Eles estão rindo de quê?
Eduardo Cunha zomba da população, mente, apresenta versões estapafúrdias para sua fortuna na Suíça e manobra pesado (com apoio do PT) para escapar da cassação. E apesar de tudo, ele se mantém no cargo. Por isso, ele acha graça
No Congresso brasileiro, jamais um personagem denunciado na Justiça e sufocado por provas irrefutáveis durou tanto quanto Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A despeito das abundantes evidências de corrupção contra ele, o presidente da Câmara se mantém no poder. Enquanto transforma o posto numa bastilha inexpugnável, Cunha desfia seu rosário de mentiras como se zombasse da população e dos próprios colegas. O peemedebista mantém indefectível fleuma ao apresentar versões mirabolantes e inverossímeis numa tentativa desesperada de convencer a todos que não faltou com a verdade, quando negou ser dono de contas polpudas na Suíça. A última e mais inacreditável historinha contada pelo presidente da Câmara reza que ele fez, na década de 80, 37 viagens à África para vender carne enlatada. O périplo aconteceu em um período de dois anos, época em que Cunha também teria comercializado arroz e feijão, e incluiu passagens por países que sequer existem mais, como é o caso do Zaire. Teria vindo daí, segundo ele, parte de sua fortuna depositada fora do País.
Óbvio. Trata-se de uma versão que não pára
em pé. Como a desculpa que ele invoca de um incrível depósito feito no
exterior por um parlamentar já falecido, o ex-deputado do PMDB mineiro
Fernando Diniz. Segundo Cunha, foram os repasses do colega morto que
ajudaram a rechear suas contas na Suíça. O lobista João Augusto
Henriques, preso na Operação Lava Jato, diz que o depósito teria sido
ordenado por Felipe Diniz, filho do ex-deputado. O conto da carochinha
desmoronou como um castelo de cartas na última semana, depois de Diniz
negar tudo em depoimento à Procuradoria-Geral da República. Não foi a
primeira, nem a segunda, muito menos a terceira vez que Cunha seria
desmoralizado. Em março, Cunha protagonizou cenas teatrais ao ir à CPI
da Petrobras, de surpresa, para negar que tivesse contas não declaradas
no exterior. De lá para cá, pelo menos sete versões
apresentadas por ele caíram por terra. Foram desmentidas de maneira
cabal.
ESTRATÉGIA ANTECIPADA
Em sua edição 2394, de 21 de outubro, ISTOÉ revelou acordo de
Eduardo Cunha com o governo para se manter no cargo
Em sua edição 2394, de 21 de outubro, ISTOÉ revelou acordo de
Eduardo Cunha com o governo para se manter no cargo
Embora Cunha pareça não ligar muito para isso, nada como a
teimosia dos fatos, diria o escritor americano, Mark Twain. Como se
sabe, a mentira é o pecado que mais leva a cassações por quebra de
decoro no Congresso. Por isso, não dá para Cunha brincar por muito tempo
de “Catch Me If You Can (Pegue-me se for capaz)” – comédia dramática
baseada na vida do falsário Frank Abagnale Jr. Por terem sido pegos na
mentira, caíram lá atrás ACM, Jader Barbalho, José Roberto Arruda e
Renan Calheiros. Um experiente parlamentar do PMDB resumiu assim o
funcionamento da Casa: “No Congresso é assim, você pode matar, mas não
pode mentir. Se o parlamentar matar alguém e for perguntado sobre isso
em uma CPI e ele disser que matou, não é cassado, pois caberá fazer sua
defesa nos tribunais. Agora, se ele mentir e ficar comprovado, aí pode
perder o mandato”.
Enquanto ainda ocupa a cadeira mais
importante da Câmara, Cunha age como se, no íntimo, produzisse gostosas
gargalhadas. Como interpretar de outra maneira, que não de modo jocoso e
ultrajante, a iniciativa do parlamentar carioca de registrar um Porsche
Cayenne S, ano 2013, avaliado em R$ 429 mil, em nome da empresa
Jesus.com? Como não tratar como pilhéria ou afronta ao eleitor a ideia
do deputado de usar o e-mail ‘sacocheio@’ para tratar de assuntos
relativos a propinas? Em julho, ao ser indagado se não temia ser o
próximo alvo da Lava Jato, Cunha ousou zombar até da Polícia Federal: “A
porta da minha casa está aberta, podem ir a hora que quiserem. Eu
acordo seis horas. De preferência, não cheguem antes para não me
acordarem”.
Em 2007, indicado por Cunha para presidir Furnas, o ex-prefeito Luiz Paulo Conde
encalacrou-se num negócio rumoroso. Pouco depois da posse de Conde, Furnas abriu mão da compra de um lote de ações por R$ 6,9 milhões. Oito meses mais tarde adquiriu o mesmo pacote, de outra empresa, por R$ 80 milhões. A empresa contemplada foi a companhia Serra da Carioca II, do Grupo Gallway. Quem dirigia o grupo? Lucio Funaro, operador de Cunha.
Por ora, o peemedebista sobrevive com o apoio de 13 partidos e do próprio PT, com o qual celebrou um acordão mês passado em que a moeda de troca foi postergar a decisão sobre o pedido de impeachment da presidente Dilma Rousseff. Na semana passada, num movimento indecoroso, Cunha articulou a renúncia do deputado federal Wladimir Costa (SD-PA) à vaga no Conselho de Ética, foro em que será julgado em breve, para ceder lugar ao seu aliado de primeiríssima hora, Paulinho da Força (SD-SP). Porém, por mais que suas manobras protelatórias surtam algum efeito imediato, seu destino já está praticamente selado. O que irá salvá-lo do cadafalso este ano é a proximidade com o recesso parlamentar, marcado para 17 de dezembro. Cunha trabalha nos bastidores para adiar o desfecho do processo de cassação para depois de abril de 2016. Deve ser bem sucedido na empreitada.
Mas sua saída do cargo já é considerada na Câmara um fato consumado. Cedo ou tarde, ele será apeado do poder, dizem representantes da maioria dos partidos. Para parlamentares ouvidos por ISTOÉ, Cunha agora paga um preço alto por ter achado que poderia prolongar o jogo duplo por meio do qual tentou agradar governo e oposição. “Quem com muitas pedras mexe, uma hora vê uma delas caindo sobre sua cabeça”, disse o líder do PSDB no Senado, Cassio Cunha Lima (PB). “Ele achou que daria conta. Contratou a Kroll nas investigações da CPI da Petrobras, declarou sigilo para os resultados das apurações, nomeou sub-relatores de sua confiança para a Comissão. Pensou que se sustentaria, pois tinha nas mãos um governo frágil e ameaçado, e avançou nas pautas conservadoras para tentar obter apoio popular. Mas agora está ficando cada vez mais insustentável sua situação”, avaliou o deputado Ivan Valente (PSOL-SP).
Fonte: Revista IstoÉ - Com reportagem de Débora Bergamasco e Marcelo Rocha