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sábado, 11 de fevereiro de 2017

Supremas diferenças

É justo que o presidente do país escolha os juízes das cortes constitucionais que possivelmente vão julgar processos do interesse do governo? 

O debate sobre essa questão foi reacendido nas últimas semanas com as novas nomeações para o Supremo Tribunal Federal e para a Suprema Corte dos Estados Unidos. Com a morte de Teori Zavascki em um desastre aéreo em janeiro, Michel Temer fez sua primeira indicação para o STF: Alexandre de Moraes, que ocupava o cargo de ministro da Justiça no seu governo. Nos EUA, o presidente Donald Trump escolheu o juiz federal Neil Gorsuch para a vaga aberta com a morte do notório Antonin Scalia, em fevereiro do ano passado. Tanto nos Estados Unidos como no Brasil, que replica o modelo americano, o candidato passará por uma sabatina no Senado e precisa ser aprovado pela maioria da Casa.

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A fórmula de nomeação adotada aqui e nos EUA, com o Poder Executivo indicando e o Poder Legislativo referendando, é uma das muitas possíveis para a seleção de um juiz de suprema corte. No geral, os modelos buscam que exista um equilíbrio entre os Poderes na escolha, e que o futuro ministro seja alguém com conhecimento técnico e amparo político. 

Outro método popular é dividir as indicações entre os poderes. Na França, os presidentes da República, do Senado e da Câmara escolhem um terço dos assentos da corte cada um; na Alemanha, a divisão é entre as duas Casas Legislativas; e na Itália, entre os três Poderes. Israel adota uma fórmula diferente: um colegiado composto por representantes da corte, do governo e do Parlamento faz as indicações. Já na Índia, em um sistema que beira o corporativismo, o próprio Supremo aponta os seus ministros. (Confira abaixo os diferentes modelos de composição).

Brasil

Supremo Tribunal Federal

A enorme carga de processos da corte brasileira é reflexo das intermináveis oportunidades de recursos que a Justiça do país oferece e do detalhamento da Constituição de 1988, que com seus mais de 200 artigos e 80 emendas permite que quase qualquer assunto possa ser levado ao STF. Na semana passada, o tribunal responsável por julgar os políticos envolvidos na Lava Jato decidiu sobre o habeas corpus a uma mulher presa por tentar furtar desodorantes e chicletes em 2011

. “Ninguém dá conta de analisar 10.000 ações em um ano. O que acontece? Você faz um modelo de decisão para determinado tema. Depois, a sua equipe de analistas reúne os casos análogos e aplica o seu entendimento”, desabafou o então presidente do Supremo Cezar Peluso a VEJA em 2010. Mesmo assim, o STF tem se destacado nos últimos anos pelo julgamento de grandes temas – mensalão, casamento gay, aborto de anencéfalos etc – e por ter a palavra final nos impasses entre os outros Poderes.

MANDATO: até os 75 anos
PROCESSOS: 92.399

Estados Unidos

Suprema Corte dos Estados Unidos

Mais tradicional corte do mundo, o Supremo americano tem uma carga de trabalho de dar inveja aos magistrados brasileiros. Dos mais de 5.000 casos que recebem anualmente, os juízes se debruçam sobre menos de cem, escolhidos a dedo. A enxuta Constituição do país, com sete artigos e 27 emendas, explica o baixo número de processos, mas a existência de "supremas cortes" estaduais também ajuda a filtrar as ações que chegam ao mais alto tribunal. 

Outra grande diferença em relação ao Brasil: os juízes americanos raramente se manifestam fora dos autos e são avessos aos holofotes. Dividida entre progressistas (indicados por democratas) e conservadores (por republicanos), a Suprema Corte tinha, antes da morte de Scalia, um delicado equilíbrio ideológico: quatro juízes à esquerda, quatro à direita e um centrista – o fiel da balança Anthony Kennedy.


MANDATO: Vitalício
PROCESSOS: 82
INDICAÇÃO
9 JUÍZES
 
 
Alemanha


Tribunal Constitucional Federal da Alemanha


Símbolo da Alemanha no pós-guerra, o Tribunal Constitucional Federal está localizado na cidade de Karlsruhe, a mais de 700 quilômetros de Berlim. A distância física visa isolar a corte das disputas políticas da capital, garantindo assim sua neutralidade. Responsável por julgar a constitucionalidade das leis e assegurar uma Alemanha livre e democrática, o tribunal é dividido em duas turmas de mesma hierarquia compostas por oito ministros cada. 
 
