Nunca antes na história
deste país houve tantas oportunidades claras de dizer ‘nunca antes na história deste país’. É raro, hoje em dia, que se passem 24 horas seguidas sem que
aconteça alguma coisa jamais acontecida antes ─ algo sem precedentes, sem
registro anterior, inédito, nunca visto, observado pela primeira vez, e assim
por diante. Há também a questão do tempo. Todas
essas coisas não acontecem desde a proclamação da República, ou o grito do
Ipiranga, ou a assinatura do Tratado de Tordesilhas, ou alguma outra data
imensa que se desbota lentamente na escuridão do passado. Para os
jornalistas, que têm a vaga obrigação de
não repetir demais as palavras que escrevem, é uma chateação.
Mas o que se pode fazer? O ‘nunca antes’ é um bicho que não dá trégua
a ninguém no Brasil de hoje. Ei-lo outra vez: alguém já viu o maior partido brasileiro, o PMDB, sair por vontade
própria de algum governo? Pois foi justamente o que fez na última semana
desse funesto mês de março, ao decidir em três minutos, e por unanimidade, abandonar o
governo de Dilma Rousseff, do ex-presidente Lula, do PT e dos parasitas
pendurados em todos eles ─ mais um passo rumo ao atestado de óbito
de governantes reduzidos, por seus próprios desatinos, a um aglomerado que vive
em delírio, n ão
governa mais nada e declarou guerra à democracia brasileira.
Só um governo patologicamente
ruim conseguiria levar um partido como o PMDB a largar o osso, que roeu em mansa sociedade com Lula, Dilma e o
PT desde que foram para o Palácio do Planalto, treze anos e três meses atrás. É mais uma taça na categoria ‘Obras inéditas’, em que tanto vem brilhando. Nunca se roubou tanto dinheiro público no
Brasil como nos governos de Lula e de Dilma.
Alguém pode citar algum outro?
Nunca
o país foi administrado com uma incompetência tão desesperada. Para ficar
só nos números mais horrorosos e mais recentes, o governo pretende ter um rombo superior a 95
bilhões de reais em suas contas de 2016. Ainda
outro dia, no comecinho do ano, tinha
uma meta de 60 bilhões de déficit ─ não dobrou a meta, como Dilma gosta,
mas tem tempo de sobra para chegar lá até dezembro, caso continue por aí. E a Petrobras?
A empresa sagrada da esquerda nacional fechou
2015 com um prejuízo de 35 bilhões de reais, que se somam aos 20 bilhões perdidos em 2014; há também os 40 bilhões torrados em corrupção
pura, pelos cálculos da Operação Lava Jato. Que outro governo
brasileiro destruiu tanto o patrimônio da Petrobras? Nunca houve uma
campanha tão frenética a favor da corrupção como a que se faz agora sob o
comando de Lula,
e que está à vista de todos com o bombardeio contra
as investigações em andamento no Poder Judiciário ─ especialmente contra o juiz
Sergio Moro, acusado de nazista, bandido, conspirador decidido a eliminar o
estado de direito no Brasil e daí para baixo.
Nunca um governo recorreu tanto à cesta das
soluções cretinas como o atual; seu último feito, aí, é a tentativa de
obter ‘apoio internacional’ contra o impeachment de Dilma e futuros
processos penais em que Lula possa ser réu. Nesse caso já não se trata de estupidez ─ é desvario. Cinco minutos depois de tomar posse, um novo governo
que venha a substituir Dilma já será reconhecido por todas as nações, salvo, talvez, por uma Venezuela qualquer. É bom não contarem com Cuba: hoje o herói de lá é Barack Obama, não Lula, e o grande
projeto cubano é dar-se bem com os Estados Unidos.
Nunca
antes, enfim, um grupo político ameaçado
de ruína bolou uma estratégia de defesa tão alucinada quanto essa tentativa de
barrar o impeachment gritando ‘não
vai ter golpe’. Claro que não vai ter. A lei diz que não é golpe;
aliás, exige que 342 deputados e 54 senadores votem pelo impeachment. O STF diz que não é
golpe ─ escreveu, inclusive, o regulamento a
ser seguido no Congresso para a deposição legal de Dilma.
Câmara e Senado dizem que não é
golpe. A Ordem dos Advogados diz que não é golpe. A
deputada Luciana Genro, comandante de um partido descrito como de ‘extrema esquerda’ e que prega o fim do ‘modelo capitalista’ no Brasil, diz que não é golpe. ‘Não estamos numa situação de golpe’,
garante Luciana; não vem aí, explica ela, nenhum governo que ‘vá censurar, que vá prender, que vá torturar’. Diz que as ‘castas políticas’ estão tentando uma ‘operação abafa’ na Lava Jato e que Moro
‘não é um fascista’. Para completar, diz que ‘Lula é indefensável’ e ‘está comprometido
com os interesses dos megaempresários que saquearam os cofres públicos’.
Depois disso, a quem apelar?
Fonte: J.R. Guzzo – Versão impressa de Veja