O
PT está fora do poder. E, acreditem, é para sempre. "E você vai fazer
depois disso o quê?", perguntam-me os inconformados, como se a minha
profissão fosse ser antipetista; como se eu me definisse pelo "não".
Ocorre,
para a eventual decepção dos desafetos, que eu me defino pela "coragem
grande de dizer 'sim'", citando trecho de uma música de Caetano Veloso
–que se deve escrever apenas "Caetano". O que dizer nessa hora? Como
Aquiles e Heitor, a despeito do confronto cruento, estou preparado para
admirar meu adversário. Mas esse é eco de uma luta mais ancestral do que
a "Ilíada", de um tempo em que cada litigante reconhecia no outro
grandeza e legitimidade para ser o que é.
Que coisa curiosa! Se
os petistas não tivessem reduzido todas as divergências à luta entre a
boa-fé, de que se querem monopolistas, e a má-fé –a vontade do outro–,
então viveríamos no que um poeta chamou certa feita de "a cidade exata,
aberta e clara", em que as divergências não se fazem de virtudes que se
negam.
A propósito: se o entendimento que os petistas têm do
marxismo não fosse tão pedestre, a divergência seria uma etapa do
aprimoramento do argumento. Mas não há chance, na terra petista, de o
"Deus crucificado beijar uma vez mais o enforcado". Os petistas são
incapazes de reconhecer que o arcabouço legal que lhes conferiu quatro
mandatos é o mesmo que afastou a presidente.
Que pena! E eu vou
fazer o quê? Ah, "hipócrita leitor, meu igual, meu semelhante!"
Continuarei na minha militância em favor do individualismo radical.
Certa feita, há muitos anos, enviei a um amigo que ainda está nesta
Folha o soneto "Spleen", de Baudelaire, a título de um credo político:
"Sou como o rei sombrio de um país chuvoso".
Não! Não sou
melancólico, mas sei que todas as hipóteses de felicidade jamais estarão
fora de nós. Quero um governo que não nos roube o direito à
subjetividade mais extremada, ao individualismo mais radical, ao egoísmo
mais virtuoso. A demagogia coletivista, de esquerda ou de direita, é
nauseante.
Ah, esta é a semana em que o PT vai para o diabo. Eu
poderia aqui lembrar um dia de 2010 em que um blogueiro petista muito
reputado propôs uma pauta à imprensa: quem eram, onde moravam e como
viviam os 5% que achavam o governo Lula ruim ou péssimo? Ele sugeriu no
texto que eram leitores deste escriba. E seu post vazava aquele desejo
incontrolável de aprisioná-los num campo de concentração moral.
A
minha vocação para o vitimismo passivo-agressivo ou para exultação na
modalidade falsa modéstia é bem pequena. No fim das contas, lastimo
tanta bobagem dita nesses anos e tanta resposta igualmente energúmena.
Há muita coisa a fazer neste país, meus caros! Há tanto atraso a vencer
neste nosso renitente orgulho nacional da pobreza cheia de caráter!
Dilma
se foi! Fico feliz porque ela me deixava mais cansado do que bravo.
Seguirei tocando a minha vidinha. Reproduzo os primeiros versos de um
poema da admirável Adélia Prado: "Eu fiz um livro, mas oh, meu Deus,/
não perdi a poesia./ Hoje depois da festa,/ quando me levantei para
fazer café,/ uma densa neblina acinzentava os pastos,/ as casas, as
pessoas com embrulho de pão./ O fio indesmanchável da vida tecia seu
curso. (...)"
Eu me interesso, de verdade, é por esse fio. A política é só o tributo que pago ao vício.
Fonte: Folha de São Paulo - Reinaldo Azevedo
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