O presidente do Senado,
Renan Calheiros, é a versão moderna do bigorrilho. Extraído de uma marchinha de carnaval
dos anos 60, o termo serviu na época para qualificar os políticos que tinham
especial apreço pelo governismo, mesmo que seu partido fosse da oposição. Pois
o senador alagoano, contrariando decisão de seu partido, o PMDB, vem se
esforçando como poucos para dar conforto à presidente Dilma Rousseff neste
momento de grande aflição.
Renan é um personagem emblemático
da profunda crise moral pela qual passa o país. O senador tem contra si quase uma dezena de
inquéritos que apuram seu envolvimento no Petrolão, e seu passado
não muito remoto inclui outras traquinagens de semelhante jaez, e mesmo assim
ele não se constrange em se apresentar, de cara limpa, como um campeão da
democracia e do equilíbrio institucional. Sua participação no intrincado jogo
do impeachment não deixa dúvidas de que, malgrado seu discurso de total
isenção, Renan trabalha exclusivamente para se abrigar do vendaval da Lava
Jato.
Sua função institucional como
presidente do Senado – que definirá se o processo contra Dilma
seguirá adiante depois de aprovado na Câmara – é um de seus principais trunfos. Será Renan o responsável por
estabelecer a velocidade da tramitação, dando aos governistas precioso tempo
para tentar recompor suas forças.
Renan também tem trabalhado com
afinco para sabotar o empenho do vice-presidente Michel Temer para unir o PMDB. A multiplicação dos bigorrilhos
é uma ação crucial para o governo, porque a fragmentação do PMDB indica aos
demais partidos da base que talvez não haja consenso em torno do impeachment –
e, portanto, seria imprudente abandonar o governo e seus preciosos cargos e
verbas neste momento, quando a contabilidade dos votos contrários a Dilma ainda
não está clara.
Autêntico como uma nota
de três reais, Renan vem dando declarações segundo as quais não se intrometerá
nas discussões internas do PMDB a respeito do desembarque do governo, mas
alguns dos ministros peemedebistas, como bons bigorrilhos, decidiram permanecer
em seus cargos justamente depois de uma reunião na casa do bigorrilho-chefe.
Além
disso, Renan disse considerar que “não
foi um bom movimento” a decisão do
PMDB de romper com o governo. O senador pretende assim dividir o partido,
que já não é exatamente um primor de consenso, especialmente quando se trata de
abandonar um governo – algo que o PMDB não sabe bem como fazer. Com isso, Renan
ajuda a criar um clima de confusão que só beneficia a presidente Dilma.
Tudo isso seria apenas parte do
jogo não fosse a posição central ocupada por Renan. O
presidente do Senado garantiu, com a candura dos inocentes, que vai apenas
exercer seu papel institucional. Questionado recentemente por que deixou
de comparecer à reunião do PMDB que decidiu pelo rompimento com o governo,
Renan saiu-se com essa: “Não devo
comentar porque qualquer comentário que fizer será no sentido da partidarização
do papel institucional que exerço como presidente do Senado”. Na mesma
linha, afirmou ainda, a propósito de seu papel no processo de impeachment: “Tenho de me preservar o máximo possível
para continuar com isenção e independência”.
Mas a disposição de Renan em
ajudar Dilma é escancarada. O peemedebista já declarou que
espera que o processo “não chegue” ao
Senado, isto é, que seja derrubado ainda na Câmara. Caso o impeachment vá adiante e caia em suas
mãos, Renan também já manifestou disposição de usar todo o prazo
previsto em lei para a tramitação – seis
meses –, dando tempo para que o governo crie ainda mais confusão.
Com a Lava Jato e o Supremo
Tribunal Federal em seu encalço, Renan decerto espera que seu investimento na
operação de salvamento de Dilma frutifique, na forma de alguma proteção contra
aqueles que pretendem obrigá-lo a finalmente prestar contas à Justiça. É por
essa razão que, conforme diz a marchinha do bigorrilho, “ele tem que sair/ele tem que sair/ele tem que sair/ele tem que sair”.
Fonte: Editorial do Estadão