As indicações são feitas pelas duas Casas Legislativas: o Bundestag (Câmara) elege uma metade da corte e o Bundesrat (Senado), a outra. A nomeação garante ao magistrado um mandato de doze anos – com direito a traje vermelho e chapéu cerimonial.


MANDATO: 12 anos
PROCESSOS: 6.133
 
 
INDICAÇÃO
16 JUÍZES
 
 (...)
 

A importância da sabatina

Tanta variedade de modelos indica que não existe consenso sobre qual a melhor forma de nomeação. Uma das principais críticas ao modelo brasileiro é o poder excessivo do presidente na escolha, algo que poderia prejudicar a independência do Supremo. A falta de um mandato com tempo pré-estabelecido também é questionada. No STF, um ministro deixa a corte ao completar 75 anos – antes disso, apenas em caso de morte ou se decidir se aposentar precocemente. 

O assento quase vitalício torna a renovação do tribunal inconstante e causa discrepâncias no número de indicações a que cada presidente tem direito. Um exemplo: em seus oito anos de governo, Lula nomeou oito ministros para o Supremo. No mesmo período, Fernando Henrique escolheu apenas três.

Uma das vantagens do modelo, o rigoroso escrutínio do Senado, não funciona na prática no
Brasil. Por aqui, a confirmação do candidato é quase uma formalidade e, não raro, a sabatina se dá em um inadequado clima de camaradagem. Uma exceção auspiciosa foi a audiência com Edson Fachin, que se estendeu por 12 horas e questionou o magistrado de forma exemplar. Ainda assim, o nome do hoje relator da Lava Jato no STF foi aprovado com folga no plenário: 52 votos a 27. 
 
Ou seja, Alexandre de Moraes, criticado pela oposição por exercer cargo no governo e por sua filiação ao PSDB, pode até esperar uma sabatina dura, mas não deve se preocupar com a votação no Senado. Em tempo: a última vez que os senadores rejeitaram um nome para o STF foi há mais de cem anos, no governo de Floriano Peixoto. 
 Nos EUA, é diferente. Os indicados passam por sabatinas que podem durar dias e precisam provar sua competência técnica. A maioria acaba sendo confirmada pelo Senado, mas o processo não é meramente protocolar. Nos últimos cinquenta anos, três nomes foram rejeitados, o último deles no governo Reagan. Outros quatro viram suas indicações naufragarem antes mesmo das sabatinas. Dois casos emblemáticos são os de Douglas Ginsburg, em 1987, e de Harriet Miers, em 2005. O primeiro foi derrubado pela revelação de que havia fumado maconha na vida adulta, enquanto a segunda foi considerada – por democratas e republicanos – despreparada para o cargo. Em 1991, o juiz Clarence Thomas enfrentou até acusações de assédio sexual e passou raspando: 52 votos a 48. 

No ano passado, após a morte de Scalia, Barack Obama nomeou em seu último ano de mandato o juiz Merrick Garland para a vaga. O Senado controlado pelos republicanos, porém, se recusou a sabatinar o magistrado, argumentando que a escolha deveria caber ao próximo presidente dos EUA. Os democratas acusaram os adversários de "roubar" uma indicação e prometem jogo duro contra o candidato de Trump para o tribunal.

Atualmente, tramitam no Congresso 23 propostas para mudar o modelo de escolha dos ministros do STF. Uma sabatina séria que preparasse bem os candidatos a um lugar na corte que zela pela Constituição já seria um ótimo começo. 

Supremo Tribunal Criminal

Entre as competências do STF, está a de julgar políticos com foro privilegiado. A quantidade exorbitante de autoridades envolvidas nos dois megaescândalos de corrupção desvelados nos últimos anos no Brasil – o mensalão e o petrolão – transformou o Supremo em uma espécie de vara de 1ª instância superlotada, deixando de abordar outras questões que são de sua exclusividade.

Apesar de ter sobrecarregado os ministros, o alto número de processos criminais contra políticos não foi, em tudo, um desperdício. “Não tenho dúvida que julgamentos como o da ação penal 470 [mensalão], por exemplo, deram coragem para essa quantidade de juízes de primeira instância tomando decisões fortes contra atos de corrupção”, diz o advogado Daniel Falcão, professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).