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quarta-feira, 22 de março de 2017

Condução forçada de blogueiro petista, Constituição e o que penso

A ser verdade que Eduardo Guimarães foi instado a revelar sua fonte à PF, estamos diante de uma clara agressão a três dispositivos da Carta Magna

Lá vamos nós cuidar de assuntos difíceis. Lá vou eu fazer o que os meus adversários não fariam.

Aliás, os tempos andam tão favoráveis a covardes, a pusilânimes, a amoralistas que mesmo alguns aliados recuam quando percebem que a luta pode se tornar mais dura. Preferem ser doces com aqueles que os desprezam. É típico da psicologia de um covarde: está sempre implorando o olhar condescendente do inimigo. Sente-se protegido. E passa a alimentar rancor pelo aliado que lhe cobra coerência. A que me refiro? Antes do fato, que já foi noticiado por Mônica Bergamo, um pouco de memória.

Existe um blogueiro de esquerda chamado Eduardo Guimarães. Ele edita o “Blog da Cidadania”. Os que conhecem a página sabem que só não sou chamado de “santo” pelo sr. Guimarães. Todo o resto é permitido, em textos e comentários. Quando eu fazia “Primeira Leitura”, chegamos a trocar e-mails. Ele comentava na página. Nas vezes em que falamos, houve cordialidade, até onde me lembro.

Quando ele criou a página, passei a ser do demônio de plantão dele e de seus parceiros de jornada nos blogs que passaram a ser conhecidos como “sujos”, alcunha que eles próprios assumiram depois. Era uma tentativa de ironia. Virou uma manifestação de sinceridade.

E por que sujos? Porque a maioria, senão a totalidade, era alimentada por dinheiro público, por verba publicitária do governo federal, das estatais, dos sindicatos, de unidades da federação estaduais e municipais comandadas pelo PT. Não sei, nem interessa agora, se Guimarães foi um dos contemplados por Petrobras, Banco do Brasil, CEF, Correios e afins. Sua página, com certeza, tinha mais visibilidade do que a de alguns pistoleiros profissionais.

Uma coisa é certa: ele integrava o pool dos ditos “blogueiros progressistas”, que volta e meia “entrevistavam” (pensem nessa palavra com muitas aspas) Lula e Dilma. Não é originalmente jornalista — desconheço a profissão primeira. Mas reconheço que sua página conservou um viés de militância petista que os “profissionais” haviam perdido. Afinal, queriam era dinheiro!
Agora ao ponto.
Leio na coluna de Mônica:
“O juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal do Paraná, determinou a condução coercitiva do blogueiro Eduardo Guimarães, que edita o Blog da Cidadania. A Polícia Federal cumpriu o mandado na manhã desta terça (21) e levou o profissional para a superintendência do órgão, onde ele deu depoimento. ..."



 

 

 

sexta-feira, 13 de maio de 2016

A luta continua

O PT está fora do poder. E, acreditem, é para sempre. "E você vai fazer depois disso o quê?", perguntam-me os inconformados, como se a minha profissão fosse ser antipetista; como se eu me definisse pelo "não".

Ocorre, para a eventual decepção dos desafetos, que eu me defino pela "coragem grande de dizer 'sim'", citando trecho de uma música de Caetano Veloso –que se deve escrever apenas "Caetano". O que dizer nessa hora? Como Aquiles e Heitor, a despeito do confronto cruento, estou preparado para admirar meu adversário. Mas esse é eco de uma luta mais ancestral do que a "Ilíada", de um tempo em que cada litigante reconhecia no outro grandeza e legitimidade para ser o que é.

Que coisa curiosa! Se os petistas não tivessem reduzido todas as divergências à luta entre a boa-fé, de que se querem monopolistas, e a má-fé a vontade do outro–, então viveríamos no que um poeta chamou certa feita de "a cidade exata, aberta e clara", em que as divergências não se fazem de virtudes que se negam.

A propósito: se o entendimento que os petistas têm do marxismo não fosse tão pedestre, a divergência seria uma etapa do aprimoramento do argumento. Mas não há chance, na terra petista, de o "Deus crucificado beijar uma vez mais o enforcado". Os petistas são incapazes de reconhecer que o arcabouço legal que lhes conferiu quatro mandatos é o mesmo que afastou a presidente.

Que pena! E eu vou fazer o quê? Ah, "hipócrita leitor, meu igual, meu semelhante!" Continuarei na minha militância em favor do individualismo radical. Certa feita, há muitos anos, enviei a um amigo que ainda está nesta Folha o soneto "Spleen", de Baudelaire, a título de um credo político: "Sou como o rei sombrio de um país chuvoso".

Não! Não sou melancólico, mas sei que todas as hipóteses de felicidade jamais estarão fora de nós. Quero um governo que não nos roube o direito à subjetividade mais extremada, ao individualismo mais radical, ao egoísmo mais virtuoso. A demagogia coletivista, de esquerda ou de direita, é nauseante.

Ah, esta é a semana em que o PT vai para o diabo. Eu poderia aqui lembrar um dia de 2010 em que um blogueiro petista muito reputado propôs uma pauta à imprensa: quem eram, onde moravam e como viviam os 5% que achavam o governo Lula ruim ou péssimo? Ele sugeriu no texto que eram leitores deste escriba. E seu post vazava aquele desejo incontrolável de aprisioná-los num campo de concentração moral.

A minha vocação para o vitimismo passivo-agressivo ou para exultação na modalidade falsa modéstia é bem pequena. No fim das contas, lastimo tanta bobagem dita nesses anos e tanta resposta igualmente energúmena. Há muita coisa a fazer neste país, meus caros! Há tanto atraso a vencer neste nosso renitente orgulho nacional da pobreza cheia de caráter!

Dilma se foi! Fico feliz porque ela me deixava mais cansado do que bravo. Seguirei tocando a minha vidinha. Reproduzo os primeiros versos de um poema da admirável Adélia Prado: "Eu fiz um livro, mas oh, meu Deus,/ não perdi a poesia./ Hoje depois da festa,/ quando me levantei para fazer café,/ uma densa neblina acinzentava os pastos,/ as casas, as pessoas com embrulho de pão./ O fio indesmanchável da vida tecia seu curso. (...)"

Eu me interesso, de verdade, é por esse fio. A política é só o tributo que pago ao vício.


Fonte: Folha de São Paulo - Reinaldo Azevedo