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quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

Às portas dos quartéis - Percival Puggina


Quando ministros do Supremo Tribunal Federal passam nas sabatinas e são reprovados no exercício de sua atividade;

quando o Estado se agiganta sobre os bons cidadãos e a expressão “soberania do povo”, por perda de significado, mais parece nome de boteco;

quando milhões clamam contra a corrupção e a Justiça do país lhes entrega um ladrão como presidente;

quando ministros das altas cortes proclamam a transparência de um objeto aparafusado e lacrado, tão opaco quanto uma urna eletrônica, e a ela cobram fé e devoção;

quando, por permissividade e omissão do Congresso, o poder de estado se expressa apenas em canetas fumegantes nas mãos de ministros do Supremo;

quando o topo do Poder Judiciário dispara ameaças aos cidadãos e contrata empresas para atuar como cães farejadores do que é dito e escrito no ambiente digital;

quando restrições de direitos, inclusive sobre os próprios bens, são impostas aos cidadãos, sem possibilidade de defesa, por suposto cometimento de crimes sem leis que os definam;

quando o exercício do direito de expressão assegurado pelo mandato parlamentar pode levar um deputado à prisão, e a Câmara dos Deputados, pela maioria de seus membros, admite convalidar isso;

quando o STF e o TSE, seu braço e chicote eleitoral, rotinizam o crime de ameaça e reintroduzem a censura no país;

quando essa censura atinge a mais radical de suas expressões, alcançando não apenas uma opinião ou informação, mas atingindo, mediante cancelamentos e restrição de direitos, a própria pessoa, seus bens e os bens da família;

quando o STF absorve num único inquérito as funções da delegacia de polícia, ministério público e jurisdição, passando-se anos sem que essas funções se cumpram, em clara evidência de que sua única intenção é dar curso à ameaça, à coerção e à punição antecipada;

quando não parece haver limites para a sanha punitiva aos que, em nome da liberdade e do estado de direito, se expressam contra ela mediante manifestações e protestos pacíficos;

quando jornalistas são presos, veículos silenciados e matérias censuradas sem sequer serem vistas;

quando a maioria do tribunal que dirige o processo eleitoral tem candidato na eleição e, em pleno debate político, impede a mera menção à repulsiva biografia de um candidato enquanto permite a calúnia, a injúria e a difamação do outro;

quando a maioria dos membros do tribunal eleitoral deve o cargo que ocupa ao partido de um dos candidatos e proíbe até mesmo a reprodução de declarações comprometedoras que ele proferiu de própria voz;

quando recursos a sanções impostas devem ser decididos pelo mesmo poder que as impôs e quando esse círculo fechado sobre si mesmo, ante a inação do Congresso Nacional, se transforma no poder político efetivo do país, sobrepondo-se a tudo e a todos;

quando a imprensa não apenas escolhe lado – o que é de seu direito – mas pelo silêncio se torna cúmplice dos abusos de autoridade;

então, a realidade aqui sintetizada caracteriza a falência multilateral e orgânica do Estado de Direito, com o consequente surgimento de um estado de exceção, e só resta à sociedade ir às portas dos quartéis, últimos canteiros de onde pode brotar sua esperança porque a outra leva a bem conhecido inferno na terra.  

Sirvam-nos uma boa e confiável justiça, eleições transparentes e arbitragem isenta, democracia e liberdade e estaremos supridos em nossas singelas demandas cívicas. É por rejeição a arreios e chicotes, senhorios, subserviências e toda forma de tirania que ali se vai.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.

 

quarta-feira, 16 de novembro de 2022

New York, New York - Percival Puggina

I want to wake up in a city

That never sleeps
And find I'm king of the hill
Top of the heap

Essa canção, em que a música de John Kander e a letra de Fred Ebb foram eternizadas na voz de Frank Sinatra, acabou se convertendo num hino da cidade e do sonho americano com o sucesso. Se é possível fazer sucesso lá, mesmo chegando com “sapatos vagabundos”, como diz a letra, é possível fazer sucesso em qualquer lugar.

Convidados pela LIDE, empresa de João Dória, seis ministros do STF brasileiro foram a Nova Iorque para uma conferência cujos temas são a liberdade e a democracia em nosso país. Ouvidas as falas, voltei a lembrar da canção, porque o que vem sendo feito aqui, foi feito lá. Falaram como fazem no STF, todos de acordo, levados por quem concorda e assistidos pelos que aplaudem. A discordância ficou na rua.

No olho da rua, como costumamos dizer, sem perceber que também estamos afirmando a existência de uma visão da rua, como espaço típico do cidadão. O olho da rua também é das passeatas e da praça, Ágora ateniense das manifestações.

Exatamente aí o problema que passou batido nas minipalestras de 10 minutos concedidos aos convidados. 
Unânimes, se disseram guardiões da democracia. 
Brandiram o indicador sem jamais apontar, nem em desvio de rota, nem por esbarrão, para o próprio peito. 
No entanto, um bom exame de consciência lhes diria que a expressão do ministro Barroso ao cidadão que o interrogava sobre o relatório do ministério da Defesa “Perdeu, mané!” – confirma, sem querer, a sensação de que o protagonismo exacerbado do STF e de seu braço eleitoral tinha lado de estar e atuar.
 
Ao falar, o xerife das canetas fumegantes, colocou a “mídia tradicional” no altar das reverências. 
Fica fácil entender por quê. Ela foi, o tempo inteiro, espelho mágico do tribunal! Nenhum tão belo, justo, veraz e prudente na face da terra.  
Uns e outros, mídia tradicional e Corte uniam-se no desprezo às mídias alternativas – alternativas exatamente por isso, para dar voz aos que não a tinham. [ontem, 15 nov, para alegria dos brasileiros, a ex-poderosa e ex-campeã de audiência,  TV Globo, teve que "cair de quatro", diante de, como dizia Ulysses Guimarães,  "sua excelência, o fato". No caso,  o FATO constituído pela amplidão, crescente, das manifestações contra o resultado das eleições.]
Foram elas Deus seja louvado! que retiraram a mordaça de conservadores e liberais, silenciados, não por acaso, também nas salas de aula, nas universidades, nos ambientes culturais. Todos defensores das diversidades, exceto filosóficas ou ideológicas.

Foram elas que replicaram a importância, e sobre tudo a prudência, de instalar impressoras dos votos nas máquinas de votar. Tinham toda razão do mundo e a prova está na mesa dos fatos: a eleição sob questionamento e as perguntas varridas para baixo do tapete. [que agora, insistem em se tornar visíveis e serem apensas até a processos questionando o mandato eleitoral do ELEITO - e tudo conforme permite a Constituição Federal.] 

Estava curioso para saber o que diriam sobre democracia e liberdade. O que ouvi foi a sustentação oral do que produziram no Brasil, onde o olho da rua testemunhou censura, intimidação, repressão, interdições, restrições de direito e uso abusivo do poder.

Percival Puggina (77), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores (www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.