O juiz associado ao investigador não é novidade no Brasil
Embora produtos de crime, as provas da relação funcional entre o juiz da Lava-Jato, hoje ministro Sergio Moro, e o chefe da força-tarefa da operação, procurador Deltan Dallagnol, têm valor e suas consequências imediatas já são notadas. Pelo que se pode antever, fazem mais mal a eles próprios do que às circunstâncias de seus cargos e carreiras, bem como daqueles por eles investigados e punidos. [antes de adotar qualquer medida punitiva contra o ministro Sergio Moro (o CNJ já se declarou incompetente para julgar ex-juiz) ou contra os procuradores (a decisão absurda do chefe do CNMP ao mandar investigar os procuradores por possível falta funcional não vai dar em nada, a não ser comprovar que é tão absurda quanto outras adotadas até mesmo pelo STF) - provas inválidas não sustentam processo disciplinar, penal ou de qualquer natureza.]Nesse episódio, não acontecer nada, ficar tudo por isso mesmo, é impensável. Esta é a convicção de especialistas dos meios jurídico e político. O que vem por aí, concretamente, porém, se conhecerá aos poucos. A Lava-Jato, para começar, não muda do seu atual estágio e temperatura. É jogo feito, já identificados e punidos centenas de corruptos, a cultura anti-roubo de dinheiro público se enraizando na preocupação da sociedade, formação de uma linha de combate à corrupção endêmica e muitos benefícios mais. A operação tinha perdido seu ímpeto com a saída do juiz Sergio Moro, continuará a existir, ainda que rotineiramente, diluída por outras varas, em outros Estados, um pouco mais morna.
Para o governo Jair Bolsonaro não fazem muita diferença as descobertas de agora. O benefício que Moro poderia levar a ele, em termos de popularidade e confiança, já levou. Aliás, Bolsonaro deve sua eleição, numa visão mais panorâmica, à Operação Lava-Jato e à campanha que procuradores realizaram, ao longo de cinco anos, contra os políticos em geral. Interessa a Bolsonaro continuar mantendo Moro a seu lado não só pelo prestígio de que ainda desfruta o juiz como pela carreira política que poderão trilhar juntos. [o apoio popular do povo continua a favor de Moro - para o povão, o que importa é corrupto preso, ladrão puxando cadeia, o presidiário Lula bem representa a realização desse desejo popular; ao povo pouco importa que juízes conversem com procuradores e advogados, o que jamais aceitarão é que juízes sejam amigos de ladrões.
Até o presente momento a autenticidade do material publicado foi provada - sequer por um 'print screen'.] Enquanto popular e respeitado Moro for e estiver na ribalta, Bolsonaro será páreo para Lula, um ex-presidente revigorado se vier a sair da prisão. Moro fica no governo um pouco mais apagado, mas não por isso. Também porque não entregou ainda o que seria seu principal ativo para o futuro, uma ação notável na área de segurança pública.
Haverá, também, consequências na esfera legislativa. A lei do abuso de autoridade deve ser votada, entre outras iniciativas. Além dela, por exemplo, devem ressuscitar um projeto que cria a figura do juiz de instrução,que participa da investigação, determina busca e apreensão para reunir provas, mas não é o juiz que vai julgar o processo. O Congresso, os políticos condenados e, sobretudo Lula, cuja defesa questiona exatamente a falta de isenção do juiz da Lava-Jato, o que agora teria sido comprovado, podem esperar por dias melhores. Se a tese da defesa do ex-presidente sair vitoriosa no julgamento de seu habeas corpus, no próximo dia 25, não se enxergará o fim da fila de vítimas da ação heterodoxa do juiz da Lava-Jato e do chefe da Força Tarefa. Para calcular a extensão dos pedidos de anulação de processo é preciso esperar pelo que vai acontecer com o ex-presidente. [o que não vai acontecer é que mesmo o STF, absurdamente, aceite julgar com base em provas ilegais, criminosas - produtos de crime - NADA vai fazer o tempo voltar e Lula não cumprir 14 meses e alguns dias de prisão em regime fechado (Lula poderá ser libertado por força da progressão de pensa que em breve o favorecerá;
progressão que depende da decisão do TRF - 4 confirmando sua segunda condenação, ocorrendo antes do dia 25 (improvável) Lula não será beneficiado pela mudança do regime fechado para o semiaberto - continuará, pela nova soma de penas acumularas, no fechado, aguardando nova progressão em um ou dois anos (tempo para novas condenações ocorrerem) e quanto o TRF - 4 confirmar, estando Lula no semiaberto voltará ao fechado.]
