavras ou desenhos, podem estar revelando o
abuso
Traumatismos físicos
Marcas
de agressão, doenças sexualmente transmissíveis e gravidez. Essas são
as principais manifestações que podem ser usadas como provas à Justiça
Enfermidades psicossomáticas
Problemas
de saúde, sem aparente causa clínica, como dor de cabeça, erupções na
pele, vômitos e dificuldades digestivas, que na realidade têm fundo
psicológico e emocional
Negligência
Muitas vezes, o abuso sexual vem acompanhado de outros tipos de maus-tratos que a vítima sofre em casa, como a negligência
Frequência escolar
Observar
queda injustificada na frequência escolar ou baixo rendimento causado
por dificuldade de concentração e aprendizagem. Outro ponto a estar
atento é à pouca participação em atividades escolares e a tendência de
isolamento social
Fonte: Correio Braziliense