É da natureza da cadeia de comando que os superiores autorizem ou
desautorizem seus subordinados. Novidade seria o contrário. No governo
Bolsonaro, aliás, isso já aconteceu, mas foi logo no começo, quando o
presidente disse uma coisa e o sub do sub do sub o desmentiu dizendo que
ele se equivocara. Assim, a decisão de Bolsonaro sobre Ilona Szabó, que
foi desconvidada para um cargo no Conselho Nacional de Política
Criminal e Penitenciária, não seria mais do que um simples
constrangimento se o desautorizado não fosse Sergio Moro. Afinal,
trata-se do ex-juiz ícone da Lava-Jato que havia recebido uma carta
branca do presidente.
O problema não é Ilona, uma das mais importantes e renomadas
especialistas em segurança no Brasil, referência internacional no setor.
Sua presença daria prestígio e engrandeceria intelectualmente qualquer
conselho. [não se pode olvidar que a cientista seria tentada a se valer do seu cargo para sabotar as atividades do conselho que integraria; é público e notório sua repulsa a muitos dos porjetos anticrime desenvolvido em andamento no governo Bolsonaro, muitos deles diretamente ligados a Sérgio Moro.
O vacilo foi todo do ministro a convidar uma 'inimiga', com potencial para ser uma sabotadora, para a sua equipe- e em um democracia - esquecendo que no Brasil vivemos no 'estado democrático de direito' e muitos ainda cultuam o maldito 'politicamente correto' e as nefastas políticas de valorizar a 'diversidade ' e a 'ideologia de gênero'.] O problema não é, tampouco, a natureza da atividade para a
qual Ilona foi convidada e depois desconvidada. O problema é Sergio
Moro. Embora seja um ministro acima da média no governo, Moro não pode
tudo. Enganou-se quem pensava que ele seria um ministro que jamais seria
demitido em razão do imenso poder e popularidade que reunia. Enganou-se
o próprio Sergio Moro.
O ministro, está claro agora, pode muito bem ser demitido. A
qualquer hora. Pito público ele já tomou. Para sair, basta pisar na bola
com mais empenho. Do ponto de vista de Bolsonaro, Moro errou feio ao
convidar Ilona para o conselho. Faz todo sentido, não se pode negar
coerência a Bolsonaro, Ilona pensa exatamente o contrário do presidente
sobre soluções para a segurança pública. Moro não sabia disso? Difícil
acreditar que não sabia. Se de fato sabia e mesmo assim a convidou, quis
testar o chefe. Se deu mal.
O apetite de Sergio Moro pelo poder estaciona-se alguns degraus
acima do de Carlos Bolsonaro, o filho que demitiu o primeiro ministro do
seu pai. Soube-se nos últimos dias que o ministro está trabalhando para
fazer o substituto de Raquel Dodge na Procuradoria-Geral da República.
Como já detém enorme poder investigativo, com a Polícia Federal e o Coaf
sob seus domínios, se fizer o Ministério Público, Moro fecha a tríplice
coroa e passa a ser dono de todo o arsenal de investigação federal
disponível.
Não é pouca coisa. Parece movimento de quem tem planos políticos
importantes. Moro sabe que o terreno é pantanoso e caminha olhando para o
chão. Foi assim que cedeu ao Congresso e separou o crime de caixa dois
do pacote anticrime que havia apresentado para deliberação legislativa.
Suas palavras são normalmente bem medidas e equilibradas. Sempre
respeitoso com todos, sobretudo com “o senhor presidente Jair
Bolsonaro”. Por isso,o convite a Ilona surpreendeu.
Mesmo os que concordam com Ilona sabiam que o convite encerrava
um enorme risco. Imediatamente após sua formulação, o festival de
ataques a Moro e à própria Ilona infestaram as redes sociais. E esta foi
outra ingenuidade de Moro. Não perceber que o convite geraria essa
enorme confusão nas redes, aquelas que Lady Gaga chama de “privadas da
internet”, e que obviamente culminaria na irritação de Bolsonaro, na
bronca que levou e no constrangimento de se ver obrigado a retirar um
convite formulado.
Moro não é o presidente da República. Tampouco faz parte da
equipe que formulou o programa para o governo. Ele é uma pessoa
escolhida para executar parte desse programa. Parte importante, é bom
que se diga. Com o imenso prestígio obtido na Lava-Jato, Moro teria, e
tem, com certeza, mais facilidade para enfrentar os desafios que o
projeto anticrime encontrará pela frente. Mas será sempre um executor.
Quem manda é o chefe. E obedece quem tem juízo.