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domingo, 31 de janeiro de 2021

Como outros países compraram a vacina da Janssen e nós ficamos para trás - Diário da Vacina

VEJA

EUA concordaram em pagar 1 bilhão de dólares por 100 milhões de doses da vacina 

31 de janeiro, 11h: Há pouco mais de dois dias o pesquisador principal da clínica onde testo a vacina experimental desenvolvida pela Janssen-Cilag comemorava o anúncio da eficácia do antígeno de 66% para casos de moderados a graves e de 85% contra hospitalizações e mortes por Covid-19. E me prometia que nos próximos dias receberei o tão aguardado telefonema para ser informada se, como voluntária, tomei a vacina verdadeira e, portanto, estou imunizada desde o ano passado ou se caí nos 50% que em que foi aplicada uma ampola de soro fisiológico e que agora serão vacinados gratuitamente com o único imunizante de dose simples desta pandemia. “Em breve teremos a data da quebra do cego e lhe informo imediatamente”, disse Luis Augusto Russo, que coordena um dos braços da pesquisa clínica no Brasil e é responsável por 148 brasileiros que se propuseram a participar de uma das mais importantes experiências dos últimos tempos: ajudar na produção de uma vacina contra o novo coronavírus.

A Janssen começou o projeto de desenvolvimento de seu imunizante em janeiro de 2020, quando o mundo ainda tentava entender o microrganismo recém-descoberto na China e as primeiras comparações com a terrível gripe espanhola, que assolou o mundo no início do século XX, eram inevitáveis. Naquele mesmo mês, os chineses compartilharam a sequência genética do novo coronavírus para pesquisas em benefício de uma vacina. E é aí que começam os financiamentos de países como os Estados Unidos para que a Johnson & Johnson produzisse seu antígeno e os reservasse de antemão para uma provável compra futura.

Em março, a J&J recebeu 465 milhões de dólares do governo americano para as pesquisas em busca da vacina. Em julho, as fases 1 e 2, que testam o imunizante em um grupo reduzido de voluntários, começa. Antes, a dose já havia sido ministrada em roedores e primatas e havia apresentado resultados positivos. Este mesmo mês de julho registrou mais de um terço de todas as mortes por Covid-19 ocorridas no Brasil desde o início da pandemia. E não houve nenhum movimento do governo brasileiro em busca de contato com a Janssen.

Em agosto, o governo americano fez um novo aporte para a J&J e concordou em pagar 1 bilhão de dólares por 100 milhões de doses da vacina em desenvolvimento. É a primeira grande reserva do produto. No mês seguinte, a farmacêutica lança a fase três do ensaio clínico, que abrange cerca de 45.000 voluntários e é a etapa final antes do pedido de autorização para uso emergencial do antígeno durante a pandemia. Foi nesta fase que eu e outros 7639 brasileiros fomos recrutados para testar o biofármaco. Os testes em brasileiros tinham um significado importante: ao promover ensaios científicos no Brasil, a empresa se credenciava para pedir o uso emergencial à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) quando a vacina ficasse pronta.

No dia 8 de outubro, a União Europeia fechou um grande acordo com a Janssen para a compra de sua vacina de dose única: 200 milhões de doses com a reserva de outro carregamento de mais 200 milhões de ampolas, se necessário. O estudo clínico acabaria pausado por quatro dias naquele mês após um voluntário apresentar uma reação adversa grave que, ao final, descobriu-se não relacionada à vacina.

Foi só em novembro passado, quase um ano depois do início dos casos de Covid-19 no mundo, que o governo brasileiro se reuniu com representantes da Janssen e assinou cartas de intenção não-vinculantes para a compra da vacina. É como se dissesse ao fabricante: “quero sua vacina, mas posso também não querer”. Resultado: o ministro da Saúde Eduardo Pazuello calcula, reservadamente, que o Brasil terá, na melhor das hipóteses, 3 milhões de ampolas do imunizante de dose única em maio. Há a possibilidade de um novo carregamento, mas, por estar contida em uma “carta de intenção não-vinculante”, não temos garantia de que a vacina chegará mesmo aos braços dos brasileiros.

Com o anúncio de que a vacina da Janssen-Cilag apresentará seu pedido de uso emergencial para a FDA, a agência regulatória de medicamentos dos Estados Unidos, na próxima semana, a sensação como voluntária é de dever cumprido, apesar de o governo brasileiro não ter dado indicativos de ter feito a sua parte e de, como participante do projeto científico, eu continuar sendo monitorada pelos pesquisadores até o fim de dezembro de 2022, quando a pesquisa será oficialmente encerrada.

Neste longo caminho, meus pensamentos estão agora direcionados aos 16 voluntários da Janssen que morreram ao longo do ensaio clínico. Nenhum foi por reações causadas pela vacina
Cinco haviam recebido placebo nos testes e não resistiram às complicações causadas pela Covid-19. 
A todos os 16, que assim como eu acreditaram na ciência para enfrentar a pandemia, meu absoluto respeito. Aos familiares dos cinco vitimados pelo coronavírus, a certeza de que o luto de vocês é compartilhado por todos nós que participamos da pesquisa.
Diário da Vacina - Laryssa Borges,jornalista - VEJA