A partir daí, várias pessoas dirão o que passaram e, também. se transformarão em vítimas do abuso dos condutores da operação. Advogados comentavam ontem um caso certo para a fila, o de Mônica Santana, mulher de João Santana, presos numa das primeiras operações da Lava-Jato. A ela destinaram apenas banho frio na cadeia, fato que parece raso a muitos mas torna-se denso no contexto atual. Muitas coisas desse tipo aparecerão, inclusive se divulgados diálogos que indiquem influência na indicação de delatores e inclusão de nomes nas investigações. A Procuradoria-Geral da República talvez seja a instituição mais atingida pelas comprovações daquilo que já se desconfiava, que a Lava-Jato, apoiada pela sociedade de olhos fechados e abraços abertos, teve como maestro o juiz Sergio Moro e foi movida por instrumentos não irregulares, mas laterais à lei na investigação dos procuradores.
Vindo de uma sucessão de episódios que geraram discussão e desconfiança, a Procuradoria, de instância técnica, transformava-se rapidamente em campo de batalha política intensa. Estão aí, bem vivos, os casos mais recentes que registraram extremismo da PGR. Na operação Joesley, comandada por Rodrigo Janot, por exemplo, jogou-se aos leões o procurador Marcello Miller. Ali a instituição sentiu que andava fora dos eixos. Quando transformou-se em um poder a ser conquistado por disputa eleitoral, o sindicalismo passou a governar suas ações. Os procuradores hoje estão trabalhando para derrubar presidente da República, discutindo eleição presidencial, envolvendo-se na renovação do Parlamento, elaborando pacotes de leis. É possível imaginar tudo isso como resultado do seu trabalho, mas é possível também discutir em que momento a Constituição deu aos procuradores essas atribuições.
O segundo mais prejudicado pela revelação das provas da relação simbiótica entre juiz e investigadores é Sergio Moro. Peça fundamental para a Lava-Jato, o atual episódio revela que ele foi também o estrategista da operação, o condutor dos principais lances, consultado a cada novo passo. Ele não é o primeiro nem será o último juiz a, no Brasil, imiscuir-se em investigação, transformar-se no que se convencionou chamar, no caso Satiagraha (onde atuaram Protógenes Queiroz, Rodrigo de Grandis e Fausto De Sanctis), de sócios ou associados na investigação. O juiz se transforma praticamente no comandante da operação, sugere caminhos, sinaliza o que vai aprovar ou desaprovar, como sugerem os diálogos entre Moro e Dallagnol.
O modelo, embora conhecido, encontrou seu cenário máximo na Lava-Jato, onde equipes de investigadores, policiais, auditores, procuradores, funcionavam sob a batuta do mesmo maestro. Tudo foi e é feito em nome do combate à impunidade, permitiu-se tudo e aceitou-se tudo. Até mesmo a discussão da denúncia entre investigador e juiz. A Lava-Jato foi uma fórmula quase mágica de acabar com a corrupção. Não acabou mas avançou. As consequências da operação, no entanto, ultrapassaram o campo político e eleitoral, o que ainda não entrou na atual conta do episódio Moro-Dallagnol. Poucos se lembram de lamentar o destino das empresas que faliram, ou precisaram demitir milhares de trabalhadores e paralisar obras. Sem que fosse esboçado um mero gesto de preocupação.
Rosângela Bittar - Valor Econômico