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domingo, 13 de agosto de 2017

Fora do tema: Mercado de milhas movimenta mais de R$ 500 milhões ao ano

Sites oferecem aos clientes, em média, R$ 200 a cada dez mil milhas

O mercado de compra e venda de milhas ou pontos de programas de fidelidade ligados a companhias aéreas decolou no Brasil e já movimenta mais de R$ 500 milhões por ano, segundo estimativas de empresas do segmento. Funcionando como um mercado secundário para negociação de milhas, permite ganhar dinheiro com a venda de milhagem ou economizar na compra de passagens com preço reduzido. As transações, como em uma Bolsa, são feitas com base em cotações diárias calculadas considerando a oferta e a demanda por lotes de pontos registrados em programas ligados a aéreas brasileiras e agora também de estrangeiras como TAP.

As empresas desse segmento atuam como intermediárias de duas operações. Numa ponta, compram milhas vendidas pelo consumidor — o valor médio para cada dez mil milhas, na semana passada, era de R$ 200. Na outra, utilizam o estoque de milhagem acumulado nessas transações para emitir bilhetes aéreos que podem custar menos que os vendidos pelas companhias, afirmam os sites especializados. O ganho deles vem de uma taxa cobrada sobre a intermediação. Ou seja, a cotação para definir um preço às passagens vendidas inclui um percentual de 15% a 25%, no caso da Central Milhas, por exemplo, sobre o valor investido pela empresa na compra da milhagem.

Como as milhas são um ativo de valor, o voo desses sites como Elo Milhas, Central Milhas, MaxMilhas e Bank Milhas, dentre outros — não está livre de turbulências. Pela lei vigente, a negociação de milhagem nesse mercado secundário não é ilegal, embora proibida pelos programas de fidelidade. Mas o modelo da operação dos sites, que pede login e senha do cliente dos programa de milhagem para fazer o resgate dos pontos adquiridos, expõe o consumidor ao risco.


Para se ter uma ideia do tamanho do mercado, os gastos com programas de recompensas pelos emissores de cartões de crédito no país — sem incluir o acumulado diretamente em companhias aéreastotalizaram estoque de 137,6 bilhões de pontos no fim de 2016, contra 253,9 bilhões um ano antes, de acordo com dados do Banco Central. Nesse período, o volume de pontos convertidos em produtos e benefícios saltou de 148,7 bilhões em 2015 para 174,5 bilhões no ano passado.  — A queda no saldo de pontos se explica por um movimento duplo: a crise retraiu o consumo, restringindo o uso do cartão. Além disso, pesou a valorização do dólar frente ao real, referência na conversão dos pontos, o que ajuda a reduzir o saldo — diz Roberto Kanter, professor dos MBAs da FGV. — De outro lado, devido à crise, houve maior consumo de pontos pelos participantes dos programas de fidelidade.

O crescimento da demanda pelo uso dos pontos acumulados nesses programas, continua ele, colabora para a criação desse comércio paralelo de milhagem: — A milha funciona como uma moeda, com cotação. Os sites compram milhas por um preço x. Depois, aplicam um percentual sobre o valor na hora de precificar o bilhete que emitiram usando as milhas.
Vale destacar que, somente em 2016, 50,4 bilhões de milhas acumuladas pelo uso de cartão de crédito no país expiraram. Considerando valor médio de R$ 200 para cada dez mil milhas, seria o equivalente a ao menos R$ 1 bilhão jogado fora.
— Se acumulo milhas com a opção de transformar o saldo em um ativo e passo a poder vendê-las, surge uma opção interessante para o consumidor e um mercado secundário, que traz dinamismo ao segmento. Mas é preciso entender melhor a legalidade da prática. As regras precisam ser claras, principalmente em informar os detentores de pontos sobre como usar o benefício — pondera Ricardo Rocha, professor de Finanças do Insper, lembrando que muitos não fazem ideia de como usar pontos acumulados no cartão de crédito.

Roberto Medeiros, presidente da Associação Brasileira das Empresas do Mercado de Fidelização (Abemf) e presidente da Multiplus, responsável pelo programa de fidelidade da Latam, afirma que é possível identificar se uma pessoa está vendendo pontos ou milhas porque as empresas têm o histórico do perfil de uso dos clientes e sistemas de prevenção de fraudes: — Nossa maior preocupação é com as fraudes. Além disso, consideramos que a venda (da pontuação) é um mal negócio porque o cliente perde a oportunidade de resgatar seus pontos em promoções.

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domingo, 5 de junho de 2016

Sistema de transplantes no Brasil sofre com falta de transporte aéreo

Em três anos, 153 órgãos foram perdidos por recusas da FAB

Um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) rasgou o céu do Rio para buscar o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e levá-lo de casa a Brasília. Naquela segunda-feira, 21 de dezembro de 2015, Cunha comandaria uma das últimas reuniões de líderes partidários antes do recesso. O deputado embarcou às 9h15m no Aeroporto Santos Dumont, com mais oito caronas, e antes das 11h estava na capital federal. No comando da Câmara, função da qual está afastado por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), os voos de Cunha a bordo de um avião da FAB eram uma rotina.

