Foram 80 armas e 483 projéteis extraviados nos últimos 11 anos na sede fluminense
Um
levantamento da direção-geral da Polícia Federal revela que nos últimos 11 anos
cerca de 20% de todas as armas que desapareceram dos estoques da PF no país
saíram da Superintendência do Rio. A instituição informou que foram extraviadas
404 armas em todo território nacional, sendo 80 delas da sede fluminense: uma
média de sete armas por ano que foram alimentar o crime organizado. O
rastreamento, assinado pelo delegado Fabrício Schommer Kerber, diretor de
Administração e Logística (Dlog) da PF, mostra ainda que, no mesmo período, 483
projéteis de vários calibres — incluindo de fuzis, submetralhadoras e pistolas
— desapareceram dos estoques da Polícia Federal do Rio.
A PF de
São Paulo, que aparece em segundo lugar no ranking, teve 38 armas (e 948
munições) desviadas no mesmo período. Em terceiro lugar, aparece a PF do
Distrito Federal com 31 armas. Depois vieram o Pará, com 30, o Rio Grande do
Sul, com 28, e a Superintendência do Ceará, com 23, apontada como a recordista
no número de munição desviada: em dez anos, 1.337 projéteis sumiram da sede,
sendo 917 deles apenas em 2015. No Rio,
foram abertos 66 procedimentos administrativos pela Polícia Federal para
investigar, identificar e eventualmente punir os responsáveis pelos extravios.
Em todo o país, são 388 investigações internas.
O
levantamento, ao qual O GLOBO teve acesso, atendeu a um pedido feito pelo
gabinete do deputado federal Alessandro Molon (PSB), membro da Comissão Externa
da Câmara dos Deputados que acompanha as investigações da Divisão de Homicídios
(DH) para identificar e prender os responsáveis pelo assassinato da vereadora
Marielle Franco (PSOL) e seu motorista, Anderson Franco, ocorrido no Rio, no
dia 14 de março deste ano.
— Os
dados revelam um quadro gravíssimo de desvios de armas bem debaixo do nariz das
forças policiais no Rio. Esta falta de controle expõe uma enorme
vulnerabilidade que é explorada pelo crime organizado, o mesmo que, ano após
ano, faz a população do Rio se sentir cada vez mais refém. É preciso um
controle firme, com inteligência, que feche esta torneira de desvios e ajude a
restaurar a segurança para os cidadãos — afirmou Molon.
Segundo
da Divisão de Homicídios (DH), a munição de calibre 9mm utilizada pelos criminosos
que mataram a parlamentar do PSOL e seu motorista saiu de um lote vendido pela
Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC) para a PF em 2006. Peritos criminais da
Polícia Civil e da Polícia Federal que examinaram os projéteis e cartuchos
encontrados no local do crime, descobriram que a munição é original, não foi
recarregada. Isso porque a espoleta, que provoca o disparo da bala, é original
de fábrica. Em nota,
a PF garantiu que “apura todos os casos de extravio de armas que estejam sob a
cautela de seus policiais”. Informou ainda que “as eventuais punições podem
ocorrer caso, no evento, seja configurada a culpa ou o dolo do servidor
policial, sempre, após procedimento disciplinar formal, garantida a ampla
defesa e o contraditório”.
Ainda
segundo a PF, “o Rio de Janeiro conta com um dos maiores efetivos de policiais
federais do Brasil, tendo recebido também o apoio de milhares de policiais de
outros estados para atuar nos Grandes Eventos que ocorreram nos últimos anos no
estado, quando também existiram alguns casos de extravio de armas desses
policiais e que findaram sendo apurados pela Superintendência da PF no Rio de
Janeiro em razão do local da ocorrência”.
O coronel
reformado da PM de São Paulo, José Vicente da Silva Filho, consultor e
professor do Centro de Altos Estudos de Segurança da corporação, lembrou que o
desvio para o crime de armas compradas legalmente pelas forças de segurança são
os piores. — Todo
mundo se preocupa com a entrada de armas pela fronteira. E deve mesmo ter
atenção para isso. Mas a questão dos desvios de armamento das forças de
segurança para o crime deveria ser encarado como prioridade. O cuidado com as
armas legais, das forças de segurança e de defesa, é crítico no país. Não temos
segurança em nossos estoques — afirmou o coronel.
José
Vicente observa que o maior gargalo no extravio destas armas está nas empresas
de segurança. — A
federação das empresas de segurança informou outro dia que cerca de 600 mil
armas foram compradas por elas em 15 anos. Quando você pergunta à Polícia
Federal (institucionalmente responsável pela fiscalização das empresas) quantas
armas estão em poder das empresas, ela informa que são 300 mil. E eu pergunto:
onde foram parar as outras? É o pior vazamento de todos e fica tudo bem? Todos
anos as empresas pedem autorização para comprar mais armas. Não há castigo.
Deveria ter uma carência. A empresa que teve arma extraviada deveria ficar
alguns anos sem autorização para comprar mais — sugeriu o coronel.
Em 2015,
um relatório do então diretor-geral da PF, Leandro Daiello Coimbra, enviado ao
deputado estadual Carlos Minc (PSB), que presidia a CPI das Armas na Assembleia
Legislativa, mostrou que 17,6 mil armas, cerca de dez mil projéteis e 417
coletes balísticos (à prova de balas) haviam sido desviados, para o crime, de
empresas de segurança sediadas no Estado do Rio. A CPI revelou ainda que um
total de 1.700 armas (de vários modelos e calibres) saíram dos estoques das
polícias Civil e Militar fluminense para às mãos de criminosos no mesmo
período.