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terça-feira, 14 de abril de 2020

O vírus não espera decisões complicadas - José Pastore

O Globo


Qual pequeno empresário dormirá sossegado após fazer acordos que podem ser questionados pelos sindicatos?

Imaginem uma empresa que precisa faturar hoje para pagar as contas amanhã. Fechada, sem vendas e sem faturamento, ela só pagará suas contas se o empresário tiver uma boa poupança. Esse é o caso das grandes corporações, mas não é o que ocorre com 82% das empresas brasileiras pequenas e médias — que respondem por uma enormidade de empregos. Pesquisas recentes do Sebrae indicam que essas empresas aguentam, no máximo, 12 dias.

O governo lançou inúmeras medidas para acudir as pequenas empresas brasileiras com crédito, diferimento de pagamentos, isenções de impostos e contribuições etc. No campo trabalhista, abriu para elas duas possibilidades de aliviar suas responsabilidades em relação à folha de pagamentos. A Medida Provisória 936 contempla a redução de jornada e a suspensão do contrato do trabalho.

Reconhecendo o clima de catástrofe criado pela pandemia do coronavírus, empregados e empregadores têm a liberdade para fazer acordos individuais simples e expeditos para salvar os empregos. A velocidade é crucial para enfrentar um vírus ágil e competente. O ministro Ricardo Lewandowski, do STF, em liminar, desejava que a redução de jornada e a suspensão de contrato de trabalho tivessem o aval dos sindicatos, pouco se importando com a demora exigida pela CLT. [as decisões do ministro Lewandowski primam pela sensatez e interpretação criativa da Carta Magna - vide perdão parcial [manutenção dos direitos políticos) da 'engarrafadora de vento', no impeachment.] Ontem, reformou sua própria liminar para dizer que os acordos individuais valem, mas que os sindicatos não são arquivistas e que podem provocar as empresas para fazer acordos coletivos diferentes dos individuais.

A insegurança jurídica permaneceu. Qual é o pequeno empresário que vai dormir sossegado depois de fazer dezenas de acordos individuais sabendo que os mesmos podem ser questionados pelos sindicatos? Ou seja, a livre negociação direta entre empregados e empregador constante da MP 936 não teria nada de definitivo.

Lewandowski, com aguçada esgrima, revogou sem revogar. Numa hora de desespero, ele complicou o processo, dando um tiro no peito dos trabalhadores cujos empregos poderiam ser salvos por meio de um acordo individual simples, direto e temporário. Consta que já foram realizados quase 300 mil acordos individuais à luz da MP 936. Com isso, foram salvos centenas de milhares de empregos. Imaginem a insegurança de quem firmou esses acordos se prevalecer a nova versão de Lewandowski!

As variações interpretativas do nobre ministro, com todo o respeito, farão as pequenas e médias empresas darem um passo atrás. Inseguras e não tendo fôlego para aguentar esse clima de insegurança, muitas vão partir para demissões em grande escala, não raro, sem pagar as verbas rescisórias por absoluta falta de recursos decorrente da paralisia econômica ora em andamento e sem data para terminar.
Se vingar, a nova “tese” do ministro Lewandowski provocará um flagelo. O próprio governo estima que serão acrescentados 12 milhões de desempregados em cima dos 12 milhões atuais. São quase 25% da força de trabalho! Um drama que só ocorreu nos Estados Unidos na crise de 1929. Lembro que o empregado despedido hoje não encontrará trabalho (nem informal) por muitos meses. E, para obter as verbas rescisórias, terá de esperar um ano ou mais na Justiça do Trabalho. [VAI VINGAR,SIM.
É recorrente no Brasil que uma suprema decisão de um supremo ministro seja sempre acatada.
Pouco importa que os representantes do povo - deputados e senadores (há dúvidas se nos representam, mas no texto constitucional consta que são nossos representantes) - se reúnem e editam uma lei;
o Presidente da República recebe o projeto e após análise, concordando, o sanciona = vira LEI.
Só que um desses partidecos, ou mesmo políticos, carentes de holofotes, entra no Supremo com uma ação contra a LEI e um ministro, em ato monocrático, analisa, interpreta a seu gosto, e concede uma liminar suspendendo a LEI.
A decisão vale imediatamente e seus efeitos só cessam se, e quando, revogada pelo Plenário da Corte Suprema.] 

É um drama de proporções gigantescas. Ao desconsiderar o estado de guerra criado pela pandemia e ignorar a situação quase falimentar da maioria das pequenas e médias empresas, o ministro Lewandowski deixou-as sem escolha. Na ausência de receita, sem capital de giro e sem perspectivas de breve recuperação e no meio de tanta insegurança, elas serão forçadas a demitir.