No dia anterior, longe do universo burocrático dos políticos brasileiros, uma equipe médica de Cascavel (PR) diagnosticava a morte cerebral de uma adolescente de 17 anos, assassinada com uma facada no pescoço. A mãe não teve dúvidas, diante do diagnóstico, e aceitou doar coração, fígado, pâncreas e rins da filha. No topo da fila do transplante de coração estava o lavrador Firmino Pereira da Cruz, de 59 anos, internado numa UTI em Brasília. A ficha de doadora foi preenchida às 13h de 20 de dezembro. Uma equipe médica do DF se preparou para embarcar e buscar o órgão às 11h do dia seguinte. A FAB, porém, disse que não tinha condições de fazer o transporte.

Firmino havia ingressado na fila do transplante em novembro. Só conseguiu um coração novo em 11 de janeiro deste ano. Debilitado pelos efeitos da doença de Chagas, o lavrador de Santo Antônio do Descoberto, cidade goiana vizinha a Brasília, morreu um mês depois.  — Os médicos nos diziam que o tempo de espera foi longo, que costumava ser menor. Na situação dele, o transplante era a única possibilidade de vida. Pelo menos estar numa fila proporcionou um tratamento melhor — diz Diógenes Pereira, de 23 anos, o filho caçula de Firmino.

— Sei que não puderam doar os olhos e o coração da minha filha. Não fiquei sabendo o destino de todos os órgãos, mas recebi carta de agradecimento por ter ajudado a salvar outras vidas — diz a mãe da adolescente morta no Paraná.

A recusa da FAB no caso de Firmino não foi fato isolado. Em três anos, entre 2013 e 2015, a FAB deixou de fornecer aviões para o transporte de 153 corações, fígados, pulmões, pâncreas, rins e ossos. Os órgãos saudáveis se perderam por conta dessas negativas e da falta de outras alternativas de transporte.  Os registros das recusas são feitos pela própria FAB e pela Central Nacional de Transplantes (CNT), do Ministério da Saúde, unidade responsável por fazer os pedidos de transporte e oferecer os órgãos às centrais de regulação nos estados. O levantamento foi obtido pelo GLOBO via Lei de Acesso à Informação.

O jornal obteve também os dias exatos em que a FAB recusou os pedidos. Nos mesmos dias, a Aeronáutica atendeu a 716 requisições de transporte de ministros do Executivo e de presidentes do Supremo, do Senado e da Câmara. A média é de cinco autoridades transportadas nas asas da FAB para cada órgão desperdiçado. Em 84 casos, ministros e parlamentares retornavam para casa ou deixavam suas casas rumo a Brasília. Quase 4 mil caronas foram dadas nesses voos.

O ritmo do transporte de autoridades, amparado por lei, é intenso. Somente no intervalo entre o preenchimento da ficha da adolescente do Paraná como doadora e o horário previsto para captação e transporte do coração, a FAB levou Cunha e outras quatro autoridades. O deputado George Hilton (PROS-MG), então ministro do Esporte, deixou Belo Horizonte rumo a Brasília. O então ministro da Educação, Aloizio Mercadante, foi para Aracaju. Renan Calheiros (PMDB-AL), presidente do Senado, voou de Maceió a Brasília. O presidente do STF, Ricardo Lewandowski, de São Paulo à capital federal. As autoridades que usam aviões da FAB não são avisadas sobre a necessidade de usar o avião para captar um órgão.

Não há em sistemas da FAB registros de recusas a pedidos de transporte de autoridades. Já as negativas para transporte de órgãos aumentaram, entre 2013 e 2015, de 52,7% a 77,5% dos pedidos feitos. Para 153 “nãos”, a instituição disse apenas 68 “sims”.

A legislação brasileira não obriga a Aeronáutica a transportar órgãos para transplante. O que existe é um termo de cooperação envolvendo Ministério da Saúde, empresas de aviação comercial e FAB. Até hoje, não houve casos de recusa de companhias aéreas de transportar órgãos para o transplante. O transporte é encaixado nas rotas existentes e é feito gratuitamente. Apenas em 2015, 3,8 mil voos comerciais transportaram órgãos para serem transplantados.

A FAB é acionada nas situações mais críticas, em que não há como usar uma rota comercial e nos casos de tempos de isquemia curtos. Este é o prazo máximo possível entre a extração do órgão do doador e o enxerto no receptor. Para o coração e o pulmão, são quatro horas. A CNT sempre aciona a FAB nos casos de oferta de coração. Se não há receptor no estado onde o órgão foi doado — a fila de espera é nacional —, a central tenta fazer o coração chegar a outras regiões. Dos 435 pacientes que entraram na lista do coração em 2015, 145 (33,3%) morreram.

Na fila por um coração, Firmino estava no topo da lista, com recomendação de atendimento prioritário. O agricultor era analfabeto, vivia com a família numa chácara e convivia com o medo da morte. Os protozoários do mal de Chagas geram fibroses no coração. Firmino descobriu a doença na década de 1990. — Meu pai foi internado definitivamente numa UTI em 22 de novembro do ano passado. Logo entrou na fila do transplante — diz Diógenes.

INFOGRÁFICO: Os órgãos com transporte recusado e os voos das autoridades

[enquanto os doentes graves sofrem com a falta de transporte urgente de órgãos que poderiam salvá-los, Dilma, a Afastada, dispõe de transporte aéreo da FAB a hora que quiser e para o local que desejar.]

Firmino, família e médicos saíram otimistas da cirurgia feita em janeiro, quando um coração surgiu em Brasília. Mas uma infecção pulmonar mudou os prognósticos de recuperação. Após a morte do pai, Diógenes ainda não criou coragem para voltar ao hospital.


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