VEJA
EUA concordaram em pagar 1 bilhão de dólares por 100 milhões de doses da vacina
31 de janeiro, 11h: Há pouco mais de dois dias o pesquisador principal da clínica onde testo a vacina experimental desenvolvida pela Janssen-Cilag comemorava o anúncio da eficácia do antígeno de 66% para casos de moderados a graves e de 85% contra hospitalizações e mortes por Covid-19. E me prometia que nos próximos dias receberei o tão aguardado telefonema para ser informada se, como voluntária, tomei a vacina verdadeira e, portanto, estou imunizada desde o ano passado ou se caí nos 50% que em que foi aplicada uma ampola de soro fisiológico e que agora serão vacinados gratuitamente com o único imunizante de dose simples desta pandemia. “Em breve teremos a data da quebra do cego e lhe informo imediatamente”, disse Luis Augusto Russo, que coordena um dos braços da pesquisa clínica no Brasil e é responsável por 148 brasileiros que se propuseram a participar de uma das mais importantes experiências dos últimos tempos: ajudar na produção de uma vacina contra o novo coronavírus.
A Janssen começou o projeto de desenvolvimento de seu imunizante em janeiro de 2020, quando o mundo ainda tentava entender o microrganismo recém-descoberto na China e as primeiras comparações com a terrível gripe espanhola, que assolou o mundo no início do século XX, eram inevitáveis. Naquele mesmo mês, os chineses compartilharam a sequência genética do novo coronavírus para pesquisas em benefício de uma vacina. E é aí que começam os financiamentos de países como os Estados Unidos para que a Johnson & Johnson produzisse seu antígeno e os reservasse de antemão para uma provável compra futura.
Em março, a J&J recebeu 465 milhões de dólares do governo americano para as pesquisas em busca da vacina. Em julho, as fases 1 e 2, que testam o imunizante em um grupo reduzido de voluntários, começa. Antes, a dose já havia sido ministrada em roedores e primatas e havia apresentado resultados positivos. Este mesmo mês de julho registrou mais de um terço de todas as mortes por Covid-19 ocorridas no Brasil desde o início da pandemia. E não houve nenhum movimento do governo brasileiro em busca de contato com a Janssen.
Em agosto, o governo americano fez um novo aporte para a J&J e concordou em pagar 1 bilhão de dólares por 100 milhões de doses da vacina em desenvolvimento. É a primeira grande reserva do produto. No mês seguinte, a farmacêutica lança a fase três do ensaio clínico, que abrange cerca de 45.000 voluntários e é a etapa final antes do pedido de autorização para uso emergencial do antígeno durante a pandemia. Foi nesta fase que eu e outros 7639 brasileiros fomos recrutados para testar o biofármaco. Os testes em brasileiros tinham um significado importante: ao promover ensaios científicos no Brasil, a empresa se credenciava para pedir o uso emergencial à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) quando a vacina ficasse pronta.
No dia 8 de outubro, a União Europeia fechou um grande acordo com a Janssen para a compra de sua vacina de dose única: 200 milhões de doses com a reserva de outro carregamento de mais 200 milhões de ampolas, se necessário. O estudo clínico acabaria pausado por quatro dias naquele mês após um voluntário apresentar uma reação adversa grave que, ao final, descobriu-se não relacionada à vacina.
Foi só em novembro passado, quase um ano depois do início dos casos de Covid-19 no mundo, que o governo brasileiro se reuniu com representantes da Janssen e assinou cartas de intenção não-vinculantes para a compra da vacina. É como se dissesse ao fabricante: “quero sua vacina, mas posso também não querer”. Resultado: o ministro da Saúde Eduardo Pazuello calcula, reservadamente, que o Brasil terá, na melhor das hipóteses, 3 milhões de ampolas do imunizante de dose única em maio. Há a possibilidade de um novo carregamento, mas, por estar contida em uma “carta de intenção não-vinculante”, não temos garantia de que a vacina chegará mesmo aos braços dos brasileiros.
Com o anúncio de que a vacina da Janssen-Cilag apresentará seu pedido de uso emergencial para a FDA, a agência regulatória de medicamentos dos Estados Unidos, na próxima semana, a sensação como voluntária é de dever cumprido, apesar de o governo brasileiro não ter dado indicativos de ter feito a sua parte e de, como participante do projeto científico, eu continuar sendo monitorada pelos pesquisadores até o fim de dezembro de 2022, quando a pesquisa será oficialmente encerrada.
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