A economia brasileira, infelizmente, parece condenada há bastante tempo ao sobe e desce de Sísifo: quando tudo parece estar indo bem, a pedra rola ladeira abaixo, lá permanece por algum tempo e em seguida é novamente posta a subir, para depois cair novamente. Não estou me referindo apenas aos ciclos econômicos a que todas as economias estão sujeitas, mas a um fenômeno mais amplo, cuja natureza transcende a economia e que abraça, entre outros campos, o político, o jurídico, o histórico e o psicológico.
Do ponto de vista estritamente econômico, sabe-se há bastante tempo quais são as causas da formação da riqueza (ou da manutenção da pobreza) das nações, a saber, a liberdade econômica, a economia de mercado e o livre comércio. Em outras palavras, a riqueza dos países depende, essencialmente, de um cenário institucional garantidor das liberdades e dos direitos individuais, que proporcione aos agentes econômicos o exercício autônomo e responsável de seu esforço, criatividade, inventividade, trabalho e outras virtudes do espírito humano, diante do problema da escassez.
A diferença entre os liberais e os ditos “progressistas” é que os últimos, guiados pelo construtivismo racionalista, desejam que o Estado, direta ou indiretamente, se aposse do espetáculo, impondo a todos o cenário, o “script“, a rigorosa distribuição dos papéis e os preços dos ingressos referentes a uma peça cujos teor e resultados são pré-concebidos e impostos a todos
Isso decorre, em parte, do princípio católico da subsidiaridade, que se refere ao fato de que as pessoas diretamente envolvidas em qualquer atividade estão em posição melhor para realizar julgamentos mais precisos e, portanto, para realizar as melhores ações do que as que “não pegam na massa”. Os romanos condensavam este princípio na máxima do pintor Apeles (séc. 4 a.C.) — “ne sutor supra crepidam” (não suba o sapateiro acima das sandálias) — pronunciada a um sapateiro que, depois de olhar um de seus quadros e criticar a pintura das sandálias, se pôs a censurar outros pormenores. Uma atitude sem dúvida semelhante à do Estado, quando se propõe a criar riqueza e distribuí-la, tarefas que não lhe competem.
A evidência empírica vem dando suporte às teses liberais que sustentam que a ação livre, autônoma e espontânea dos agentes econômicos, em um pano de fundo institucional que lhes garanta liberdade e segurança física e jurídica, é muito mais adequada à formação e à distribuição natural da riqueza do que aquilo que Hayek chamou de “pretensão fatal”, em que algumas pessoas se consideram em condições de determinar “quanto se vai crescer”, “como se vai crescer”, “quem vai ganhar ou perder”, “quanto se vai ganhar ou perder” etc.
Sempre que governos se arrogam o direito de comandar a economia, a pedra fatalmente termina descendo a montanha, impossibilitando a riqueza de florescer. Os exemplos são inúmeros. Onde quer que se tenha colocado o Estado acima do indivíduo, os resultados sempre foram um desfile de fracassos, e atualmente estamos vendo a confirmação disso na Venezuela e outros vizinhos da América do Sul que não aprenderam a lição.
Nos últimos quatro anos, desde que a nossa economia passou a ser orientada, depois de décadas de intervencionismos diversos, por uma visão liberal, até que Sísifo chegou bem perto do cume: nem a pandemia, nem a guerra na Ucrânia, nem as perturbações energéticas foram capazes de impedir sua subida, e parecia que a maldição estava com os dias contados.
A par disso, no plano macroeconômico, as notícias são também preocupantes: tendência a forte aumento de gastos correntes e da carga tributária, decorrentes da crença no Estado como promotor do crescimento; e ausência de compromisso com o controle da inflação. Em resumo, dois venenos simultâneos: (1) regime fiscal deficitário, que acarretará dívida pública ascendente e juros mais altos, e (2) regime monetário expansionista, a dizer, inflação.
Nos últimos quatro anos, desde que a nossa economia passou a ser orientada, depois de décadas de intervencionismos diversos, por uma visão liberal, até que Sísifo chegou bem perto do cume: nem a pandemia, nem a guerra na Ucrânia, nem as perturbações energéticas foram capazes de impedir sua subida, e parecia que a maldição estava com os dias contados
Por isso, é importantíssimo olhar para o modo como se relacionam entre si as autoridades fiscais e monetárias. Há três tipos de relações.
Na primeira, o Banco Central não é independente e não existe expectativa de aumento de preços. Nesse caso, se o Banco Central adotar uma política de austeridade monetária, as autoridades fiscais terão de financiar o seu déficit tomando mais dívida, o que fatalmente jogará a taxa de juros para cima, e, mais cedo ou mais tarde, a autoridade monetária será forçada a sancionar a inflação. Portanto, neste primeiro caso, apertos na política monetária hoje podem implicar inflação no futuro.
Na segunda, o Banco Central também não é autônomo, mas há expectativas de que os preços vão subir. Nesse caso, o déficit fiscal terá de ser suprido também por mais dívida, isso também vai provocar aumentos na taxa de juros, mas, dada a influência das expectativas, os agentes econômicos anteciparão a inflação de preços, obrigando a autoridade monetária a sancioná-la já, pela emissão de moeda. Portanto, na presença de expectativas de inflação, apertos na política monetária agora podem significar inflação imediata.
Por fim, a terceira relação acontece quando o Banco Central é independente (como o nosso) e as autoridades fiscais continuam a gerar déficits substanciais, como tudo indica que virá a acontecer no Brasil. Nesse caso, a queda de braço entre política monetária austera e política fiscal festeira fatalmente vai desembocar em quebradeira generalizada: pelo lado monetário, o Banco Central terá de aumentar seguidamente e cada vez mais a taxa de juros, em razão de sua obstinação em não admitir inflação; e, pelo lado fiscal, o crescimento vertiginoso da alternativa solitária para financiar o déficit, ou seja, da dívida pública, implicará irremediavelmente aumento da taxa de juros. O resultado de tudo isso é que provavelmente a inflação não vai explodir, mas o Estado vai literalmente quebrar, arrastando com ele o setor produtivo, ou seja, empresas, empreendedores e trabalhadores.
Isso que você acabou de ler, por mais preocupações que acarrete, não tem absolutamente nada a ver com ideologia política, nem com essa ou aquela escola de pensamento econômico, nem com simpatias ou antipatias por esse ou aquele economista ou aqueloutro político. É, simplesmente, aritmética básica, aquele velhíssimo conjunto de operações numéricas elementares, ensinado desde a nossa mais tenra infância por alguma “tia” abnegada e querida.
E o custo de se desafiar a aritmética, nesse caso, poderá ser extremamente elevado. Força, Sísifo!
Leia também “Um conjunto de barbaridades econômicas”
Instagram: @ubiratanjorgeiorio
Twitter: @biraiorio