"Os direitos são o âmago de uma Constituição. O artigo 5º é chamado de cláusula pétrea porque no art. 60 a Carta estabelece que não será sequer examinada proposta destinada a abolir os direitos e garantias individuais"
No Dia do Trabalho, milhões de brasileiros, mesmo com risco da covid-19,
saíram às ruas na maior parte das cidades para apoiar o governo,
protestar contra o Supremo, exigir voto auditável e deixar uma
procuração ao presidente, com a voz de “eu autorizo!” Por que esse
grito? Porque o presidente, mais de uma vez, pediu um sinal do povo,
diante do desrespeito que temos testemunhado, em relação à Constituição.
Mas como saber se a mais basilar das leis está sendo
desrespeitada? Escrevi no Twitter que basta ter à mão um exemplar da
Constituição e saber ler. Como disse o Doutor Ulysses, ela é cidadã,
fácil de entender o que está escrito. Vamos então fazer um passeio por
ela?
Antes de mais nada, para entender o grito de sábado, o
primeiro artigo: todo poder emana do povo.
Já o segundo artigo diz que o
Legislativo, o Executivo e o Judiciário são independentes e harmônicos.
Aí, você já vai estranhar que o Judiciário mande o Senado abrir CPI,
prenda deputado federal, proíba o presidente de nomear seu subordinado
diretor da Polícia Federal, mande o Executivo fazer o Censo, mesmo sem
recurso no Orçamento, dê prazo para a autônoma Anvisa aprovar a vacina
Sputnik V e até altere ordem de vacinação de Executivo estadual.
Os direitos são o âmago de uma Constituição, desde a
Magna Carta Libertatum, de 1215.
O artigo 5º, dos Direitos e Garantias
Individuais e Coletivos, é chamado de cláusula pétrea, porque no art. 60
a Carta estabelece que não será sequer examinada proposta destinada a
abolir os direitos e garantias individuais.
No entanto, já se
desprezaram, no mínimo, os incisos VI (liberdade de culto), IX (livre
expressão sem censura), XI (casa asilo inviolável), XIII (livre
exercício do trabalho), XV (livre locomoção em tempo de paz), XVI
(liberdade de reunião sem armas), LVI (inadmissíveis provas ilícitas).
Também desrespeitados o art. 53 (inviolabilidade do mandato por
opiniões, palavras e votos), art.127 (Ministério Público essencial, que
faltou ao abrir o inquérito das fake news), art. 220 (liberdade de
informação sem restrição — com jornalista preso há quatro meses).
[nos parece que faltou ao Doutor Ulysses, a inspiração para inserir no texto constitucional, com redação clara e insuscetível de ser violada via interpretação criativa ou algo do tipo, um dispositivo determinando que cabe ao Supremo Tribunal Federal a interpretação da Constituição Federal, porém, no desempenho de tal atribuição a Suprema Corte está obrigada a fundamentar o resultado de sua interpretação, sendo vedado que o texto constitucional seja interpretado em decisão monocrática, e qualquer interpretação deverá ser aprovada, antes de entrar em vigor, por no mínimo seis ministros.
Também esqueceu o doutor Ulysses de estabelecer que no desempenho da missão de intérprete da Carta Magna, o Supremo não pode legislar, competência exclusiva do Poder Legislativo e as decisões que interpretem o texto constitucional só poderão ser reanalisadas após o mínimo de 180 dias.]
Em
2016, o então presidente do Supremo, conduzindo julgamento no Senado,
deletou parte do art. 52, em que a presidente condenada deveria ficar
inabilitada para cargo público por oito anos.[felizmente o povo mineiro cassou em definitivo a decisão do então presidente do Supremo = a presidente condenada perdeu feio as eleições que o presidente do Supremo queria que ganhasse.] É a discrepância entre fatos e que o cidadão encontra
na Carta — que garante nossas liberdades. E liberdade, contrariando
Exupéry, é o essencial que está bem visível aos nossos olhos, na
Constituição.
Alexandre Garcia, jornalista - Correio Braziliense