Não deveria tirar o sono de Bolsonaro
Até o final de 2020, grandes cidades dos Estados Unidos, da China e de
alguns países da Europa experimentarão os avanços trazidos pela rede 5G.
São avanços tais que analistas do setor de telecomunicações – e não só
eles, como também psicólogos e outros estudiosos do comportamento humano
– chegam a afirmar que o modo de vida das pessoas tocadas por essa nova
tecnologia mudará radicalmente já na próxima década.
A tecnologia 5G proporciona muito mais do que acesso mais rápido à
internet por meio de dispositivos móveis (celulares e tablets, por
exemplo) ou TVs inteligentes. Em uma rede 5G será possível assistir a
vídeos e trafegar arquivos pesados em velocidade impressionante – sob
determinadas condições, a velocidade da rede 5G pode chegar a 1 gigabit
por segundo (Gbps), cerca de 20 vezes mais rápido do que a 4G. Esta
velocidade aliada à redução da latência – o tempo entre um comando dado
em um site ou aplicativo e a sua execução – dos atuais 10 milissegundos
para 4 milissegundos é fundamental para o funcionamento da internet das
coisas, ou seja, a comunicação entre equipamentos de uso doméstico ou
industrial. Eis um dos pontos mais relevantes dessa revolução.
Enquanto o mundo desenvolvido já está com um dos pés no futuro projetado
pela chegada da rede 5G, que amplia enormemente o rol de possibilidades
para as pessoas e para as empresas, o Brasil vem patinando. No entanto,
um importante passo foi dado pela Agência Nacional de Telecomunicações
(Anatel) na quinta-feira passada. A agência finalmente aprovou a
proposta de edital do leilão da rede 5G no País após divergências entre
os membros do Conselho Diretor. Sucessivos pedidos de vista atrasaram
muito o início do prazo de 45 dias para consulta pública e,
consequentemente, a definição da data do leilão.
O primeiro relator, o conselheiro Vicente Aquino, defendia um modelo que
privilegiava as pequenas operadoras. No fim do ano passado, o
conselheiro Emmanoel Campelo apresentou nova proposta que, ao contrário,
favorecia as grandes teles. Prevaleceu a proposta apresentada este mês
pelo conselheiro Moisés Moreira, que prevê o aumento de 100 MHz na faixa
de 3,5 GHz, ampliando o espectro de frequência de 300 MHz para 400 MHz.
A medida tende a evitar interferências entre o 5G e o sinal de TV
aberta captado pelas antenas parabólicas, um dos pontos que geraram as
divergências entre os conselheiros. A ampliação de 100 MHz também
permitirá que pequenas e médias empresas participem do leilão. O texto
foi aprovado por unanimidade (cinco votos).
Definido o modelo técnico do leilão, há agora uma importante decisão
política a ser adotada pelo governo federal. O edital aprovado pela
Anatel não impôs quaisquer restrições à tecnologia 5G da empresa chinesa
Huawei, a mais bem preparada do ponto de vista técnico e que oferece
boas condições comerciais. No entanto, governos do mundo inteiro têm
sido pressionados pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a
banir a Huawei de seus certames, tanto por razões comerciais – Trump
quer privilegiar as companhias de seu país – como por questões
geopolíticas. Há poucos dias, o premiê do Reino Unido, Boris Johnson,
foi fortemente pressionado pelo “trator” americano por permitir que a
Huawei participe do leilão de 5G em seu país.
Jair Bolsonaro tem adiado o leilão para achar uma solução que não abale o
que acredita ser sua “boa relação” com Trump. Este não vê com bons
olhos a entrada da Huawei no Brasil, pois teme que dados capturados pela
empresa possam ser repassados ao governo de Pequim. Porém, é a Huawei
que parece oferecer as melhores condições para a rede 5G no País. Não deveria tirar o sono de Bolsonaro decidir entre o interesse do
governo americano e o interesse nacional. As possibilidades de
crescimento tecnológico e econômico trazidas pela rede 5G são enormes.
Quanto antes o Brasil tiver acesso a ela, melhor. [Presidente Bolsonaro, o senhor precisa ter em contra que, antes de todos os outros interesses, estão do do Brasil.]
Editorial - O Estado de S. Paulo