A pena de plantão
O que
houve no domingo não foi uma crise no Judiciário, mas sim um evento destoante
prontamente resolvido no próprio tribunal regional e que nem chegou à última
instância. As idas e vindas da ordem de soltura de Lula ficará como ato sem cabimento
de um desembargador que tentou usar de forma equivocada o período em que
respondeu pelo tribunal como plantonista. A questão do Judiciário é mais grave.
Hoje o
temor que existe é de politização das decisões de alguns dos magistrados de
instâncias superiores. O sinal mais revelador desse risco foi dado pelo
ministro Dias Toffolli, que vai assumir em setembro a presidência do Supremo
Tribunal Federal (STF). O que pesa sobre o país é a dúvida sobre a sua primeira
lealdade. Se será às leis e à Constituição ou às convicções com as quais foi
para o STF. O evento de Porto Alegre é apenas um alerta de como se pode usar de
forma errada um poder temporário dado à instituição e não à pessoa que exerce o
cargo.
É óbvio
para qualquer iniciante em Direito que o assunto da prisão de Lula já estava
afeto ao Superior Tribunal de Justiça (STJ). Esta era a instância. Está também
claro de que o argumento que sustentava a tese da urgência da decisão do
desembargador Rogério Favreto não fazia sentido. O ex-presidente Lula já se
declarou pré-candidato há muito tempo, não é de hoje, portanto não se justifica
que o desembargador use a manhã de um domingo, no qual ele respondia pelo
tribunal, para desfazer o que fora feito. O TRF-4 julgou Lula, analisou todos
os recursos, e o assunto subiu ao STJ.
O evento
foi resolvido não sem muito ruído. O juiz Sérgio Moro é de primeira instância e
portanto não tem poder para desfazer uma ordem de desembargador, mas o que ele
fez foi alertar que o juiz natural teria que ser ouvido, no caso o
desembargador João Pedro Gebran Neto, que se pronunciou, sim, a favor da
manutenção do preso em custódia. Mais espantoso foi o outro passo de Favreto,
de insistir na libertação de Lula. O presidente do TRF-4, Thompson Flores,
restabeleceu a ordem em sua jurisdição. O evento poderia se esgotar aí, uma
decisão extemporânea de um desembargador, que foi corrigida a tempo pelo
presidente do tribunal regional. Porém os fatos recentes alimentam a
preocupação com os rumos do Judiciário no Brasil.
Ser juiz
de primeira instância é resultado de concurso. Daí para diante, a escolha
começa a ficar cada vez mais política. Presidentes escolhem desembargadores e
indicam ministros de tribunais superiores. Tudo funciona perfeitamente quando o
indicado não acha que deve pagar com a toga o posto a que chegou. A
independência do Judiciário é para que o magistrado possa tomar suas decisões,
desconsiderando a conjuntura política que sempre será mutante.
O
problema, como disse o ministro Carlos Velloso, são os exemplos dados no Supremo
Tribunal Federal, em que alguns ministros têm tomado decisões à despeito do que
foi decidido pelo plenário. Além disso, há as decisões controversas. É difícil
explicar a libertação de Paulo Vieira de Souza, ex-diretor da Dersa, suspeito
de ser o operador do PSDB, decidida pelo ministro Gilmar Mendes. É igualmente
difícil entender o voto do ministro Dias Toffolli no caso do ex-ministro José
Dirceu, condenado duas vezes pelo mesmo crime de corrupção, no Mensalão e na
Lava-Jato, através de um habeas corpus de ofício. O temor do país é que alguns
dos ministros do Supremo estejam decidindo de acordo com convicções e lealdades
políticas. Isso precisa ser esclarecido porque em pouco mais de dois meses o
ministro Dias Toffolli ocupará a presidência do STF em momento de muito
conflito político no país.
O país
não pode viver no sobressalto da pena de plantão. Tem que confiar na segurança
do Estado de Direito. Não pode temer ou ter esperança no desembargador de
plantão ou no ministro ao qual caberá a presidência do STF. Todo o poder que
têm juízes, desembargadores e ministros não emana de quem os indicou ou do
grupo com o qual ele pessoalmente se identifica, mas sim das leis e da
Constituição do país. Se isso se perder, o país terá tido um aprofundamento
fatal de sua crise. O fundamental é que cada magistrado saiba qual é a sua
primeira lealdade.