"Por
que têm tanto medo de Lula Livre?", indaga o título de um artigo assinado
por Lula na edição deste domingo da Folha. A interrogação indica que tudo mudou
nos 12 meses de cadeia de Lula, exceto a empáfia da divindade do PT. Mesmo
trancado numa cela de 15 m², o presidiário mais vistoso da Lava Jato continuou
hospedado no mundo da fantasia. O próprio Lula —ou a pessoa que redigiu o
artigo em seu nome— cuidou de responder à interrogação do título. "Na
verdade, o que eles temem é a organização do povo que se identifica com nosso
projeto de país. Temem ter de reconhecer as arbitrariedades que cometeram para
eleger um presidente incapaz e que nos enche de vergonha."
Quer
dizer: Lula ainda não enxerga um culpado no espelho do banheirinho da cela
especial de Curitiba. Antes do encarceramento, considerava-se um mito. Isolado
do convívio social, acha que virou um mártir. E continua dando de ombros para
os fatos que o transformaram no avesso de tudo o que imagina ser. Aquilo que
Lula chama de "nosso projeto de país" morreu no segundo mandato de
Dilma, a "gerentona" que ele escolheu para pavimentar o caminho do
petismo para o inferno. Arbitrários não foram os processos ou as sentenças, mas
a decisão de romper as regras da moralidade para fazer do PT um aparelho
arrecadador de fundos, com o beneplácito e o proveito pessoal do grande líder.
Quem elegeu Bolsonaro, esse "presidente incapaz que nos enche de
vergonha", não foram Sergio Moro e a Lava Jato. O feito deve ser atribuído
ao próprio Lula, autoconvertido em principal cabo eleitoral do capitão, e ao
antipetismo, maior força política da sucessão de 2018. As urnas, não os algozes
de Lula, decidiram que o PT não deveria receber um novo mandato presidencial.
Há um ano, horas antes de ser preso, Lula discursou defronte do sindicato de
São Bernardo. Disse que a tranca não iria silenciá-lo, pois sua imaculada
figura transformara-se numa ideia e seus devotos fariam barulho por ele.
"Vocês poderão queimar os pneus que vocês tanto queimam. Poderão fazer as
passeatas que vocês queiram, fazer ocupações no campo e na cidade…" Desde
então, Temer apodreceu no mandato que resultou do impeachment, o PT levou uma
surra eleitoral, Dilma foi condenada pelo eleitorado mineiro à função de
cuidadora perpétua dos netos, Bolsonaro subiu a rampa e a soma das condenações
de Lula ultrapassou a marca de 20 anos. Tudo isso aconteceu sem pneus
queimados, passeatas ou ocupações.
Lula
planejara ganhar a liberdade e disputar a Presidência acuando juízes com a
militância incendiária do PT e o "exército" de João Pedro Stédile, do
MST. Entretanto, secaram as fontes de dinheiro público para sindicatos e
movimentos sociais. Sem a condução e o sanduíche, a solidariedade preferiu
ficar em casa. Hoje, ninguém tem medo do Lula livre. O que amedronta é a
hipótese de que ele receba tratamento diferente do que é dispensado à
bandidagem sem grife. O que assusta é a pose de vítima. O que apavora é a
perspectiva de que o castigo talvez seja insuficiente para evitar a
reencarnação do modelo corrupto que levou para a cadeia o maior líder popular
da história.
Blog do Josias de Souza
Blog do Josias de Souza