Em
matéria de prisão de condenados na segunda instância, Gilmar Mendes pode ser a
favor de tudo ou absolutamente contra qualquer outra coisa. Em 2016, o ministro
ajudou a compor a maioria de 6 a 5 que alterou a jurisprudência do Supremo
Tribunal Federal para permitir a execução das penas depois de esgotadas as
possibilidades de recurso no segundo grau. Agora, acha que é melhor permitir
aos encrencados que recorram em liberdade pelo menos até o Superior Tribunal de
Justiça, uma Corte de terceira instância.
O Gilmar
que se expressou no voto proferido em outubro de 2016 tinha o desejo de
aproximar o Brasil do “mundo civilizado”, onde não se exige o esgotamento de
100% das possibilidades de recurso para que um condenado vá para o xadrez. O
novo Gilmar deseja oferecer aos sentenciados a oportunidade de contratar bons
advogados para protelar a execução da pena até o STJ. Ali, indicam as
estatísticas oficiais, o percentual de absolvições de condenados nas instâncias
inferiores é ínfimo: 0,62%. Mas é enorme a possibilidade de procrastinação.
Há dois
anos, Gilmar achava que o princípio da presunção de inocência não impedia a
prisão em segunda instância, pois essa garantia individual se enfraquecia à
medida que os encrencados evoluíam da condição de investigados para o estágio
de condenados. Se antes queria prender, agora Gilmar dedica-se a soltar presos.
Anuncia de fronte alta que, desde maio de 2017, passou a deferir pedidos de habeas
corpus, na contramão da jurisprudência que ajudara a criar. “Não é um, não é
dois, não é três. São muitos!”, disse o ex-Gilmar, sobre a quantidade de
detidos que devolveu ao meio-fio.
Em sua
versão 2016, Gilmar celebrava a perspectiva de melhoria dos presídios
brasileiros com a chegada de condenados endinheirados. Remodelado, o Gilmar de
2018 esgrime a bandeira dos direitos humanos. E critica “o populismo” e “a
demagogia” de quem deseja saciar “essa onda de punitivismo que está por aí.”
Antes,
Gilmar soltava fogos para a evolução que a carceragem da Polícia Federal de
Curitiba experimentou depois da deflagração da Operação Lava Jato. Informado de
que o banho frio havia sido substituído por chuveiro quente, o ministro saudou:
“São as melhorias que estão ocorrendo a partir desses ilutres visitantes dessas
celas”. Agora, ao mesmo tempo em que oferece refresco aos condenados ilustres,
Gilmar ataca a Lava Jato em timbre ácido.
O
ministro explica que mudou de posição não por enxergar amigos aguardando na
fila das condenações, mas “porque nós estamos cometendo injustiças aos
borbotões.” Mais: “Estamos fortalecendo um estamento que não terá mais
contraste.” Gente como delegados, procuradores e juízes. Pior: “Quando a gente
analisa os casos da Lava Jato, a prisão em segunda instância é uma balela,
porque na maioria dos casos ela começa em primeiro grau como prisão
provisória.”
A mudança
de posição rendeu críticas a Gilmar, que passou a arrostar inclusive
hostilidades nas ruas. Mas ex- Gilmar atribui a animosidade à sanha
persecutória da mídia, não ao seu vaivém doutrinário. O ministro dá de ombros
para o fenômeno: “Se nós tivermos que decidir causas como esta porque a mídia
quer este ou aquele resultado, melhor nós nos demitirmos e irmos para casa.”
Blog do Josias de Souza