Ah, meu
bom e crédulo brasileiro. O auxílio-moradia de juízes e membros do
Ministério Público voltou à pauta, com uma imoralidade ainda mais
fulgurante do que antes. Tentaram ajeitar tudo na surdina, longe da
vigilância da população. Mas a coisa desandou. E, como verão, é mais
acintosa do que antes.
É
impressionante, não? Saia a perguntar por aí às pessoas que se
interessam minimamente pelo noticiário de política onde estão os
verdadeiros “amigos do povo”. A resposta, claro!, será “Ministério
Público” e “juízes que gostam de prender pessoas”. Pouca gente se dá
conta de que se está a confundir, hoje em dia, combate à corrupção com
vocações autoritárias. Vejam, para ilustrar, o caso de Sérgio Moro: com
uma única penada, ele se declarou o dono das provas colhidas pela Lava
Jato e de todos os atos tomados pela administração federal que cobram
reparação daqueles que fraudaram o erário. Ele os suspendeu. Objetivo:
proteger seus delatores de estimação.
Infelizmente,
estamos formando uma geração de otários. O caso do auxílio-moradia
ilustra à perfeição o modo como se engana um bobo na casca do ovo. Vamos
ver. Magistrados e membros do Ministério Público que eram deslocados
para trabalhar em cidades distantes de onde mantém residência fixa
tinham direito ao tal auxílio para, então, pagar o aluguel de um imóvel. Pois bem! O
ministro Luiz Fux, o mais sensível no STF a apelos corporativistas,
concedeu uma liminar em 2014 estendendo a todos os juízes e membros do
MP o benefício, que hoje está em R$ 4.375 mensais. Vale dizer: recebe a
mamata mesmo quem trabalha na cidade ou área em que mora e ainda que
tenha casa própria.
Para lembrar: o buliçoso juiz Marcelo Bretas é dono
de imóveis, no plural, avaliados em mais de R4 10 milhões. É um homem
rico. Mora num apartamento de mais de 600 metros quadrados. Ele e sua
mulher, também da carreira, recebem dois auxílios-moradias. Ele recorreu
à Justiça para dobrar um benefício de imoralidade inequívoca e
legalidade duvidosa. Andam a
fazer contas estranhas por aí. Fato: existem no Brasil, arredondado, 18
mil juízes (entre estaduais e federais) e 13 mil membros do MPF.
Contam-se nos dedos os que abrem mão do tal auxílio. A conta é simples,
de multiplicar: esses dois entes consomem, juntos, por mês, algo em
torno R$ 135,625 milhões. No ano, mais de um R$ 1,6 bilhão. É mais
dinheiro do que a Lava Jato efetivamente recuperou para a Petrobras em
seu quarto ano de devastação da vida pública, sob o pretexto de combater
a corrupção.
Só em
fevereiro deste ano Fux resolveu levar sua liminar à votação. Mas, ora
vejam, numa manobra combinada, infelizmente, com a Advocacia Geral da
União, ele logo tirou a questão da pauta — estima-se que a maioria do
STF vote contra a carteirada nos cofres públicos — e entregou o assunto à
gestão da AGU, que criou uma “Câmara de Conciliação”, com
representantes de órgãos de classe das duas categorias, para… elaborar
uma proposta.
Ora,
considerando que só havia representantes de quem defende o benefício, dá
para imaginar a proposta que saiu de lá. Atenção! Todas essas
negociações eram feitas sob o compromisso do sigilo. Trata-se de uma
aberração. Não foi possível bater o martelo. O assunto foi devolvido a
Fux com duas sugestões:
1: aumentar o teto do funcionalismo, hoje em R$ 33.763, para incorporar o auxílio como ganho;
2: elaborar uma Proposta de Emenda a
Constituição com alguma patranha a título de valorização da carreira,
que garanta a grana correspondente ao benefício.
A proposta
um elevaria exponencialmente os gastos públicos porque a elevação do
teto teria de se dar no salário dos ministros do Supremo, que servem
para indexar, em cascata, reajuste de praticamente todo o funcionalismo
do país. A PEC, na vigência da intervenção no Rio, não poderia ser
votada. Também será preciso ver quem assumiria a paternidade do assalto
ao bolso do contribuinte.
É
impressionante, pois, que se estejam buscando alternativas não para pôr
fim à mamata. Ao contrário: o que se debateu em sigilo, nesse tempo, foi
uma forma de dar uma roupagem nova a um privilégio odiento. Que coisa,
né? Essa gente baba na gravata quando se trata de foro especial por
prerrogativa de função para parlamentares. No seu caso, no entanto, até o
aumento de salário é debatido não em foro especial, mas secreto. São
mesmo os donos do mundo.
E quem
paga a conta? Nós, os otários. Afinal, essa gente diz ter a receita para
salvar o Brasil. Moro, o exemplo maior da retidão para alguns, é um dos
defensores do auxílio-moradia — ele também é proprietário e recebe a
mamata. Segundo disse, o auxílio compensava a falta de reajuste
salarial. Não custa lembrar que esse é apenas um dos benefícios. Há muitos outros. Não temos no país uma república de iguais.
Leio no Estadão:
A falta de acordo na Câmara
de Conciliação pegou de surpresa as partes envolvidas na negociação. O
presidente da Associação de Magistrados Brasileiros, Jayme de Oliveira,
disse que não tinha conhecimento da informação. “Eu esperava terminar o
negócio ali, rápido, com pelo menos alguma composição dentro do que a
gente sempre trabalhou.”
Que coisa, não é? Seria um acordo rápido, feito sem o conhecimento e o acompanhamento de quem paga a conta.
E encerro
lembrando que a AGU agiu muito mal quando se meteu na questão,
oferecendo uma espécie de saída moral a que não tinha saída nenhuma. Que
Fux se dispense se continuar a engabelar os otários. A única coisa a
fazer é pautar a questão para que vote o conjunto dos ministros. E a
gente, num gesto de boa vontade, discute a possibilidade de não cobrar o
que foi indevidamente pago até agora.
Saiba também sobre o fracasso da tentativa do ministro Fux de organizar um cartel para os fretes - clique aqui ou aqui