Por
que a Câmara dos Deputados aprovou a prisão do deputado Daniel Silveira,
silenciou perante o “fique em casa” e o “lockdown”, aceitou os
primeiros ataques à liberdade de expressão e tolerou que até seus
membros fossem sancionados com restrições de direitos de uso das redes
sociais?
Por que, como
poder de Estado com legitimidade para representação do povo,
conformou-se quando a cúpula do Judiciário foi assumindo competências do
Governo e do Parlamento?
Por que se
aquietou quando ato soberano de concessão de graça a um parlamentar foi
jogado à lixeira no plenário do STF?
E por que o Senado da República
nunca reagiu aos abusos de poder, reelegeu com ampla margem o mais
omisso de seus presidentes e nada faz para conter a onda totalitária que
agora conflui ao novo governo? Por que apenas uns poucos e valorosos
discursos ousaram protestar contra a violência que caracteriza a
cassação do deputado Deltan Dallagnol?
Nesse já
longo e sinistro caminho, enquanto tantos se ocupam com a CPI das
apostas, das Americanas, das criptomoedas, e outras questões de variado
porte, uns poucos e bravos deputados custam a encontrar assinantes para a
CPI do abuso de autoridade. Então, cravo aqui mais um “por quê?”.
Há várias
respostas, mas a essencial é a enorme distância que nosso sistema de
eleição proporcional estabelece entre os parlamentares e os cidadãos,
entre Brasília e a Santana do Livramento onde nasci.
Em nosso sistema,
deputados e senadores só têm contato com quem está na sua bolha. Não são
abordados, nem conhecidos.
Menos ainda são reconhecidos e cobrados por
quem está fora de seu convívio, de suas equipes e dos recursos que
liberam em destinações específicas. Cristalizou-se no Brasil um sistema
antipovo.
Por isso,
temas da cidadania não suscitam interesse do parlamento, a menos que, em
surtos de animação, as redes sociais sejam acionadas. Por isso, cá nas
escarpas da realidade, longe da planície dos favores, costumamos dizer
perante raros congressistas favorecidos por convite para se manifestar
em algum canal de tevê: “Esse me representa!”.
É o cidadão brasileiro
que habita em nós diante de alguém que desviou os olhos dos interesses
pessoais e viu a nação, viu a democracia solapada, o estado de Direito
corrompido, a liberdade sendo suprimida, os brutamontes se multiplicando
e elevando o tom de voz.
Os temas da
cidadania morrem à míngua com esse sistema eleitoral! Creia, leitor
amigo, voto distrital faz de cada deputado representante de todos em seu
distrito, devedor de explicações a quaisquer de seus cidadãos. Se não
os representar bem, perde o mandato por decisão daqueles que o
concederam. É vacina indispensável à cura da enfermidade que descrevi,
capaz de sanar o primado da estupidez e da aberração instalado no país.
Sei que isso não é fácil nem para já.
Por enquanto, só posso apontar a
razão não-monetária pela qual nosso Congresso não lhe dá a mínima bola,
cidadão.
Os votos da reeleição já estão sendo comprados com recursos da
torneira conectada a seu bolso.
Percival
Puggina (78), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto,
empresário e escritor e titular do site Liberais e Conservadores
(www.puggina.org), colunista de dezenas de jornais e sites no país.
Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia;
Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.