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quinta-feira, 5 de abril de 2018

Em matéria de prisão, Gilmar virou um ex-Gilmar



Em matéria de prisão de condenados na segunda instância, Gilmar Mendes pode ser a favor de tudo ou absolutamente contra qualquer outra coisa. Em 2016, o ministro ajudou a compor a maioria de 6 a 5 que alterou a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal para permitir a execução das penas depois de esgotadas as possibilidades de recurso no segundo grau. Agora, acha que é melhor permitir aos encrencados que recorram em liberdade pelo menos até o Superior Tribunal de Justiça, uma Corte de terceira instância.

O Gilmar que se expressou no voto proferido em outubro de 2016 tinha o desejo de aproximar o Brasil do “mundo civilizado”, onde não se exige o esgotamento de 100% das possibilidades de recurso para que um condenado vá para o xadrez. O novo Gilmar deseja oferecer aos sentenciados a oportunidade de contratar bons advogados para protelar a execução da pena até o STJ. Ali, indicam as estatísticas oficiais, o percentual de absolvições de condenados nas instâncias inferiores é ínfimo: 0,62%. Mas é enorme a possibilidade de procrastinação.

Há dois anos, Gilmar achava que o princípio da presunção de inocência não impedia a prisão em segunda instância, pois essa garantia individual se enfraquecia à medida que os encrencados evoluíam da condição de investigados para o estágio de condenados. Se antes queria prender, agora Gilmar dedica-se a soltar presos. Anuncia de fronte alta que, desde maio de 2017, passou a deferir pedidos de habeas corpus, na contramão da jurisprudência que ajudara a criar. “Não é um, não é dois, não é três. São muitos!”, disse o ex-Gilmar, sobre a quantidade de detidos que devolveu ao meio-fio.

Em sua versão 2016, Gilmar celebrava a perspectiva de melhoria dos presídios brasileiros com a chegada de condenados endinheirados. Remodelado, o Gilmar de 2018 esgrime a bandeira dos direitos humanos. E critica “o populismo” e “a demagogia” de quem deseja saciar “essa onda de punitivismo que está por aí.”

Antes, Gilmar soltava fogos para a evolução que a carceragem da Polícia Federal de Curitiba experimentou depois da deflagração da Operação Lava Jato. Informado de que o banho frio havia sido substituído por chuveiro quente, o ministro saudou: “São as melhorias que estão ocorrendo a partir desses ilutres visitantes dessas celas”. Agora, ao mesmo tempo em que oferece refresco aos condenados ilustres, Gilmar ataca a Lava Jato em timbre ácido.

O ministro explica que mudou de posição não por enxergar amigos aguardando na fila das condenações, mas “porque nós estamos cometendo injustiças aos borbotões.” Mais: “Estamos fortalecendo um estamento que não terá mais contraste.” Gente como delegados, procuradores e juízes. Pior: “Quando a gente analisa os casos da Lava Jato, a prisão em segunda instância é uma balela, porque na maioria dos casos ela começa em primeiro grau como prisão provisória.”

A mudança de posição rendeu críticas a Gilmar, que passou a arrostar inclusive hostilidades nas ruas. Mas ex- Gilmar atribui a animosidade à sanha persecutória da mídia, não ao seu vaivém doutrinário. O ministro dá de ombros para o fenômeno: “Se nós tivermos que decidir causas como esta porque a mídia quer este ou aquele resultado, melhor nós nos demitirmos e irmos para casa.”

Blog do Josias de Souza