Estou certo de que os demais ministros do STF entenderão a destruição econômica e social que um sistema confuso e complexo como o proposto por Lewandowski provocará em todo o Brasil. O governo fez o que pôde. Criou ferramentas simples, ágeis, expeditas e com prazo certo para aliviar o desemprego. Não há por que não usá-las.

José Pastore, professor da Universidade de São Paulo - Jornal O Globo

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segunda-feira, 8 de julho de 2019

A agonia da saúde pública

Em cinco anos, 218 hospitais filantrópicos foram forçados a encerrar suas atividades




A Caixa Econômica Federal acaba de lançar uma linha de crédito no valor de R$ 3,5 bilhões destinada às Santas Casas de Misericórdia e hospitais sem fins lucrativos que prestam serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS). A iniciativa vem se juntar ao programa de aprimoramento e gestão lançado recentemente pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, com dotação de R$ 1 bilhão. Ambos são bem-vindos, mas estão longe de ser suficientes para retirar as Santas Casas da UTI financeira na qual agonizam pela irresponsabilidade do poder público.

Financiadas com recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), as operações de crédito terão duas finalidades: uma voltada para capital de giro e outra para reestruturação, a primeira com prazo para quitação de 5 anos e a segunda, de 10 anos. Os empréstimos poderão ser solicitados até 2022 e terão taxas de juros de 8,66% ao ano, acrescidos de até 3% de spread bancário.

É um pequeno avanço em relação ao antigo programa Caixa Hospitais, que cobrava juros de 20% ao ano. É, porém, uma medida paliativa que alivia os sintomas, mas não ataca as causas da crise. Entre elas, a mais deletéria é a defasagem na tabela de procedimentos do SUS, que não é reajustada há 13 anos. Entre 1994 e 2018 a tabela foi reajustada em 93%, enquanto o Índice Nacional de Preços ao Consumidor aumentou 506%.

Muitos governantes, em especial os do PT, capitalizaram votos sobre o atendimento universal e gratuito fornecido pelo SUS. Mas isso foi financiado pela defasagem da tabela, a ponto de o governo cobrir hoje apenas 60% dos custos do sistema. Os outros 40% ficam por conta dos hospitais filantrópicos, entidades privadas sem fins lucrativos que se veem obrigadas a assumir dívidas a juros de mercado com os bancos. Só a Santa Casa de São Paulo paga mais de R$ 500 mil de juros por mês. Em 2005, a dívida dessas instituições era de R$ 1,8 bilhão, hoje ultrapassa R$ 20 bilhões.

Vale lembrar que todo o sistema público de saúde, ao qual recorrem 150 milhões de brasileiros, depende vitalmente dos hospitais filantrópicos, sem os quais ele desmoronaria. E, com efeito, está desmoronando devido às pressões financeiras impostas à rede hospitalar. Os hospitais sem fins lucrativos respondem por mais de 50% dos atendimentos do SUS e entre 60% e 70% dos atendimentos de alta complexidade. São mais de 2.000 entidades hospitalares, um terço do total de hospitais no País, que atendem pelo SUS em mais de 1.300 municípios, e em 968 deles a assistência hospitalar é realizada exclusivamente por elas. Os hospitais filantrópicos disponibilizam quase 130 mil leitos para o SUS, o que representa mais de 37% do total de leitos no Brasil. Nos últimos nove anos, contudo, cerca de 35 mil leitos de internação da rede pública foram desativados. Em cinco anos, 218 hospitais filantrópicos foram forçados a encerrar suas atividades, enquanto naqueles que sobrevivem se acentuam a precarização e a redução de muitos serviços.

Os recursos do FGTS são uma velha reivindicação dos hospitais filantrópicos. “O financiamento é barato, mas não vai resolver o problema”, disse o presidente da Confederação das Santas Casas, Edson Rogatti, por ocasião do lançamento do programa. “O que precisamos é de recursos de custeio para que possamos ter equilíbrio financeiro.”

No fim do ano passado a Comissão de Assuntos Sociais do Senado aprovou um parecer mostrando que todas as medidas tomadas até então eram insuficientes. Na última legislatura, diversos projetos de lei tramitaram, prevendo desde isenções tributárias à instituição de um Programa de Apoio à Assistência Filantrópica Social, mas todos foram engavetados. O autor do parecer, Dalirio Beber (PSDB-SC), fez na ocasião o alerta: “Se as Santas Casas e hospitais filantrópicos entrarem em colapso, levarão junto toda a rede pública de saúde, da qual depende a imensa população carente”. Com as nossas atuais políticas públicas, esse colapso é certo como a morte. É só questão de tempo.

Editorial - O Estado de S. Paulo